Qualquer filosofia que se compreenda naquilo que é, deve necessariamente saber, como uma modalidade fáctica de interpretação da vida — e precisamente quando ainda tem algum ‘pressentimento’ de Deus — que o desenraizamento pelo qual ela conduz a vida de volta a si mesma é, em termos religiosos, uma forma de se declarar contra Deus. Mas é somente dessa forma que ela permanece leal diante de Deus, ou seja, no auge da única possibilidade disponível para ela; ateísmo, portanto, significa aqui: distanciar-se livremente de qualquer preocupação com e de qualquer tentação de simplesmente falar de religiosidade [Ontologie. Herméneutique de la factivité, GA63, 363].
[LDMH]
ateísmo [LDMH]
[…] Se a filosofia renuncia a ser uma visão do mundo para “decidir por si mesma se encarregar da vida factual”, em outras palavras, se a filosofia, em vez de se dedicar “a não sei que ‘generalidades’ ou ao estabelecimento de princípios arbitrários”, entende sua vocação na “realização expressa e autêntica da tendência de interpretar os movimentos fundamentais da vida, nos quais seu próprio ser está em jogo”, então, nesse caso, “a filosofia é fundamentalmente ateísta”. Heidegger — de fato um teólogo cristão — escreveu essas linhas em 1922 no Relatório Natorp (GA62, 363), que anuncia indiretamente o projeto de Ser e Tempo. “Ateu” não deve ser entendido aqui no sentido de La Mettrie ou Ivan Karamazov; nem se trata da morte de Deus no sentido de Nietzsche, nem da fuga dos deuses ou da falta de Deus (Gottlosigkeit) cantada por Hölderlin; nesse ateísmo de princípios, Deus não é enterrado nem destruído — ele simplesmente não é questionado. Como o movimento temporal da existência é sempre, para aqueles que ek-sistem, o seu próprio ser, a interpretação da existência está necessariamente inscrita em uma compreensão da finitude, que, mesmo que houvesse um pressentimento de Deus, exige que a liberdade aprenda a pensar na ausência de Deus ou em oposição a Deus (no sentido, antes de tudo, de revolta contra Deus) — e, portanto, ao mesmo tempo, no abandono de Deus. Heidegger deixa isso explícito em uma nota no texto datilografado: