Agamben (2022) – Cada presente contém uma parte de não-vivido

Tentemos desenvolver essas ideias, que a autora deixa sem explicação, concernentes à arqueologia. Elas implicam, antes de mais nada, que não apenas a recordação, como em Bergson, mas também o esquecimento é contemporâneo à percepção e ao presente. Enquanto percebemos algo, o lembramos e o esquecemos ao mesmo tempo. Cada presente contém, nesse sentido, uma parte de não-vivido. Antes, ele é, eventualmente, o que permanece não-vivido em qualquer vida, o que, por seu caráter traumático ou por sua excessiva proximidade, permanece inexperienciado em qualquer experiência (ou, se quisermos, nos termos da história do ser heideggeriana, o que na forma do esquecimento destina-se numa tradição e numa história). Isso significa que não é só, e nem tanto, o vivido, mas também e acima de tudo o não-vivido a dar forma e consistência à trama da personalidade psíquica e da tradição histórica, a assegurar-lhes continuidade e consistência. E faz isso na forma dos fantasmas, dos desejos e das pulsões obsessivas que incessantemente urgem no limiar da consciência (individual ou coletiva). Parafraseando um ditado de Nietzsche, poderíamos dizer que quem não viveu algo (seja ele indivíduo ou povo) sempre faz a mesma experiência.

(AGAMBEN, G. Signatura rerum: sobre o método. São Paulo: Boitempo, 2022)