Ser é tempo, tempo é ser. O pensamento nunca se deterá por suficientemente no significado dessa igualdade original. Ontologia é cronologia, cronologia é ontologia. Outro pensamento surge e é o mesmo. Esse pensamento é ainda e sempre o pensamento da presença. A identidade insistente da presença sucessivamente pensada como ser e como tempo. Ainda mais do que o ser que ela substituirá, a presença oferecerá a imagem definitiva da temporalidade retificada. Dessa forma, podemos descobrir não, de fato, outro tempo, mas outro sentido de tempo.
Duplicação necessária, a duplicação característica da temporalidade. Há uma multiplicidade de teorias sobre o tempo. Mas, em última análise, há apenas duas maneiras — e somente duas — de vivenciar o tempo e conceituar essa experiência. A primeira é tão antiga quanto a própria filosofia. A segunda é completamente nova. A primeira já foi descrita como “vulgar”, sem a menor intenção de depreciá-la; a segunda pode ser chamada de original ou originária, porque é ao mesmo tempo sua própria origem e a origem daquilo que é seu desdobramento. A primeira é a de Aristóteles, a segunda é a de Heidegger. Entre as duas, a história filosófica da temporalidade não é mais do que uma paráfrase geralmente empobrecedora do que Aristóteles diz com inigualável penetração no livro Δ 10-14 da Física. Essas são meras variações em um tema que, por si só, não mudou. De fato, Aristóteles fixa para sempre uma concepção de tempo que nunca deixará de ser dominante. Concepção bem fundada porque é fundada na experiência imediata e invencível da temporalidade derivada ou decaída. É por isso que, longe de ser anacrônica, falsa ou meramente imprecisa, essa concepção sempre terá sua verdade e sua necessidade.
O original não elimina o vulgar; ao invés, o funda, ilumina e o renega sem nunca eliminá-lo. Destruição, descongelamento ou desmantelamento da temporalidade derivada. Destruição: a única condição para a verdadeira instrução e, nesse aspecto, a destruição é altamente instrutiva.
Por mais numerosas que sejam as teorias filosóficas da temporalidade, elas nunca representam mais do que as formas elaboradas de um único e mesmo tempo: o tempo do mundo — o que Heidegger chama de die Weltzeit. O tempo do mundo não é o tempo do ser-no-mundo. O tempo ôntico não é o tempo existencialmente ontológico. Ou ainda, o tempo “mundano” da temporalidade derivada não é o tempo “mundano” da temporalidade original. O primeiro pode e deve ser pensado a partir do segundo. O segundo é rigorosamente impensável com base no primeiro. Do original para o derivado, a consequência é boa. Do derivado para o original, a regressão é impossível. É uma questão de hierarquia, de respeito às ordens e aos níveis.
(BIRAULT, Henri. Heidegger et l’expérience de la pensée. Paris: Gallimard, 1978)