Heidegger primeiro extrai aqui o significado ontologicamente metafísico do a priori. De fato, a metafísica, e somente a metafísica, determina o ser do ente como aquilo que é, de alguma forma, anterior ou primeiro, não em relação a nós — πρότερον πρὸς ἡμας — mas em espécie, isto é, em relação ao ser ou à entidade de tudo o que é: πρότερον τρ φύσει. A determinação do a priori como o ser do ser não diz respeito, portanto, a esta ou àquela filosofia: a filosofia transcendental de Kant, por exemplo, ou a esta ou àquela interpretação dessa própria filosofia: a de Heidegger, por exemplo. Pelo contrário, encontra seu primeiro início em Platão e determina a própria origem da palavra metafísica. É por isso que Heidegger pode escrever: “Platão, com sua explicitação do ser como ἰδέα, pela primeira vez atribuiu ao ser o caráter do a priori. O ser é o πρότερον τῇ φύσει e, por implicação, o φύσει ὄντα, ou seja, o ente: aquilo que vem depois…. De acordo com sua aprioridade, o ser, entretanto, está acima do ente. “Acima” e “além” é dito em grego μετά. O conhecimento e o saber do ser, l’a priori concebido de forma essencial — como proveniência prévia — (πρότερον τῇ φύσει), quando apreendido a partir do ser, o φυσικά, deve, portanto, ter precedência sobre estes. Isso significa que o conhecimento do ser deve ser μετά τά φυσικά, deve ser metafísico…. Com a explicitação platônica do ser como ἰδέα, assim começa a metafísica. Isso determina para o resto do tempo a história da filosofia ocidental: uma história que, de Platão a Nietzsche, é a história da metafísica.” (GA6T2)
Do começo ao fim, portanto, o a priori tem tido um significado ontológico. O a priori representa uma certa determinação do ser: sua determinação metafísica e ocidental, aquela em que o ser não deixa de ser concebido a partir do ser e como uma função do ente. O a priori é o ser, mas o ser não é necessariamente a priori. É por isso que o pensamento heideggeriano sobre o ser não determinará o ser como a priori, nem será filosófico ou metafísico. De fato, longe de ser capaz de representar o ser ou a vastidão do ser por si só, a determinação do ser como a priori inaugura aquela anulação progressiva do ser em favor do ser que já chamamos de niilismo. Isso significa que a palavra a priori deve ser totalmente abandonada por uma meditação finalmente preocupada em pensar o niilismo em termos de sua origem e destino? De modo algum. Pelo contrário, o duplo significado da aprioridade do a priori é instrutivo a esse respeito. O a priori é o que vem ontologicamente “antes” e cronologicamente “depois”. Ele não é “temporal”, mas também não é “atemporal”. Em vez disso, sua própria antecipação revela algo da temporalização original do tempo em seu avanço, em seu advento ou em seu a-futuro, algo que se refere obscuramente à relação essencial e oculta do ser e do tempo (GA6T2:219).
O a priori não é uma propriedade do ser, ele é o próprio ser pensado na precedência de seu ἀλήθεια. “Mas”, escreve Heidegger, ”desde o início, em Parmênides e Heráclito, αλήθεια é pensada a partir do νοεῖν. É assim que o a priori, ao fazer um movimento em direção à distinção entre antes e depois, entra no conhecimento, ou seja, na apreensão. Ao mesmo tempo, porém, o ser é necessariamente experimentado de alguma forma como o mais ente, o ser é o ὄντως ὄν, enquanto o “ente” se torna o μὴ ὄv.” (GA6T2:227)