Backman (2015:114-117) – os três sentidos de “ser”

As ambiguidades inerentes à articulação de Heidegger da diferença ontológica sinalizam uma ambiguidade fundamental em seu uso da palavra “ser” (Sein). Essa ambiguidade não é o resultado de mero descuido terminológico. Em vez disso, trai o caráter “transitório” do discurso de Heidegger, a tensão não resolvida entre as abordagens metafísica e pós-metafísica do ser, com as quais luta constantemente. Para entender a diferença ontológica, devemos nos antecipar e distinguir três aspectos distintos no discurso de Heidegger sobre o “ser”. Deve-se observar novamente que são distintos apenas como aspectos de uma constituição fundamentalmente unificada. Heidegger não fala de “ser” em muitos sentidos simplesmente equívocos e desvinculados, assim como Aristóteles não o faz; no entanto, seu uso dessa palavra e de seus cognatos tem ênfases diferentes em contextos diferentes. Para destacar essa aspectualidade sem negligenciar sua unidade básica, pode ser útil distinguir esses aspectos principais usando um numeral subscrito: ser1, ser2 e ser3. Ao fazer isso, no entanto, devemos estar cientes das deficiências inerentes a essa prática e do risco de formalismo superficial, apontado por George Kovacs, que essas estratégias tipográficas acarretam. Também veremos (no Capítulo 6) que, no final de sua carreira, o próprio Heidegger decidiu renunciar ao uso de quaisquer cognatos de “ser” para seu “próprio tópico”, Ereignis, o que complica ainda mais as coisas. De qualquer forma, essa distinção tríplice não pretende ser clara ou exaustiva: todos os três níveis podem abranger uma variedade de nuances em si mesmos, e em textos mais recentes, como as palestras Identidade e Diferença, Heidegger tem uma tendência a usar “ser” em um sentido que se sobrepõe a ser1 e ser2. Portanto, a distinção deve ser considerada como uma mera ferramenta esquemática e heurística.

Ser1: ser como esseralidade (beingness) (ser dos entes). Na ontologia fundamental, como vimos, o “ser” é, em sua maior parte, usado no sentido tradicional (metafísico) ao qual Heidegger mais tarde se refere como o ser dos entes (Sein des Seienden), ou seja, ser na medida em que é abordado (metafisicamente) em termos de entes, a partir da pluralidade de entes. A ontologia fundamental ainda entende basicamente o ser como presença significativa, abordada por meio de suas múltiplas instâncias. Nesse sentido, a esseralidade não é nada radicalmente diferente dos entes, mas sim aquilo que compreende todos os entes e é comum a eles — a esseralidade, aquilo que é (to on) nos entes (ta onta). É a característica dos entes em virtude da qual são.

Ser2: ser como o nada. Tanto Parmênides quanto Aristóteles reconhecem, de maneiras diferentes, o fato de que o ser abrangente dos entes resiste à determinação e à definição. Somente entes específicos podem ser determinados, não o próprio ser. Uma reconsideração desse fato acaba levando Heidegger à percepção de que, nesse sentido, o ser é, de fato, o outro dos entes: não é nada no sentido de ser não-determinado. Aquilo que constitui a presença de instâncias determinadas de presença não está presente de forma determinada. Em sua alteridade aos entes, o ser é a indeterminação que permite a determinação. Em sua palestra de 1929, “O que é metafísica?” (GA9) Heidegger procura transmitir exatamente essa percepção. A única maneira de pensar no ser a partir da estrutura metafísica, ou seja, em termos de entes, mas sem determiná-lo como um ser, é pensá-lo como o nada. Mais tarde, ele parafraseia a palestra da seguinte forma:

O nada (Nichts) é o “não” (Nicht) dos entes e, portanto, é o ser, experimentado a partir da perspectiva dos entes. A diferença ontológica é o “não” entre os entes e o ser. (…) Esse nihilts (Nicht) é o “não” (Nicht) dos entes e, portanto, é o ser, experimentado da perspectiva dos entes. (…) Esse “não” niilizante (nichtende) do nada e esse “não” niilizante da diferença não são, de fato, todos iguais (einerlei), mas são o mesmo (das Selbe) no sentido de pertencerem juntos àquilo que permanece no ser dos seres. (GA9:WM, 123/PM, 97; tr. mod.)

