Categoria: Fenomenologia Hermenêutica
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Para compreender o que Heidegger diz sobre estados de espírito (Stimmung) e disposição (Befindlichkeit), vamos primeiro tentar ter uma ideia dos fenômenos sobre os quais está falando. Pense por um momento no que é estar em um estado de espírito, sentir medo, por exemplo. (O próprio Heidegger considera esse exemplo em Ser e Tempo, pp.…
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“Tudo está no caminho”, disse Heidegger. Com isso, ele quis dizer algumas coisas. Primeiro, que não havia meta ou destino final para seu pensamento, que não era possível chegar a um ponto em que tudo estivesse claro, em que todos os problemas estivessem resolvidos, em que tivéssemos respostas definitivas para os problemas filosóficos. A razão…
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A estranha disciplina intelectual que os pitagóricos chamavam de filosofia foi, desde seus primórdios e de forma mais ou menos explícita ao longo de sua história, uma medicina mentis. Ou, pelo menos, muitas vezes ela se apresentava como o verdadeiro studium ad bonam mentem. (MONTICELLI, Roberta de. L’ascèse philosophique: phénoménologie et platonisme. Paris: Vrin, 1997)
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Em primeiro lugar, é verdade que o principal autor de referência para os Grundformen é Heidegger. Mas é igualmente verdade, embora menos óbvio, que o pensamento binswangeriano deve seus insights fundamentais tanto a Heidegger quanto aos fenomenólogos menos conhecidos que o precederam no estudo do significado ontológico da afetividade: essa foi nossa observação inicial. Em…
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Tomemos o ponto mais surpreendente da observação de Heidegger, a saber, que o ente no qual o mundo é constituído, embora não seja uma coisa do mundo e, portanto, uma coisa constituída, não é, de modo algum, “absolutamente nada de ente”. Mas onde e quando exatamente Husserl teria afirmado que essa vida real, que a…
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Por universal, entendo um campo de significados incondicionalmente válido. Se, por exemplo, considerarmos a ideia de Platão sobre o bem, podemos entender que a ideia do bem não se aplica apenas à Grécia ou à Alemanha, portanto, não apenas em uma topografia específica, mas também em todas as topografias possíveis — na verdade, talvez até…
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A maquinação é como experimentamos o que Heidegger chama de “abandono do ser (Seinsverlassenheit)” (GA65: 107/85, tm). Algo é abandonado quando sofre uma partida. O que o abandona “se retira” dele (sendo a retirada a noção gêmea de abandono). Mas é crucial notar que o que se retira, no entanto, mantém uma conexão com o…
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A dis-ponibilidade (Bestand, standing reserve) é o modo de presença de tudo o que existe sob o domínio da tecnologia contemporânea e é o único modo permitido: “Na composição (Gestell), a presença de tudo o que está presente se torna uma dis-ponibilidade” (GA79: 32/31). Esse é tanto o caso que “até mesmo o objeto desaparece…
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Em “A Questão da Técnica”, este desafio muitas vezes parece derivar de uma atitude ou comportamento humano: “Somente na medida em que o ser humano, por sua vez, já está sendo desafiado a acelerar a energia natural, é que este desencobrimento ordenado pode ocorrer” (GA7: 18/QCT 18, tm). Nas palestras de Bremen, no entanto, a…
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A consideração de Heidegger sobre a disponibilidade (Bestand) ocorre em meio ao seu envolvimento com Heráclito (entre os cursos de palestras de meados da década de 1940 e os ensaios do início da década de 1950). Como a disponibilidade tem como alvo o encobrimento da essência, a interpretação de Heidegger do fragmento 123 de Heráclito…
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A disponibilidade da Bestand é talvez sua característica mais proeminente. A disponibilidade em questão coloca a Bestand à disposição de uma requisição geral (Bestellen). Essa requisição exige que o ser se mostre. Ela o “desafia” a aparecer, mas a aparecer apenas como o que ele é, desprovido tanto do encobrimento quanto das relações com os…
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Por fim, vamos refletir brevemente sobre o que significa culpa. Atualmente, a culpa é vista como o elemento de nossa consciência que deve ser removido a todo custo. Os filmes e romances modernos muitas vezes descrevem o homem culpado como o mais miserável e infeliz dos seres, e a mais severa censura é feita contra…
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Heidegger reflete sobre uma possível objeção que pode ser feita contra seu relato sobre sentido/significado. Ele pergunta: Se o sentido é estruturado sobre o que já está presente na relação do Dasein com o mundo, então não temos um círculo vicioso? Não estamos interpretando o que já é conhecido, então por que interpretar? Uma reclamação…
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A consideração da teoria de sentido (Sinn) e interpretação (Auslegung) de Heidegger exige que a seguinte pergunta seja feita: Por que Heidegger fundamenta a interpretação e o sentido na prontidão à mão (zuhanden) em vez de na presença à mão (vorhanden)? Heidegger mostra que o sentido e a interpretação têm seu significado na prontidão-à-mão porque…
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Como um solus ipse ou singulare tantum, o tempo é um poder de muitas nuances. Como base da unidade e da totalidade, ele é uma força coesiva e vinculante, um poder organizacional e de reunião de acordo com o qual “as coisas se juntam, se encaixam e, portanto, fazem sentido”, fornecendo um “contexto de trabalho”…
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(…) Binswanger, como Otto Bollnow, expressa essa ânsia de transcender o «eu» e o «meu», procurando na literatura e, muito especialmente, nos grandes poetas de todos os tempos a expressão do sentimento que, franqueando a subjectividade do sujeito, torna patente uma afinação primordial, uma atmosfera em que já não se é nem eu mesmo nem…
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A presente reflexão, em resposta ao convite de Elza Dutra, nasceu do cruzamento de um projecto, ainda inacabado, sobre o habitar, e da situação de reclusão provocada pela pandemia, que todos vivemos, há tão pouco tempo. Alimentou-se da meditação do último Heidegger e de alguns poetas, cuja leitura é como estar em casa. Mas procura…
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A radicalização da problemática fenomenológica da intencionalidade atinge o seu clímax no conceito de Ereignis, que não tivera lugar em Ser e Tempo, mas constitui o cerne da meditação dos Beiträge. Nele, está pensado o tempo cairológico do mútuo apropriar-se do ser e do aí em que toma forma: o erigir-se dos humanos em ser-o-aí…
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Este trabalho procura fazer uma fenomenologia do comportamento que chamamos “aventura” e da temporalidade que lhe é própria. Procura-se o que é característico da sua experiência original e da sua sedimentação numa atitude e forma vital, potencialmente trivializável. Nesse sentido, partimos do ensaio de Simmel (1910) sobre a aventura, antes de aprofundar a análise, em…
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Sossego e desassossego são termos que expressam formas de fazer a experiência do tempo, para além de poderem ser descritas psicologicamente como estados emocionais. Partindo da abordagem de três situações existenciais — de stress, de tédio e de gozo do momento presente — procura-se, neste trabalho, evidenciar fenomenologicamente os elementos estruturais característicos do encontro existencial…