O tema deste livro é a técnica como o horizonte de todas as possibilidades futuras.
Há dez anos [em 1982], quando formulei essa pergunta pela primeira vez, ela ainda parecia secundária. Hoje, ela atravessa todas as nossas questões, e sua enormidade se impõe a todos nós. Isso exige uma tarefa, cuja urgência ainda é pouco mensurável, apesar da vivacidade das questões em jogo e das preocupações que elas despertam, uma tarefa de longo prazo que é tão empolgante quanto paciente e será difícil, permeada por uma impaciência maçante, necessária e perigosa. Neste ponto, quero alertar o leitor sobre essa dificuldade e sua necessidade: desde seus primórdios e até os dias de hoje, a filosofia reprimiu a técnica como objeto de pensamento. A técnica é o não pensado.
O perigo, escreveu Maurice Blanchot, “não está no desenvolvimento incomum de energias e na dominação da técnica, mas, antes de tudo, na recusa em ver a mudança de era e em considerar o significado desse ponto de virada”.
As reações, sejam elas imediatas ou mediadas e midiatizadas, sejam elas “epidérmicas” ou calculadas, provocadas pelas perturbações e mudanças das quais nossa era é o teatro, e das quais a técnica é o fator dinâmico mais poderoso, devem ser imperativamente superadas. A época atual está envolvida no turbilhão de um processo de tomada de decisão (krisis) ensurdecedor, cujos mecanismos e tendências permanecem obscuros e que devemos tentar tornar inteligível à custa de um esforço de anamnese tanto quanto de uma atenção meticulosa à complexidade do que está acontecendo: os resultados apresentados aqui ainda são apenas uma tentativa que é tão tateante quanto resoluta; tatear (com a mão que o permite) é o próprio objeto desta reflexão.
O impulso do tempo é ainda mais paradoxal, pois, embora devesse abrir a porta para a evidência de um futuro, nunca a iminência de uma impossibilidade futura pareceu tão grande. O fato de ser necessária uma mudança radical de ponto de vista e atitude é ainda mais reativo porque é inevitável. O ressentimento e a negação são fatores de apodrecimento e tendências irredutíveis, que Nietzsche e Freud colocaram no centro de suas meditações há um século. Eles nunca foram ilustrados de tantas maneiras diferentes como hoje. Os leitores saberão que esses autores, que raramente são citados neste livro, estão no ponto de fuga das perspectivas que tentei abrir.
[STIEGLER, Bernard. La technique et le temps. Tomes 1-3. Paris: Fayard, 2018 (ebook)]