Carman (2003:132-133) – quarto sentido da palavra mundo

O quarto e último sentido de “mundo”, como o terceiro (breve9486), tem a ver com a estrutura das práticas humanas, mas é novamente ontológico, não meramente ôntico — na terminologia de Heidegger, existencial em oposição a existenciário. Esse sentido final constitui, portanto, “o conceito ontológico-existencial de mundanidade” (SZ 65). Os mundos ôntico-existenciais variam amplamente, como sabem os antropólogos, de acordo com o caráter particular das vidas que ao mesmo tempo moldam e são moldadas por eles, o Dasein ao mesmo tempo se projetando neles e sendo lançado neles. Mas, embora os mundos variem cultural e historicamente, a mundanidade é a estrutura ontológica invariante comum a todos eles e, portanto, “contém em si o a priori” em virtude do qual qualquer mundo em particular, em qualquer um dos sentidos ônticos descritos anteriormente, é um mundo, em vez de uma mera coleção de entidades (SZ 65). A mundanidade do mundo é o que constitui a inteligibilidade essencial, portanto, a interpretabilidade, das entidades como tais em qualquer contexto cultural ou histórico específico. Consiste, portanto, nas circunstâncias práticas “em que” (das Wobei, das Worin) a atividade humana está sempre situada de forma significativa, nas coisas úteis “com as quais” (das Womit) realizamos nossas tarefas, no “para que” (Um-zu) ou “por que” (Wozu) da atividade, que normalmente não representamos para nós mesmos de forma explícita, e, por fim, o objetivo ou “por conta de” (das Worumwillen) que finalmente dá sentido à busca de alguns fins e não de outros (ver SZ 68, 78, 85-7).1 Em suma, a mundanidade do mundo é a estrutura ontológica da inteligibilidade prática pré-conceitual das coisas, em virtude da qual podemos nos orientar em qualquer mundo específico, fazer uso das coisas e agir de uma forma que tenha tanto objetivo quanto objetivo.2 É essencial para nossa existência como Dasein que nosso ser seja um ser-no-mundo nesse sentido ontológico-existencial: “A mundanidade em si é um existencial” (SZ 64).

[CARMAN, Taylor. Heidegger’s Analytic: Interpretation, Discourse and Authenticity in Being and Time. New York: Cambridge University Press, 2003]
  1. In his lectures in the summer of 1928 Heidegger says, “The for-the-sake-of-which, as the primary character of the world, i.e. of transcendence, is the primordial phenomenon (Urphänomen) of ground in general” (MAL 276); it is therefore constitutive of Dasein’s “metaphysical I-ness” or “ontological selfhood,” which he says is “the basic character of existence” (MAL 243).[]
  2. It is important to distinguish between the purpose and the point of an action, or what Heidegger calls the “in-order-to” and the “for-the-sake-of” that constitute the structure of practical significance. For I can know my purpose perfectly well without feeling that there is any point in pursuing it, just as I can have a sense of the ultimate point of my commitments without knowing exactly what I ought to be doing in light of them. Examples of pointless purposes are abundant: I aim to get rich and retire young, but I come to see the emptiness of idle wealth. Examples of purposeless points are less obvious but still not hard to imagine: I want to be a good father, but I don’t know what actions or projects constitute good parenting.[]