Nesse segundo sentido, o ser é o que dá entes, diferindo deles na diferença ontológica. No entanto, a ontologia fundamental radicaliza essa diferença: o ser como “não-coisa” não é mais uma simples presença indeterminada como tal, em contraste com a presença determinada dos entes; é agora o pano de fundo referencial e contextual da não-presença que torna possível um primeiro plano de presença. Quando o ser é considerado nessa função de fundo, como um contexto temporalmente diferente que dá à presença temporal um significado contextual, ele é designado pela ontologia fundamental como o sentido do ser.

Ser3: ser como imagem do ser. No entanto, mesmo a caracterização do ser como não-ser, como o “outro” dos entes, é apenas um estágio negativo e transitório no caminho para uma abordagem pós-metafísica mais “positiva”. Ser, no terceiro e mais abrangente sentido, é precisamente a diferenciação de fundo e primeiro plano como tal. É a “temporalização” de um presente na unidade extática da atualidade, o surgimento de algo contra o fundo do nada, a complicação do fundo multidimensional na unidade complicada do primeiro plano. Falando de “ser” nesse terceiro sentido, o Heidegger posterior o escreve de forma mais consistente com a ortografia obsoleta e “arcaica” do século XVIII usada por Hegel e Hölderlin, Seyn (talvez melhor traduzida com a variante igualmente obsoleta do inglês moderno antigo “beyng” (seer), usada de forma intercambiável com “beynge”, “beinge” e “being” no século XVI), supostamente para indicar que é a “origem” ou fonte produtiva do ser1, seu pressuposto e, nesse sentido, “mais antiga” do que o ser conhecido pela metafísica. Em “Sobre a questão do ser” (1955), Heidegger risca “imagem” (image) para enfatizar a maneira pela qual essa diferença geradora de significado se recusa a ser conceituada e designada à maneira de uma entidade determinada — e também, ele nos diz, para indicar por meios tipográficos a maneira pela qual o que é tradicionalmente chamado de “ser”, ou seja, a presença, aponta para além de si mesmo em direção às quatro dimensões de fundo do quádruplo (Geviert; ver Capítulo 5; WM, 410-12/PM, 310-11). Seyn/beyng é simplesmente um nome para a perspectiva pós-metafísica sobre o ser, na qual o ser tradicionalmente buscado pela metafísica — a presença como tal em suas várias configurações metafísicas — é incorporado como um aspecto de primeiro plano que é constantemente diferenciado de uma dimensão de fundo de não-presença radical. Ereignis, evento, é, portanto, um nome para a experiência histórica pós-metafísica específica e a articulação do ser em termos dessa dimensionalidade.

A “diferença ontológica”, portanto, acaba sendo um nome preliminar para o próprio beyng (ser3), na medida em que este último é abordado a partir da estrutura da ontologia fundamental, na qual “ser” geralmente significa ser1 e “sentido do ser” significa ser2. Como o acontecimento da atualidade extática em sua unidade complicada, a existência do Dasein é precisamente o processo pelo qual o beyng como diferença ontológica é continuamente realizado à medida que o presente é revelado como uma unidade complicada das dimensões temporais. Nesse sentido, como Heidegger explica em seu curso de Nietzsche de 1940, a “base” ou “fundamento” que a ontologia fundamental está procurando é precisamente a diferença ontológica (GA6T2:N II, 186) — que, é claro, não pode mais funcionar como uma “base” para qualquer fundacionalismo metafísico tradicional. Uma nota marginal tardia à palestra de 1964 “O fim da filosofia e a tarefa de pensar” (GA11) torna isso ainda mais explícito: “Em Ser e Tempo, a ‘questão do ser’ (Seinsfrage) (é) o título abreviado da questão relativa à proveniência (Herkunft) da diferença ontológica” (GA14, 87n27).