Categoria: Fenomenologia Hermenêutica
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É tão habitual considerar a celebre entrevista concedida por Martin Heidegger em 1966 ao semanário alemão Der Spiegel como tendo um interesse fundamentalmente biográfico, que pouco se tem atendido ao seu conteúdo eminentemente filosófico. São, contudo, os grandes temas do pensamento heideggeriano os que afloram nesse fragmento, jornalisticamente concebido. Essa perspectiva, normalmente descuidada nos enfoques…
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Na vida quotidiana, preocupação e despreocupação coexistem. Também o bom e o mau humor. O fundo ontológico do cuidado e a superfície ôntica do mundo da vida manifestam-se dessas duas maneiras, entre outras. Mas estas duas modalidades afectivas permitem aceder não tanto aos momentos singulares de manifestação afectiva em uma ou outra situação concreta, quanto…
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A interpretação de Heidegger do ser humano como ser-no-mundo faz parte de um esforço para resistir à tentação de interpretar os fenômenos intencionais mundanos em termos exclusivamente subjetivos ou exclusivamente objetivos. Heidegger não quer negar que as mentes e os objetos façam parte de nossa compreensão de nós mesmos e do mundo, mas insiste que…
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De acordo com Heidegger, a intencionalidade não é indiferente em relação ao seu contexto mundano, como a lógica de alguns verbos intencionais pode nos levar a acreditar; em vez disso, ela tem a ver com o nosso “lidar” (Umgang) prático e concreto com as coisas. Dessa forma, ele define a orientação intencional não em termos…
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Assim, Heidegger deixa claro que não pretende que suas noções de ser-em e mundanidade simplesmente reiterem as distinções metafísicas tradicionais entre o si mesmo e o mundo. Como ele diz, “sujeito e objeto não coincidem com Dasein e mundo” (SZ 60). Os capítulos 2 e 3 da Divisão I de Ser e Tempo, no entanto,…
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O que é, então, o ser-em se ele não é nem uma entidade nem a propriedade de uma entidade? Poderíamos nos sentir tentados a dizer que ele consiste em ter um mundo, mas isso nos leva a perguntar: O que significa “ter” (125) algo no sentido mais importante?1 Ser-em, ou ter um mundo no sentido…
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Algumas páginas depois, no entanto, Heidegger escreve: “mesmo as entidades que não são sem mundo, por exemplo, o próprio Dasein, ocorrem ‘no’ mundo, ou, mais precisamente, podem, com um certo direito e dentro de certos limites, ser tomadas (aufgefaßt) como algo meramente ocorrente. Para isso, é necessário desconsiderar completamente, ou não ver, a constituição existencial…
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É interessante notar que Heidegger rejeita o discurso de Husserl sobre as “regiões” ontológicas como limitadas a uma compreensão estritamente categorial das entidades, excluindo nossa compreensão existencial de nós mesmos. Já por volta de 1920, em seus “Comentários sobre a psicologia das visões de mundo de Karl Jaspers”, por exemplo, Heidegger diz sobre “a experiência…
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Não está claro se Heidegger considera os objetos matemáticos como coisas genuinamente ocorrentes. De fato, ele não tem quase nada a dizer sobre o ser de entidades abstratas. É claro que a tese do próprio Ser e Tempo — de que o tempo é “o horizonte possível de qualquer compreensão do ser” (SZ 1) e…
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“Mundo” tem um terceiro sentido, mais uma vez ôntico, referindo-se não apenas a entidades ocorridas ou teóricas, mas “àquilo ‘em que’ um Dasein fático, como Dasein, ‘vive’. ‘Mundo’ aqui tem um sentido pré-ontológico, existencial”, diz Heidegger, pois capta nossa noção comum dos mundos práticos nos quais as pessoas vivem suas vidas. Portanto, tem um significado…
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O quarto e último sentido de “mundo”, como o terceiro (breve9486), tem a ver com a estrutura das práticas humanas, mas é novamente ontológico, não meramente ôntico — na terminologia de Heidegger, existencial em oposição a existenciário. Esse sentido final constitui, portanto, “o conceito ontológico-existencial de mundanidade” (SZ 65). Os mundos ôntico-existenciais variam amplamente, como…
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(…) “Cálculo” significa, portanto: por antecipação estar certo e seguro de, que e com; por antecipação contar com — assegurar-se, auto-assegurar-se previamente. Verdade e conhecimento, vistos desde a representação conceitual ou lógico-categorial, articulam-se, compõem-se, conjugam-se e explicitam-se na teorização, na teoria, de cujo corpo o conceito é o índice primeiro, elementar. Mas “teoria agora significa:…
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Nossas considerações a respeito do problema do conhecimento nos conduziram a uma encruzilhada: de um lado, o conhecimento movido pelo interesse da representação certa e segura, isto é, a vontade de cálculo, em que “cálculo” significa por antecipação precisar e poder contar com, ou seja, assegurar-se ou auto-assegurar-se previamente. É essa a marca, mesmo o…
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Suponhamos agora que o “ato”, a “coisa” que, sim, foi feita, porém “mal” feita ou absolutamente tal como “não” deveria ter sido feita, suponhamos que tal “coisa” ou “feito” seja a própria vida, a própria existência. Assim sendo, a vida é nela mesma, em sua constituição ou textura mais própria culpada. No movimento de volta,…
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A grande suposição é a dinâmica de realização de realidade, de toda realidade possível, como a estrutura bipolar “res cogitans versus res extensa”, isto é, sujeito versus objeto. Cabe dizer também: sujeito e, isto é, mais objeto. As substâncias são autônomas — ou seja, cada qual é, de fato, substância. Uma, a cogitans, é ativa;…
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Dissemos: o eu não é o sujeito da ação, mas sim resultado dela, a saber, do verbo ou do interesse, do qual ele se torna protagonista. Também dissemos que objetividade é a própria subjetividade projetada sobre as coisas ou a elas proposta, de modo que toda e qualquer coisa vira objeto. Com isso, a questão…
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Para Heidegger, mundo não significa mais a unidade da natureza e da história, nem algo criado por Deus, nem mesmo a soma de todas as coisas presentes. Em vez disso, o mundo é uma convocação que relaciona mundo a coisa e coisa a mundo. Mundo e coisa não estão lado a lado como realidades separadas,…
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A chave para a filosofia de Heidegger é o conceito de Zuhandenheit ou prontidão para a mão (STMS:manualidade), ao qual também me refiro como “ser-utensílio”. Essa não seria uma afirmação tão incomum se não fosse por minha afirmação de que esse conceito tem sido quase universalmente mal compreendido. A análise de utensílios não é uma…
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A natureza do ser-utensílio é se afastar de qualquer visão. Em um sentido estrito, nunca poderemos saber exatamente o que é um utensílio. Como as lulas gigantes da Fossa das Marianas, os ser-utensílios só são encontrados depois de terem caído mortos na praia, não mais imersos em sua realidade retirada. É impossível definir o ser-utensílio…
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Os estudos de Heidegger têm sido frequentemente deturpados por um sério mal-entendido do termo ôntico. Embora muitos leitores se comportem como se o termo significasse “pertencente a objetos”, na verdade ele significa “pertencente à presença-à-mão” ( Zuhandenheit ). Devido a essa interpretação errônea, os leitores de Heidegger tendem a pensar que estão no caminho certo…