Por vezes, aqueles fundadores do abismo precisam ser consumidos no fogo do que se guarda, para que o ser-aí venha a ser possível para o homem e, assim, seja salva a constância em meio ao ente, para que o ente mesmo experimente a restauração no aberto da contenda entre terra e mundo. Consequentemente, o ente é voltado para o interior de sua constância por meio do ocaso dos fundadores da verdade do seer. Tal movimento é exigido pelo próprio seer mesmo. Ele precisa dos que experimentam o ocaso; e, onde quer que um ente apareça, o seer já sempre se a-propriou desses fundadores que perecem em meio ao acontecimento, já sempre os atribuiu a si mesmo. Essa é a essenciação do seer mesmo: nós a denominamos o acontecimento apropriador. A riqueza da ligação volteante do seer com o ser-aí que lhe é entregue apropriadoramente é imensurável. A plenitude do acontecimento da apropriação é incalculável. E somente algo muito diminuto pode ser dito aqui “sobre o acontecimento apropriador” nesse pensar inicial. O que é dito é questionado e pensado em uma “conexão de jogo” do primeiro e do outro início a partir da “ressonância” do seer; ele é questionado e pensado em meio à indigência do abandono do ser para o “salto” em direção ao interior do seer. Esse “salto” tem por fim promover a “fundação” da verdade do seer como a preparação dos “que estão por vir” e “do último deus”. Esse dizer pensante é uma diretiva. Essa diretiva indica o livre ABRIGO da verdade do seer em meio ao ente como algo necessário, sem ser, contudo, uma ordem. Tal pensamento jamais pode ser transformado em uma doutrina: ele se subtrai completamente ao acaso da opinião. Além do mais, ele só dá uma diretiva aos poucos e ao seu saber, quando o que importa é o resgate dos homens da barafunda do não-ente, lançando-os para o interior da maleabilidade à junção característica de uma criação reservada dos sítios que são determinados para o passar ao largo do último deus. Mas se o acontecimento apropriador perfaz a essenciação do seer, o quão perto está, então, o perigo de que ele recuse e precise recusar o acontecimento da apropriação porque o homem perdeu a força para o ser-aí, uma vez que a violência desencadeada do desvario em meio ao gigantesco o dominou sob a aparência da “magnitude”. No entanto, se o acontecimento apropriador se tornar recusa e denegação, isso significa apenas a retração do seer e o abandono do ente ao não-ente? Ou será que a denegação (o caráter de não do seer) pode se tornar no mais extremo o mais distante acontecimento da apropriação, posto que o homem conceba esse acontecimento apropriador e o horror do pudor o recoloque na tonalidade afetiva fundamental da retenção e, com isto, já o exponha para o ser-aí? [tr. Casanova; GA65: 2]
A longa cristianização de deus e a crescente publicização de toda e qualquer ligação afinada com o ente soterraram de maneira igualmente tenaz e velada as condições prévias, graças às quais algo se encontra na distância da indecidibilidade sobre a fuga ou a chegada do deus, indecidibilidade essa cuja essenciação, todavia, é experimentada da maneira mais íntima possível; e isso por um saber, naturalmente, que só se encontra na verdade como algo criador. Criar – no sentido mais amplo aqui visado – significa todo ABRIGO da verdade no ente. [tr. Casanova; GA65: 7]
O acontecimento apropriador é o entre no que concerne ao passar ao largo do deus e à história do homem. Mas não o campo intermediário indiferente. Ao contrário, a referência ao passar ao largo é a abertura usada por deus do dilaceramento em meio a um fosso abissal; por outro lado, a referência ao homem é o deixar emergir que se apropria em meio ao acontecimento da fundação do ser-aí e, com isto, da necessidade do ABRIGO da verdade do seer no ente como de uma restituição do ente. [tr. Casanova; GA65: 7]
