Beneval de Oliveira: A Hermenêutica e a Linguagem

A expressão hermenêutica se deriva, diz Heidegger, do verbo hermenéun. Este se liga ao substantivo hermenéus. Através de um jogo sutil que mais se impõe que o rigor da ciência, o substantivo pode ser ligado ao nome do deus Hermes. Hermes é o mensageiro dos Deuses. Cabe a ele trazer a mensagem do destino; HERME NEOEIN é aquela exposição que comunica à medida em que tem possibilidades de escutar uma mensagem. Tal exposição se torna explicação daquilo que já vem dito pelos poetas os quais segundo a palavra de Sócrates, no diálogo de Platão ION são mensageiros dos deuses hermenes eisen tôn theon.

Assim, através do que foi dito se torna claro que o hermenêutico não é primeiramente a explicação, mas antes disso, já o trazer uma mensagem e comunicação.

Heidegger diz que usou a palavra hermenêutico neste sentido mais originário para caracterizar, em seu auxilio, o pensamento fenomenológico que lhe abriu para Ser e Tempo. Tratava-se e trata-se ainda de se levar o ser do ente a se manifestar; é claro que não ao modo da metafísica clássica, conforme já salientamos acima, mas de tal maneira que o próprio ser significa: presença ao que se apresenta, isto é, a diferença ontológica de ambos a partir da unidade simples.

Eis aí uma fenomenologia que se insere numa ontologia da finitude, o homem, como já assinalamos acima, “está desvelando-se e se ocultando no próprio ser.

Stein afirma que Heidegger “assume o termo hermenêutica no sentido da ontologia da compreensão. Por isso sua fenomenologia hermenêutica. Hermenêutica não significa em Ser e Tempo, nem a teoria da arte de interpretar, nem a própria interpretação, antes porém, a tentativa de determinar primeiramente a essência da interpretação, a partir do hermenêutico. O hermenêutico é justamente o elemento ontológico da compreensão, enquanto ela radica na própria existência. O Ser Aí é um em si mesmo hermenêutico, enquanto nele reside uma pré-compreensão, fundamento da toda posterior hermenêutica. A compreensão é o modo de ser do “Ser-Aí”, enquanto existência. A compreensão é um existencial, é o existencial fundamental em que reside o próprio aí, a própria abertura,

o próprio ser do Ser aí. O “Ser-Aí” é, portanto, em si mesmo hermenêutico, enquanto sempre se movimente numa compreensão do próprio ser. A compreensão prévia de sua existência já demonstra uma presença da ideia do ser em geral” 1. E mais adiante : “O sentido do Ser que é buscado já é alcançado pré-ontologicamente na compreensão do “Ser-Aí”. Isto é, o hermenêutico em si mesmo : dele irrompem todas as outras dimensões da hermenêutica” 2.

A pág. 94 de seu livro já citado, Stein mostra que a Filosofia não se esgota na fenomenologia hermenêutica e se formos procurar outros aspectos da fenomenologia hermenêutica podem trazer nova luz sobre as análises feitas em Ser e Tempo. Os textos a que se alude mostram todos eles que a fenomenologia só alcança seu pleno desenvolvimento com a ontologia hermenêutica, como interpretação do ser. Se examinarmos, continua Stein, as passagens inventariadas teremos os seguintes problemas a serem explicitados posteriormente: as relações entre ser-aí e os outros entes; a explicação última do sentido existencial da compreensão: o problema dos entes subsistentes e disponíveis; a analítica existencial temporal; o problema da interpretação existencial da ciência; o desenvolvimento do conceito de fenomenologia; a suficiente delimitação conceitua) da cotidianidade; o problema da diferença entre o ôntico e o histórico; o problema da intratemporalidade; o fato e o modo de como o ser faz parte do tempo. A própria questão do ser de Ser e Tempo é remetida para o horizonte da elucidação do sentido e do ser em geral” 2.


Sobre a linguagem, o filósofo assevera que o que determina a vinculação hermenêutica do homem com o acontecimento do ser, enquanto fenômeno é exatamente esta.

Salienta Stein naquela locução que a linguagem é “a morada do ser”, “não viso o ser do ente metafisicamente representado, mas o acontecer fenomenológico wesen do ser, mais exatamente, a diferença ontológica entre ser e ente. Esta diferença ontológica, entretanto, sob o ponto de vista do ser digno de ser pensado. Para Heidegger o ser acontece como fenômeno da linguagem. Por isso ele é a casa do ser. Isto toma um sentido,,próprio quando temos presente que ele distingue “entre ser” enquanto ser do ente e “ser” enquanto ser, sob o ponto de vista do sentido que lhe é próprio, isto quer dizer sob o ponto de vista da verdade (clareira) do ser. Este acontecer do Ser, sob o ponto” de vista de seu sentido é o que se busca, segundo o projeto de Ser e Tempo no acontecer do tempo” 2.

Prosseguindo, diz Stein: Quando Heidegger fala da vinculação hermenêutica do homem como acontecer do ser como fenômeno, não fala de um vínculo no sentido da relação. O fato do homem estar numa vinculação hermenêutica é assim explicado: “A palavra vinculação procura dizer que o homem é utilizado em sua essência, que ele, enquanto acontece como homem, pertence a um “uso” que o solicita. Esta solicitação é hermenêutica. Isto quer dizer que o homem é solicitado para trazer uma comunicação para guardar uma mensagem” 3.

  1. Ibid, p. 89[]
  2. Ibid, p. 99[][][]
  3. Ibid, p. 160[]