Conhecimento científico (Henry)

Se o ser verdadeiro do homem depende do conhecimento que temos dele, então, com efeito, uma transformação radical do conhecimento, de sua natureza, de suas metodologias, de seu objeto, deve acarretar, quando este conhecimento se aplica ao homem, uma mudança completa na concepção do próprio homem. Foi assim a transformação do conhecimento que se produziu no início do século XVII quando, como o lembramos, Galileu contestou a realidade das qualidades sensíveis do universo para lhes opor, como constitutivos da realidade deste, objetos materiais extensos dotados de figuras. Ao conhecimento sensível dessas qualidades sensíveis ilusórias devia substituir-se o conhecimento geométrico das figuras dos corpos materiais extensos. Com Descartes e a formulação matemática deste conhecimento geométrico, a ciência moderna, o enfoque físico-matemático do universo material, estava fundada. [361]

Na medida em que o próprio homem está submetido a esse gênero de conhecimento, considerado hoje como o protótipo de todo saber rigoroso e, assim, de toda ciência, então sua natureza se encontra claramente definida também. O homem é um composto de partículas materiais, e sua realidade verdadeira depende de certas estruturas específicas de organização dessas partículas, notadamente estruturas químicas e biológicas. Lembremos que, no momento em que ele realiza o ato protofundador da ciência moderna como conhecimento geométrico dos corpos materiais, é às propriedades biológicas do organismo humano que Galileu atribui a existência e a natureza das qualidades sensíveis dos objetos. O homem, portanto, é uma parte do universo material e explica-se inteiramente a partir deste último. Queira-se ou não, é esta concepção do homem que, por vias diversas, determina o pensamento de nosso tempo. O homem é bem pouca coisa. Não somente ele não é mais que uma engrenagem desta imensa máquina de funcionamento cego a que está submetido. Em si mesmo, ele não escapa a esta determinação radical que não é, pois, somente externa, mas interna: ele não é senhor em sua própria casa!

Tais concepções estão ligadas à ciência, a ponto de aparecerem como as concepções científicas mesmas, como verdades científicas no sentido de que também fariam parte da ciência e deveriam ser afirmadas a esse título. É esta ilusão que denunciamos traçando uma linha divisória intransponível entre o que diz a ciência e o que a faz dizer um bom número dos que a praticam e que creem falar em seu nome – entre a ciência e o cientificismo. Para reduzir o homem a uma parte do universo material submetida, como este último, ao enfoque físico-matemático da ciência galileana moderna, é preciso ter reduzido antecedentemente toda forma de conhecimento a tal enfoque – pressupor que não existe nenhum modo de saber além da ciência galileana, ou seja, afinal de contas, da física moderna. Mas tal pressuposição é o que esta ciência é por si mesma incapaz de estabelecer [362], o que escapa por princípio a seu olhar. Que vê ela, com efeito? No campo galileano, não há senão corpos materiais com suas determinações físico-matemáticas ideais. Onde se mostra em tal campo, onde se pode ler nele a afirmação de que ele é único constituinte de toda realidade concebível? (MHSV)