O seer como acontecimento apropriador – renúncia hesitante como (recusa). Maturidade: fruto e doação. O elemento nulo no seer e o impulso contrário; querelante (seer ou não-ser). O seer se essencia na verdade; clareira para o encobrir-se. A verdade como essência do fundamento: fundamento – o em que fundado (não o de onde enquanto causa). O fundamento funda como a-bismo: a indigência como o aberto do encobrir-se (não o “vazio”, mas inesgotabilidade a-bissal). O a-bismo como o tempo-espaço. O tempo-espaço é o sítio instantâneo da contenda (seer ou não-ser). A contenda como a contenda de terra e mundo, porque a verdade do seer só é no ABRIGO e essa como o “entre” fundante no ente. Um contra o outro de terra e mundo. As vias e os modos do ABRIGO – o ente. [tr. Casanova; GA65: 9]
O seer se essencia como acontecimento apropriador. A essenciação tem o meio e a amplitude na viragem. A exportação resolutora de contenda e réplica. A essenciação é garantida e abrigada na verdade. A verdade acontece como o encobrimento clareador. A estrutura fundamental desse acontecimento é o tempo-espaço que emerge dele. O tempo-espaço é o que desponta para as mensurações da abertura do fosso abissal do seer. O tempo-espaço é, enquanto junção da verdade, originariamente o sítio instantâneo do acontecimento apropriador. O sítio instantâneo essencia-se a partir desse acontecimento como a contenda de terra e mundo. A contestação da contenda é o ser-aí. O ser-aí acontece nos modos do ABRIGO da verdade a partir da garantia do acontecimento apropriador clareado e velado. O ABRIGO da verdade deixa que o verdadeiro se abra e se dissimule como o ente. O ente se encontra pela primeira vez assim no seer. O ente é. O seer se essencia. O seer (como acontecimento apropriador) precisa do ente, para que ele, o seer, se essencie. O ente pode “ser” ainda no abandono do ser, sob cujo domínio a tangibilidade e a utilidade imediata, assim como a funcionalidade de todo e qualquer tipo (tudo precisa servir ao povo, por exemplo) constituem obviamente o que é sendo e o que não é. A autonomia aparente do ente em face do seer, como se este fosse apenas um suplemento do pensamento “abstrato” representacional, porém, não é nenhum primado, mas apenas o sinal do privilégio em relação à decadência que cega. Esse ente “real e efetivo” é concebido a partir da verdade do seer como o não-ente sob o domínio da inessência da aparência, cuja origem permanece aí encoberta. O ser-aí como a fundação da contestação da contenda em meio ao que é aberto por ela é cristalizado humanamente e sustentado na insistência que suporta o aí e que pertence ao acontecimento apropriador. O pensar do seer como acontecimento apropriador é o pensar inicial, que prepara como confrontação com o primeiro início o outro início. O primeiro início pensa o seer como presentidade a partir da presentação, que apresenta o primeiro reluzir de uma essenciação do seer. [tr. Casanova; GA65: 10]
Retenção afina o respectivo instante fundante de um ABRIGO da verdade no ser-aí futuro do homem. Essa história fundada no ser-aí é a história velada da grande tranquilidade. É nela apenas que é ainda possível um povo. Só a retenção consegue reunir a essência do homem e levar a termo a reunião do homem nele mesmo, isto é, na determinação de seu encargo: a insistência do último deus. [tr. Casanova; GA65: 13]
Será que está determinada para nós futuramente uma história totalmente diversa daquilo que parece ser hoje considerado como história: a turva caçada às ocorrências que devoram a si mesmas e que só se deixam fixar ainda por meio do mais estridente barulho? Se é que uma história, ou seja, um estilo do ser-aí, ainda nos deve ser doado, então isto só pode ser a história velada da grande tranquilidade, na qual e como a qual o domínio do último deus abre e configura o ente. Portanto, a grande tranquilidade precisa primeiramente se abater sobre o mundo para a terra. Essa tranquilidade emerge apenas do silêncio. E esse silenciamento só desponta da retenção. Ela atravessa de maneira afinadora enquanto tonalidade afetiva fundamental a intimidade da contenda entre mundo e terra e, com isto, a contestação do ataque da apropriação em meio ao acontecimento. O ser-aí como contestação dessa contenda tem sua essência no ABRIGO da verdade do seer, isto é, do último deus em meio ao ente. [tr. Casanova; GA65: 13]
Retenção como a origem da tranquilidade e como lei da reunião. A reunião na tranquilidade e o ABRIGO da verdade. ABRIGO da verdade e seu desdobramento na ocupação e na lida. [tr. Casanova; GA65: 13]
