Enquanto o que é produzido pelo artesanato e pela arte, por exemplo, o cálice de prata, não possui o eclodir da pro-dução em si mesmo mas em um outro (en allo), no artesão e no artista.
Assim, os modos do deixar-viger, as quatro causas, jogam no âmbito da pro-dução e do pro-duzir. É por força deste último que advém a seu aparecimento próprio, tanto o que cresce na natureza como também o que se confecciona no artesanato e se cria na arte.
Mas como é que se dá e acontece a pro-dução e o pro-duzir, seja na natureza, seja no artesanato, seja na arte? O que é a pro-dução e o pro-duzir em que jogam os quatro modos de deixar-viger? O deixar-viger concerne à vigência daquilo que, na pro-dução e no pro-duzir, chega a aparecer e apresentar-se. [GA7, pag. 16]
De um lado, techne não constitui apenas a palavra do fazer na habilidade artesanal, mas também do fazer na grande arte e das belas-artes. A techne pertence à pro-dução, a poiesis, é, portanto, algo poético. [GA7, pag. 17]
Outrora, chamava-se também de techne a pro-dução da verdade na beleza. Techne designava também a poiesis das belas-artes.
No começo do destino ocidental na Grécia, as artes ascenderam às alturas mais elevadas do desencobrimento concedido. Elas faziam resplandecer a presença dos deuses e o encontro entre o destino de deuses e homens. A arte chamava-se apenas techne. Era um des-encobrir-se único numa multiplicidade de desdobramentos. A arte era piedade, promos, isto é, integrada na regência e preservação da verdade.
As artes não provinham do artístico. As obras de arte não provocavam prazer estético. A arte não era setor de uma atividade cultural.
Mas, então, como era a arte? Talvez somente por poucos anos, embora anos sublimes? Por que a arte tinha o nome simples e singelo de techne? Porque era um des-encobrir pro-dutor e pertencia à poiesis. O último desvelo, que atravessa toda arte do belo, era poiesis, era poesia. [GA7, pag. 36]
É o poético que leva a verdade ao esplendor superlativo que, no Fedro, Platão chama de to ekphanestaton, “o que sai a brilhar da forma superlativa”. O poético atravessa, com seu vigor, toda arte, todo desencobrimento do que vige na beleza.
Será que as belas-artes são convocadas ao desencobrir poético? Será que o desencobrimento há de reivindicá-las mais originariamente para que fomentem, por sua parte, o crescimento do que salva, para que despertem e instaurem em nova forma, a visão e a confiança no que se concede e outorga?
Ninguém poderá saber se está reservada à arte a suprema possibilidade de sua essência no meio do perigo extremo. Mas todos nós poderemos nos espantar. Com o quê? Com a outra possibilidade, a possibilidade de se instalar por toda parte a fúria da técnica até que, um belo dia, no meio de tanta técnica, a essência da técnica venha a vigorar na apropriação da verdade. [GA7, pag. 37]
A arte nos proporciona um espaço assim. Mas somente se a consideração do sentido da arte não se fechar à constelação da verdade, que nós estamos a questionar.
Questionando assim, damos testemunho da indigência de, com toda técnica, ainda não sabermos a vigência da técnica, de, com tanta estética, já não preservarmos a vigência da arte. Todavia, quanto mais pensarmos a questão da essência da técnica, tanto mais misteriosa se torna a essência da arte. [GA7, pag. 37]