Globalmente apreendidas pelo símbolo da árvore-raiz, as diversas figuras do fundamento constituem o resultado teórico de uma certa forma de pensar. Esta maneira, específica da filosofia, de exercer o pensamento foi já por nós referida, no final do capítulo anterior, sob a designação de racionalidade sintética.
E ainda Deleuze, quem no nosso entender melhor caracteriza o modo filosófico de pensar pela redução da diferença a quatro níveis principais:
1) a subordinação da diferença à identidade do conceito e do sujeito pensante;
2) a subordinação do diferente ao semelhante na percepção (o diverso sensível fornece a matéria da identidade conceptual);
3) a subordinação da diferença ao negativo, sob a forma da limitação e oposição qualitativas e quantitativas;
4) a subordinação da diferença à analogia, no juízo, em que o ser aparece como o análogo dos grandes gêneros e dos conceitos derivados específicos, paredes limítrofes de toda a diferença pensável.
Com a imposição formal da identidade, a alteridade do que nos força a pensar resulta reduzida ao âmbito restrito da diferença meramente cognoscível pelos parâmetros da semelhança, da analogia e da oposição dos predicados.
Completamos agora a sugestão do parágrafo anterior, chamando a atenção para o interesse que teria a elaboração, com base no levantamento das categorias inerentes à ideia de fundamento, de uma teoria geral do pensamento filosófico. Caber-lhe-ia, nomeadamente, mostrar, subjacente à concepção heideggeriana do fundamento, a presença de certa «imagem» do pensamento como campo prévio de identidade e operação de identificação.
São, na verdade, ainda as exigências da teoria clássica do conhecimento (garantir a unidade do objeto pela unidade do «eu penso») que presidem à pergunta pela unidade da significação de ser e à sua elucidação a partir da temporalidade horizontal-ekstática, levando o filósofo a privilegiar a presencialidade (Anwesenheit), como o espaço de mesmidade (Selbigkeit) que consente a articulação diferenciada de ser e pensar, de ser e ente.
Tal é manifesto na estrutura ser-no-mundo (in-der-Welt-sein), enquanto correlação de abertura e manifestação. Na verdade, se a existência é o campo de abertura da diferença, ela só o é, porém, enquanto tripla ramificação coordenada de um mesmo ato de fundar. Por seu lado, o mundo, seu correlato objectivo, é esse horizonte a priori de totalidade, a que tem de necessariamente referir-se a novidade do que nos força a pensar. (excertos de Mafalda Faria Blanc, O Fundamento em Heidegger)