Porque a filosofia é tal meditação, ela salta de antemão para o interior da decisão extrema em geral possível e domina também de antemão com sua abertura todo ABRIGO da verdade no ente e como ente. Por isto, ela é saber dominante pura e simplesmente, apesar de não ser saber “absoluto” ao modo da filosofia do Idealismo Alemão. Como, porém, a meditação é automeditação e, por conseguinte, como nós nos voltamos concomitantemente para o interior da questão quem nós somos; e como nosso ser é um ser histórico e, em verdade, um ser tradicional e determinado pelo sido, a meditação necessariamente se transforma na questão acerca da verdade da história da filosofia, meditação sobre o seu primeiro início que a tudo ultrapassa e seu desdobramento em direção ao fim. [tr. Casanova; GA65: 16]
O que e quem “é” o projetista é algo que só se torna tangível a partir da verdade do projeto; mas, ao mesmo tempo, também se torna velado a partir dai. Pois isto é o que há de mais essencial, o fato de que a abertura enquanto clareira faz com que o velar-se aconteça e só então o ABRIGO da verdade recebe o seu fundamento e seu aguilhão. [tr. Casanova; GA65: 21]
Se o saber como resguardo da verdade do verdadeiro (da essência da verdade no ser-aí) distingue o homem (em face do animal racional até aqui) e o eleva ao nível da vigilância do seer, então o saber mais elevado é aquele que é suficientemente forte para ser a origem de uma abdicação. A renúncia é naturalmente considerada por nós como fraqueza e como transigência, como uma desarticulação da vontade; assim experimentada, a recusa é uma entrega e um deixar-se levar. Mas há uma renúncia que não apenas mantém firme, mas até mesmo conquista por meio do combate e suporta o sofrimento, aquela renúncia que emerge como a prontidão para a recusa, a retenção desse elemento estranho, que se essencia de tal modo como o próprio seer, aquele em meio ao ente e à deização, que arranja um espaço para o entre aberto, em cujo campo de jogo temporal o ABRIGO da verdade no ente e a fuga e chegada dos deuses se convertem um no outro. O saber da recusa (ser-aí como renúncia) desdobra-se como a longa preparação da decisão sobre a verdade, sobre se essa verdade é capaz de se tornar uma vez mais senhora do verdadeiro (isto é, do correto) e, assim, se ela é medida por aquilo que cai sob ela, se a verdade não permanece apenas a meta do conhecimento técnico-prático (um “valor” e uma “ideia”), mas se transforma ela mesma na fundação da insurreição da recusa. Esse saber desdobra-se como o questionamento que se projeta ampla e antecipadamente para frente, o questionamento acerca do seer, cuja questionabilidade obriga todo criar à indigência, erige para todo ente um mundo e salva o que há de confiável da terra. [tr. Casanova; GA65: 26]
Enquanto certeza crescida, o estilo é a lei de realização da verdade no sentido do ABRIGO no ente. E isto porque a arte, por exemplo, é o pôr-em-obra da verdade e porque, na obra, o ABRIGO em si mesmo chega a se aprumar em relação a si mesmo. Por isto, o “estilo”, ainda que só muito pouco concebido, é particularmente visível no campo da arte. O pensamento do estilo, contudo, não é transposto de maneira estendida a partir da arte para o ser-aí enquanto tal. [tr. Casanova; GA65: 31]
Verdade é encobrimento clareador, que acontece como deslocamento extasiante e fascinante. Esses dois deslocamentos, em sua unidade tanto quanto em sua medida excessiva, fornecem o aberto recolocado para o jogo do ente, que se torna sendo no ABRIGO de sua verdade como coisa, utensílio, maquinação, obra, feito, sacrifício. [tr. Casanova; GA65: 32]
