As coisas que existem estão religadas entre si por elementos intermediários; nada está isolado, tudo se suporta. O “meio” se apresenta também, desta maneira, como um liame entre imaterial e material, entre númeno e fenômeno. Este “meio” tem afinidades com ambos. Em todas as suas produções, a natureza tem algo pelo qual a coisa é produzida, um “meio” com o qual ela produz, um recipiente ou forma onde se efetua a gênese dos fenômenos.
A racionalidade identitária, aplicada segundo uma lógica simplista “by the book”, tende a reduzir a opulência do real ao binômio Mesmo-Outro, a recortar as figuras do mundo segundo pares binários (pretensas combinações forma-matéria ou ser-“meio”), e sobretudo a exorcizar toda diferenciação constitutiva de uma diferença. Nasce assim uma grande “prosa do mundo”, assentada sobre grades taxinômicas e formalismos lógicos, que por diferentes trajetórias, disciplinam qualquer diferencial, reduzem a complexidade (WUNENBURGER, J.-J., La Raison Contradictoire).
O pensamento identitário tenta reduzir a diferenciação a uma alternativa entre a confusão e a separação de duas determinações que partilham o campo do dado. De maneira geral, o espaço separando as duas determinações de referencia se encontra totalmente vazio. As aporias deste pensar identitário vêm justamente desta ignorância do “meio” entre determinações extremas; um “meio” que separa, apesar das forças de unificação, e que religa, apesar de todo poder de exclusão de um extremo a outro. Como tornar possível uma inteligibilidade deste “meio”, através do qual transitam o Mesmo e o Outro? Como definir o estatuto deste “entre lugares” (mi-lieux), para ele não ser agregado de novo às determinações extremas?
Monismo e dualismo, e o pensar identitário em geral, repousam sobre o esvaziamento da consistência e da fecundidade do “meio”, do “entre-lugares”, que tornam possível a distribuição do Mesmo e do Outro. Este terceiro dado (tertium datum), que se interpõe entre determinações postas em relação, não é da diferença em si mesma, mas o que permite pensar e produzir a diferença. Em outras palavras, o “meio” toma posição entre as determinações, não se agregando, mas condicionando a disposição recíproca dos extremos.
Essa cristalização de uma zona mediana, essa emergência de um intermediário em qualquer díade, enfim, de um “meio” que não é membrana capilar osmótica ou fronteira erigida em defesa, pode oferecer-se ao tratamento conceitual e simbólico, visando reduzir o poder da chamada razão identitária, de origem aristotélica. O “meio” pode, de fato, ser um auxiliar a mais na problematização da oposição e relação de determinações extremas, desde que sua noção implique e manifeste o reconhecimento de uma certa comunidade de essência, entre dois termos irredutíveis entre si1.