Mauro Gama
Só existe um problema filosófico realmente sério: é o suicídio. Julgar se a vida vale ou não vale a pena ser vivida é responder à questão fundamental da filosofia. O resto, se o mundo tem três dimensões, se o espírito tem nove ou doze categorias, aparece em seguida. São jogos. É preciso, antes de tudo, responder. E se é verdade, como pretende Nietzsche, que um filósofo, para ser confiável, deve pregar com o exemplo, percebe-se a importância dessa resposta, já que ela vai preceder o gesto definitivo. Estão aí as evidências que são sensíveis para o coração, mas é preciso aprofundar para torná-las claras à inteligência.
(…)
O suicídio sempre foi tratado somente como um fenômeno social. Ao invés disso, aqui se trata, para começar, da relação entre o pensamento individual e o suicídio. Um gesto como este se prepara no silêncio do coração, da mesma forma que uma grande obra. O próprio homem o ignora. Uma tarde ele dá um tiro ou um mergulho. De um administrador de imóveis que tinha se matado, me disseram um dia que ele perdera a filha há cinco anos, que ele mudara muito com isso e que essa história “o havia minado”. Não se pode desejar palavra mais exata. Começar a pensar é começar a ser minado. A sociedade não tem muito a ver com esses começos. O verme se acha no coração do homem. É ali que é preciso procurá-lo. É preciso seguir e compreender esse jogo mortal que arrasta a lucidez em face da existência à evasão para fora da luz.
Há muitas causas para um suicídio e, de um modo geral, as mais aparentes não têm sido as mais eficazes. Raramente alguém se suicida por reflexão (embora a hipótese não se exclua). O que desencadeia a crise é quase sempre incontrolável. Os jornais falam frequentemente de “profundos desgostos” ou de “doença incurável”. Essas explicações são válidas. Mas seria preciso saber se no mesmo dia um amigo do desesperado não lhe falou em tom indiferente. Este é o culpado. Pois isso pode ser o suficiente para precipitar todos os rancores e todos os aborrecimentos ainda em suspensão.
Mas, se é difícil fixar o instante preciso, o procedimento sutil em que o espírito se decidiu pela morte, é mais fácil extrair do próprio gesto as consequências que pressupõe. Matar-se é de certo modo, como no melodrama, confessar. Confessar que se foi ultrapassado pela vida ou que não se tem como compreendê-la. Mas não nos deixemos levar tanto por essas analogias e voltemos à linguagem corrente. É somente confessar que isso “não vale a pena”. Naturalmente, nunca é fácil viver. Continua-se a fazer gestos que a existência determina por uma série de razões entre as quais a primeira é o hábito. Morrer voluntariamente pressupõe que se reconheceu, ainda que instintivamente, o caráter irrisório desse hábito, a ausência de qualquer razão profunda de viver, o caráter insensato dessa agitação cotidiana e a inutilidade do sofrimento.
Qual é, portanto, esse sentimento incalculável que priva o espírito do sono necessário à vida? Um mundo que se pode explicar mesmo com parcas razões é um mundo familiar. Ao contrário, porém, num universo subitamente privado de luzes ou ilusões, o homem se sente um estrangeiro. Esse exílio não tem saída, pois é destituído das lembranças de uma pátria distante ou da esperança de uma terra prometida. Esse divórcio entre o homem e sua vida, entre o ator e seu cenário, é que é propriamente o sentimento da absurdidade. Como já passou pela cabeça de todos os homens sãos o seu próprio suicídio, se poderá reconhecer, sem outras explicações, que há uma ligação direta entre este sentimento e a atração pelo nada.
Il n’y a qu’un problème philosophique vraiment sérieux : c’est le suicide. Juger que la vie vaut ou ne vaut pas la peine d’être vécue, c’est répondre à la question fondamentale de la philosophie. Le reste, si le monde a trois dimensions, si l’esprit a neuf ou douze catégories, vient ensuite. Ce sont des jeux ; il faut d’abord répondre. Et s’il est vrai, comme le veut Nietzsche, qu’un philosophe, pour être estimable, doive prêcher d’exemple, on saisit l’importance de cette réponse puisqu’elle va précéder le geste définitif. Ce sont là des évidences sensibles au cœur, mais qu’il faut approfondir pour les rendre claires à l’esprit.
(…)
On n’a jamais traité du suicide que comme d’un phénomène social. Au contraire, il est question ici, pour commencer, du rapport entre la pensée individuelle et le suicide. Un geste comme celui-ci se prépare dans le silence du cœur au (17) même titre qu’une grande œuvre. L’homme lui-même l’ignore. Un soir, il tire ou il plonge. D’un gérant d’immeubles qui s’était tué, on me disait un jour qu’il avait perdu sa fille depuis cinq ans, qu’il avait beaucoup changé depuis et que cette histoire « l’avait miné ». On ne peut souhaiter de mot plus exact. Commencer à penser, c’est commencer d’être miné. La société n’a pas grand-chose à voir dans ces débuts. Le ver se trouve au cœur de l’homme. C’est là qu’il faut le chercher. Ce jeu mortel qui mène de la lucidité en face de l’existence à l’évasion hors de la lumière, il faut le suivre et le comprendre.
Il y a beaucoup de causes à un suicide et d’une façon générale les plus apparentes n’ont pas été les plus efficaces. On se suicide rarement (l’hypothèse cependant n’est pas exclue) par réflexion. Ce qui déclenche la crise est presque toujours incontrôlable. Les journaux parlent souvent de « chagrins intimes » ou de « maladie incurable ». Ces explications sont valables. Mais il faudrait savoir si le jour même un ami du désespéré ne lui a pas parlé sur un ton indifférent. Celui-là est le coupable. Car cela peut suffire à précipiter toutes les rancoeurs et toutes les lassitudes encore en suspension 1.
Mais, s’il est difficile de fixer l’instant précis, la démarche subtile où l’esprit a parié pour la (18) mort, il est plus aisé de tirer du geste lui-même les conséquences qu’il suppose. Se tuer, dans un sens, et comme au mélodrame, c’est avouer. C’est avouer qu’on est dépassé par la vie ou qu’on ne la comprend pas. N’allons pas trop loin cependant dans ces analogies et revenons aux mots courants. C’est seulement avouer que cela « ne vaut pas la peine ». Vivre, naturellement, n’est jamais facile. On continue à faire les gestes que l’existence commande, pour beaucoup de raisons dont la première est l’habitude. Mourir volontairement suppose qu’on a reconnu, même instinctivement, le caractère dérisoire de cette habitude, l’absence de toute raison profonde de vivre, le caractère insensé de cette agitation quotidienne et l’inutilité de la souffrance.
Quel est donc cet incalculable sentiment qui prive l’esprit du sommeil nécessaire à sa vie ? Un monde qu’on peut expliquer même avec de mauvaises raisons est un monde familier. Mais au contraire, dans un univers soudain privé d’illusions et de lumières, l’homme se sent un étranger. Cet exil est sans recours puisqu’il est privé des souvenirs d’une patrie perdue ou de l’espoir d’une terre promise. Ce divorce entre l’homme et sa vie, l’acteur et son décor, c’est proprement le sentiment de l’absurdité. Tous les hommes sains ayant songé à leur propre suicide, on pourra reconnaître, sans plus d’explications, qu’il y a un lien direct entre ce sentiment et l’aspiration vers le néant.