Aquela essência da verdade, contudo, a clareira e o encobrimento extasiantes e fascinantes como origem do aí, se essencia em seu fundamento, que nós experimentamos como acontecimento da apropriação. A aproximação e a fuga, a chegada e a evasão, ou a simples elisão dos deuses; para nós, no ser senhor, isto é, no início e no ser dominante sobre esse acontecimento, cujo domínio final inicial se mostrará como o último deus. Em seu aceno, o ser mesmo, o acontecimento apropriador enquanto tal, se torna pela primeira vez visível, e esse brilhar carece tanto da fundação da essência da verdade como clareira e como encobrimento quanto de seu ABRIGO derradeiro nas figuras transformadas do ente. De resto, o que se pensou até aqui sobre espaço e tempo, que pertencem retroativamente a essa origem da verdade, já é, como Aristóteles já tinha exposto pela primeira vez na Física, uma consequência da essência já fixada do ente como ousia e da verdade como correção e de tudo aquilo que se obtém a partir daí em termos de “categorias”. Quando Kant caracteriza espaço e tempo como “intuições”, isto não é outra coisa senão, no interior dessa tradição, uma fraca tentativa de salvar em geral a essência própria de espaço e tempo. Mas Kant não tem nenhum caminho para a essência de espaço e tempo. A orientação pelo “eu”, pela “consciência” e pelo re-presentar obstrui pura e simplesmente todo e qualquer caminho e vereda. [tr. Casanova; GA65: 32]
Aquilo que sobre a verdade foi vez por outra insinuado em relação ao ensaio sobre a obra de arte e concebido como “instituição” já é a consequência do ABRIGO, que guarda propriamente o que é clareado e velado. Essa guarda precisamente deixa que o ente pela primeira vez seja e, em verdade, o ente que ele é e pode ser na verdade do ser ainda não elevado e no modo como essa verdade é desdobrada. (O que é considerado como ente, o que se presenta, o efetivamente real, só com isso é ligado primeiramente algo necessário e possível, o exemplo corrente a partir da história do primeiro início). [tr. Casanova; GA65: 32]
O ABRIGO mesmo realiza-se no e como ser-aí. E isto acontece, conquista e perde a história na o-cupação insistente, que pertence de antemão ao acontecimento apropriador, mas que só sabe muito pouco algo sobre esse pertencimento. Essa ocupação pensada não a partir da cotidianidade, mas concebida a partir da ipseidade do ser-aí, se mantém em modos múltiplos que se requisitam entre si: fabricação de utensílios, instituição da maquinação (técnica), criação de obras, ato formador de Estado, sacrifício pensante. Em tudo isso a cada vez de maneira diversa, a pré e a co-configuração de conhecimento e de saber essencial como fundação da verdade. “Ciência” apenas uma estaca distanciada de uma penetração determinada da fabricação de utensílios etc.; nada autônomo e nunca podendo ser colocada em conexão com o saber essencial do repensar do ser (filosofia). [tr. Casanova; GA65: 32]
O ABRIGO, porém, não se mantém apenas sob os modos da produção, mas de maneira igualmente originária também sob o modo da assunção do encontro do inanimado e do vivente: pedra, planta, animal, homem. Aqui acontece a retomada na terra que se fecha. A questão é que esse acontecimento do ser-aí nunca é por si, mas pertence ao atiçamento da contenda entre terra e mundo, à insistência no acontecimento apropriador. [tr. Casanova; GA65: 32]
Para a questão fundamental, em contrapartida, o ser não é a resposta e o âmbito da resposta, mas o que há de mais digno de questão. Para ele, vale a dignificação única e saliente, isto é, ele mesmo é aberto como domínio e, assim, elevado ao nível do aberto como o que nunca pode ser controlado. O seer como o fundamento, no qual todo ente primeiramente enquanto tal chega à sua verdade (ABRIGO, instituição e objetividade); o fundamento, no qual o ente mergulha (abismo), o fundamento, no qual ele também se atreve a se lançar em sua indiferença e obviedade (não fundamento). O fato de o seer se essenciar de maneira fundante em sua essenciação desse modo indica a sua unicidade e domínio. E esse domínio, por sua vez, é apenas o aceno para o acontecimento apropriador, no qual temos de buscar a essenciação do seer em seu mais extremo velamento. O seer enquanto o que há de mais digno de questão não conhece mesmo em si nenhuma questão. [tr. Casanova; GA65: 34]
