Buber: quem Eu digo Tu

nossa tradução

Quando Eu confronto um ser humano como meu Tu e falo a palavra básica Eu-Tu para ele, ele não é uma coisa entre as coisas, nem é composto de coisas.

Ele não é mais Ele ou Ela, limitado por outros Eles e Elas, um ponto na grade mundial de espaço e tempo, nem uma condição que pode ser experimentada e descrita, um frouxo agregado de qualidades nomeadas. Sem vizinhos e contínuo, ele é Tu e preenche o firmamento. Não como se não houvesse nada exceto ele; mas tudo mais vive à sua luz.

Assim como uma melodia não é composta de tons, nem um verso de palavras, nem uma estátua de linhas – é preciso estirar e rasgar para transformar uma unidade em uma multiplicidade – o mesmo acontece com o ser humano a quem Eu digo Tu. Posso abstrair dele a cor de seus cabelos, a cor de sua fala ou a cor de sua graça; Eu tenho que fazer isso de novo e de novo; mas imediatamente ele não é mais Tu.

E assim como a oração não está no tempo, mas tempo na oração, o sacrifício não no espaço, mas o espaço no sacrifício – e quem reverter a relação anula a realidade – não encontro o ser humano a quem digo Tu em algum momento e lugar do mundo. Eu posso colocá-lo aí e tenho que fazer isto de novo e de novo, mas imediatamente ele se torna um Ele ou Ela, um Isto, e não permanece mais meu Tu.

Enquanto o firmamento do Tu estiver espalhado sobre mim, as tempestades da causalidade se encolhem aos meus calcanhares, e o turbilhão da desgraça2 congela.

O ser humano a quem Eu digo Tu, Eu não experiencio. Mas mantenho-me em relação a ele, na palavra sagrada básica. Somente quando dou um passo para fora disto é que o experimento novamente. Experiência é afastamento de Tu.

A relação pode ser obtida mesmo se o ser humano a quem Eu digo Tu não a ouça em sua experiência. Pois Tu és mais do que Isto sabe. Tu fazes mais, e mais acontece a isto, do que Isto sabe. Nenhum engodo chega até aqui: aqui está o berço da vida real.

Kaufmann

When I confront a human being as my You and speak the basic word I-You to him, then he is no thing among things nor does he consist of things.

He is no longer He or She, limited by other Hes and Shes, a dot in the world grid of space and time, nor a condition that can be experienced and described, a loose bundle of named qualities. Neighborless and seamless, he is You and fills the firmament. Not as if there were nothing but he; but everything else lives in his light.

Even as a melody is not composed of tones, nor a verse of words, nor a statue of lines—one must pull and tear to turn a unity into a multiplicity—so it is with the human being to whom I say You. I can abstract from him the color of his hair or the color of his speech or the color of his graciousness; I have to do this again and again; but immediately he is no longer You.

And even as prayer is not in time but time in prayer, the sacrifice not in space but space in the sacrifice—and whoever reverses the relation annuls the reality—I do not find the human being to whom I say You in any Sometime and Somewhere. I can place him there and have to do this again and again, but immediately he becomes a He or a She, an It, and no longer remains my You.

As long as the firmament of the You is spread over me, the tempests of causality cower at my heels, and the whirl of doom 1 congeals.

The human being to whom I say You I do not experience. But I stand in relation to him, in the sacred basic word. Only when I step out of this do I experience him again. Experience is remoteness from You.

The relation can obtain even if the human being to whom I say You does not hear it in his experience. For You is more than It knows. You does more, and more happens to it, than It knows. No deception reaches this far: here is the cradle of actual life.

BUBER, Martin. I and Thou. Tr. Walter Kaufmann. New York: Scribner’s Sons, 1970, p. 59-60]

  1. Verhängnis means, and has been consistently translated as, doom; Schicksal, as fate.[]