Busca pelo seer? A descoberta originária na busca originária. Buscar – já o manter-se-na-verdade, no aberto do que se encobre e do que se retrai. O buscar (originariamente) como referência fundamental à renúncia hesitante. O buscar como questionar e, não obstante, silenciar. Quem busca já encontrou! E o buscar originário é aquela apreensão do já encontrado, a saber, do que se encobre enquanto tal. Enquanto o buscar habitual só encontra e só encontrou, na medida em que parou de buscar. Por isto, a descoberta originária no ABRIGO originário é velada precisamente como o buscar enquanto tal. Honrar o mais digno de questão, persistir no questionar, insistência. [tr. Casanova; GA65: 38]
A missão, porém, à luz e na via da decisão: o ABRIGO da verdade do acontecimento apropriador a partir da retenção do ser-aí na grande tranquilidade do seer. [tr. Casanova; GA65: 45]
No que o abandono do ser se anuncia: 1) A completa insensibilidade em relação ao múltiplo naquilo que é considerado essencial; plurissignificância provoca a perda de força e a má vontade em relação à decisão real e efetiva. Por exemplo, tudo o que significa a palavra “povo”: o elemento comunitário, o elemento racial, o baixo e o inferior, o nacional, o permanente; por exemplo, tudo aquilo que é chamado de “divino”. 2) O não saber mais o que é condição e o que é condicionado e incondicionado. Idolatria em relação às condições do seer histórico, do elemento populista, por exemplo, com toda a sua plurissignificância, transformando-o em algo incondicionado. 3) O permanecer preso no pensar e no estabelecimento de “valores” e “ideias”; sem qualquer questão séria, vê-se aí, como que em algo inalterável, a forma estrutural do ser-aí histórico; e a isso corresponde o pensar em termos de “visões de mundo”. 4) De acordo com isso, tudo é inserido em uma engrenagem “cultural”, as grandes decisões, o Cristianismo, não são expostos a partir da raiz, mas contornados. 5) A arte é submetida a uma utilidade cultural e desconhecida em sua essência; a cegueira em relação ao seu cerne essencial, o modo da fundação da verdade. 6) Em geral característico é o erro de avaliação em relação ao que é repulsivo e negador; ele é simplesmente alijado como o “mal”, equivocadamente interpretado e, com isso, apequenado e tanto mais propriamente ampliado em seu perigo. 7) Nisso se mostra – completamente à distância – o não saber em torno do pertencimento do não, da nulidade ao seer mesmo, a falta de qualquer ideia em face da finitude e da unicidade do seer. 8) Isso é acompanhado pelo não saber da essência da verdade; o fato de antes de tudo o que é verdadeiro a verdade e a sua fundação precisarem ser decididas; a busca cega pelo “verdadeiro” na aparência do querer maximamente sério. 9) Por isto, a recusa do saber autêntico e o medo diante da questão; o esquivar-se da meditação; a fuga em direção ao ceme dos dados e das maquinações. 10) Toda tranquilidade e toda retenção aparecem como inatividade, como um deixar passar e como renúncia e talvez sejam a mais ampla reconexão com o deixar ser do ser como acontecimento apropriador. 11) A segurança de si do que não se deixa mais conclamar; a calcificação contra todos os acenos; a impotência da expectativa; só ainda calcular. 12) Tudo isso são apenas irradiações de um encobrimento confuso e calcificado da essência do seer, sobretudo da abertura de seu fosso abissal: o fato de unicidade, raridade, instantaneidade, acaso e acometimento, retenção e liberdade, resguardo e necessidade pertencerem ao seer; o fato de esse seer não se mostrar como o que há de mais vazio e mais comum, mas como o que há de mais rico e mais elevado e só se essenciar no acontecimento da apropriação, acontecimento esse graças ao qual o ser-aí chega à fundação da verdade do ser no ABRIGO por meio do ente. 13) A elucidação particular do abandono do ser como decadência do Ocidente; a fuga dos deuses; a morte do Deus moral cristão; sua reinterpretação. O velamento desse desenraizamento por meio do encontrar a si mesmo que se inicia de maneira supostamente nova do homem (Modernidade); esse encobrimento banhado no brilho do e intensificado pelo progresso: descobertas, invenções, indústria, máquina; ao mesmo tempo a massificação, a negligência, a desertificação, tudo como desatrelamento do fundamento e das ordens; o desenraizamento, porém, como o mais profundo velamento da indigência, a falta de força para a meditação, a impotência da verdade; o pro-gresso em direção ao não ente como abandono crescente do seer. 14) O abandono do ser é o fundamento mais íntimo para a indigência da falta de indigência. Como é que essa indigência pode ser efetuada como indigência? Alguém não precisa deixar a verdade do seer brilhar – mas para quê? Quem dos desprovidos de indigência consegue ver? Haverá algum dia uma saída para tal indigência, que se nega constantemente como indigência? Falta o querer sair. Será que a lembrança das possibilidades do passado essencial (o sido) do ser-aí pode conduzir à meditação? Ou será que algo in-habitual, não ideável se choca com essa indigência? 15) O abandono do ser, aproximado por meio de uma meditação sobre a desertificação do mundo e sobre a destruição da terra no sentido da rapidez, do cálculo, da pretensão do massificado. 16) O “domínio” coetâneo da impotência da mera mentalidade e da violência da instituição. [tr. Casanova; GA65: 56]
O salto é o re-saltar da prontidão para o pertencimento ao acontecimento apropriador. Acometimento e permanência de fora da chegada e da fuga dos deuses, o acontecimento apropriador, não tem como ser imposto de maneira pensante, mas, muito ao contrário, é preciso prontificar por meio do pensamento o aberto que, como tempo-espaço (sítios instantâneos), torna acessível e constante a abertura do fosso abissal do seer no ser-aí. Só aparentemente é que o acontecimento apropriador é levado a termo pelos homens, em verdade o ser do homem acontece como histórico por meio da apropriação em meio ao acontecimento que exige de um modo ou de outro o ser-aí. O acometimento do seer, que é conferido ao homem histórico, nunca se anuncia para esse homem de maneira imediata, mas sim de maneira velada nos modos do ABRIGO da verdade. Mas o acometimento do seer, raro e esparso em si, emerge sempre da permanência de fora do seer, cujo ímpeto e tenacidade não é menor do que os do acometimento. [tr. Casanova; GA65: 120]
O salto mais próprio e mais amplo é o salto do pensar. Não como se a partir do pensar (enunciado) a essência do seer fosse determinável, mas porque aqui, no saber em torno do acontecimento apropriador, a abertura do fosso abissal do ser é escalada e atravessada mais amplamente, de tal modo que as possibilidades do ABRIGO da verdade no ente podem ser mensuradas mais extensamente. [tr. Casanova; GA65: 120]
O salto é um salto sapiente para o interior da instantaneidade dos sítios do acometimento, daquele primeiro elemento, que arranca por meio do salto o ABRIGO do acontecimento da apropriação na palavra que acena. [tr. Casanova; GA65: 120]
O acontecimento apropriador, no entanto, não tem como ser de maneira alguma re-presentado como uma “ocorrência dada” e como uma “novidade”. Sua verdade, isto é, a própria verdade, só se essencia no ABRIGO enquanto arte, pensamento, poetação, ato, exigindo, por isso, a insistência do ser-aí, que rejeita toda aparência de imediatidade do mero re-presentar. [tr. Casanova; GA65: 136]
Em que figura o acometimento do seer é colocado e preservado pela primeira vez fornece o sinal prévio do âmbito para o ABRIGO da verdade do deus que está chegando e fugindo. [tr. Casanova; GA65: 139]
O estremecimento da vibração na viragem, a apropriação do ser-aí pertinente-fundador-acolhedor para o aceno; essa essenciação do seer não é ela mesma o último deus. Ao contrário, a essenciação do seer funda o ABRIGO e, com isso, o resguardo criador do deus, que sempre apenas deiza inteiramente o seer em obra e sacrifício, em ato e pensamento. Portanto, o pensar enquanto pensar inicial do outro início também consegue chegar à longínqua proximidade do último deus. Ele chega até ela por meio da e em sua história de autofundação; mas isso nunca sob a figura de um resultado, de um modo de re-presentação a ser trazido à tona, que traz o deus para o ABRIGO. Todas as pretensões como essas, aparentemente supremas, são baixas e não passam de uma degradação do seer! [tr. Casanova; GA65: 142]
A partir de um ente apanhado qualquer querer destacar o seer é impossível, sobretudo porque um “ente qualquer”, quando ele é experimentado como verdadeiro, já sempre se mostra como o outro de si mesmo; não, por exemplo, um outro qualquer, como o seu oposto que lhe pertence. Ao contrário, o outro tem em vista aqui àquilo que deixa ser ente um ente como o ABRIGO da verdade do ser. [tr. Casanova; GA65: 143]
Ou será que aqui, enquanto “o ente” permanecer assim, sendo tomado na representação em geral, não pode ser dito nada sobre ele, uma vez que ele, “sendo”, a partir de um ABRIGO, à sua maneira, é respectivamente pertencente ao seer? Sobretudo porque esse seer mesmo é histórico e expressamente o próprio acontecimento apropriador? [tr. Casanova; GA65: 148]
Esta diferenciação foi realizada em primeiro lugar a partir da questão diretriz acerca da entidade e ficou presa aí. Mas mesmo no outro início essa diferenciação tem sua verdade, sim, agora pela primeira vez ela conquista essa verdade. Pois agora, quando não se tem mais a pergunta a partir do “pensar” acerca da entidade (não entidade e pensamento, mas “ser e tempo”, transitoriamente compreendido), agora a “diferenciação” denomina aquele âmbito do acontecimento apropriador da re-essenciação do ser na verdade, isto é, em seu ABRIGO, algo por meio do que o ente enquanto tal é voltado para o interior do aí. [tr. Casanova; GA65: 151]
Há em geral, questionado a partir da verdade do ser enquanto acontecimento apropriador, níveis desse tipo ou até mesmo níveis de seer? Se pensássemos a diferenciação entre seer e ente como acontecimento da apropriação do ser-aí e como ABRIGO do ente e atentássemos para o fato de que aqui tudo é inteiramente histórico, de tal modo que uma sistemática platônico-idealista se tornou impossível, porque insuficiente, então restaria ainda a questão de saber como o vivente, a “natureza” e seu elemento inanimado, tal como utensílio, maquinação, obra, ato, sacrifício e a força de sua verdade (originariedade do ABRIGO da verdade e, com isso, reessenciação do acontecimento apropriador) precisam ser ordenados. Toda ordem representacional e calculadora é aqui extrínseca, essencial é apenas a necessidade histórica na história da verdade do seer, cuja era principia. Como as coisas se encontram em relação à “maquinação” (técnica) e como é que se reúne nela todo ABRIGO ou, antes de tudo, como se fixa nela o extrato do abandono do ser? [tr. Casanova; GA65: 152]
Essencial é a força histórica, fundadora do ser-aí, do ABRIGO e da decisão em relação a ela e à sua amplitude para a constância do acontecimento apropriador. [tr. Casanova; GA65: 152]
Não resta, porém, apesar disso um caminho para criar ao menos provisoriamente, ao modo das “ontologias” dos diversos “campos” (natureza, história), um campo de visão do projeto consonante com o ser, e, assim, para tornar os âmbitos novamente experimentáveis? Como transição, algo desse gênero pode se tornar necessário; isso permanece, todavia, fatídico, uma vez que a partir daí é natural o deslize em uma sistemática de um estilo mais antigo. Mas se a “ordem” é uma junção fugidia, que se encontra submetida à formação da história e à exportação resolutora de seu mistério, então essa junção fugidia pode, sim, ela precisa ter por si mesma um âmbito e um caminho; e não é um caminho arbitrário qualquer do ABRIGO (por exemplo, a técnica) que pode ser submetido à meditação. É preciso lembrar aqui que o ABRIGO é sempre a contestação da contenda entre mundo e terra, que mundo e terra solapam um ao outro em se sobrelevando, que é em sua oposição que transcorre de antemão e antes de tudo o ABRIGO da verdade. [tr. Casanova; GA65: 152]
O mundo é “terreno” (terroso), a terra é mundana. A terra é em um aspecto mais originária do que a natureza porque ligada à história. O mundo é mais elevado do que o apenas “criado”, porque formador de história e, assim, o mais imediatamente próximo do acontecimento apropriador. De acordo com isso, o seer tem níveis? Propriamente não; mas também não o ente. De onde, porém, e que sentido tem a multiplicidade do ABRIGO? Isso não tem como ser explicado e deduzido no cálculo posterior de um plano da providência. Mas também não é válido o mero acolhimento representacional, mas sim a decisão nas necessidades históricas a partir da era da história do ser. [tr. Casanova; GA65: 152]
O que deve ser a técnica? Não no sentido de um ideal, mas como ela se encontra no interior da necessidade de superar o abandono do ser ou de colocá-lo em decisão de maneira fundamental? Ela é o caminho histórico para o fim, para a recaída do último homem no animal tecnicizado, que perde, com isso, até mesmo a animalidade originária do animal introduzido, ou será que ela pode, assumida de antemão como ABRIGO, ser inserida na fundação do ser-aí? E, assim, a decisão para qualquer tipo de ABRIGO permanece poupada de nós por um instante, assim como aquilo junto ao que passamos ao largo e simplesmente perecemos. [tr. Casanova; GA65: 152]
A “essência” não é mais o koinon e o genos da ousia e do tode ti (ekaston), mas essenciação como o acontecimento da verdade do seer e, em verdade, em sua história plena, que abarca respectivamente o ABRIGO da verdade no ente. Como, porém, a verdade precisa estar fundada no ser-aí, a essenciação do seer só pode ser conquistada na constância, que o aí suporta no saber assim determinado. A essência como essenciação não é nunca apenas re-presentável, mas só é concebida no saber da tempo-espacialidade da verdade e de seu respectivo ABRIGO. O saber da essência exige e é ele mesmo o salto para o interior do ser-aí. Por isto, ele nunca pode ser conquistado por meio da mera consideração geral do dado e de sua interpretação já firmada. A essenciação não reside “acima” do ente e cindida dele, mas o ente se encontra no seer e tem apenas nele, se encontrando imerso nele e apartado, a sua verdade como o verdadeiro. Juntamente com esse conceito da essenciação, então, também precisa ser estabelecida e concebida a “diferenciação” de seer e ente e tudo aquilo que está fundado nessa diferenciação, na medida em que cai do “lado” da entidade todo “categorial” e “ontológico”. [tr. Casanova; GA65: 165]
Insuficientemente indicado na impropriedade, na medida em que a propriedade não deve ser compreendida de maneira moral e existenciária, mas ontológico-fundamental como indicação do ser-aí, no qual o aí é constituído a cada vez a partir de um modo do ABRIGO da verdade (de maneira pensante, poetante, construtiva, por meio de liderança, sacrifício, sofrimento e júbilo). [tr. Casanova; GA65: 177]
Somente na sondagem do solo do acontecimento apropriador é que tem sucesso a jurisdicionalidade do ser-aí nos modos e nos caminhos do ABRIGO da verdade no ente. [tr. Casanova; GA65: 188]
A essência do ser-aí e, com isso, da história fundada nele é o ABRIGO da verdade do ser, do último deus, no ente. [tr. Casanova; GA65: 188]
O ser-aí não conduz para fora do ente e não evapora o ente em uma espiritualidade, mas, ao contrário, de acordo com a unicidade do seer, ele abre pela primeira vez a inquietude do ente, cuja “verdade” só se constitui na luta uma vez mais inicial de seu ABRIGO no que é criado pelo homem histórico. [tr. Casanova; GA65: 193]
Somente aquilo que nós, insistentemente no ser-aí, fundamos e criamos, e, criando, deixamos vir ao nosso encontro como o que nos toma de assalto, somente isso pode ser algo verdadeiro, manifesto e, consequentemente, pode ser reconhecido e sabido. Nosso saber só se estende até onde chega a jurdisdicionalidade do ser-aí, isto é, a força do ABRIGO da verdade no ente configurado. [tr. Casanova; GA65: 193]
Ser-aí se encontra inicialmente na fundação do acontecimento apropriador, sonda o solo da verdade do ser e não parte do ente para o seu ser. Ao contrário, a sondagem do solo do acontecimento apropriador acontece muito mais como ABRIGO da verdade no ente e como ente e, assim, a relação é, se é que uma comparação ainda seria em geral possível, o que não procede, uma relação inversa. [tr. Casanova; GA65: 199]
O aí “é” o homem apenas como homem histórico, isto é, fundador de história, que insiste no aí sob o modo do ABRIGO da verdade no ente. [tr. Casanova; GA65: 202]
A indicação da essência, contudo, precisa saber que a clareira para o encobrimento precisa se desdobrar tanto com vistas ao tempo-espaço (abismo), quanto com vistas à contenda e ao ABRIGO. [tr. Casanova; GA65: 218]
A fundação do ser-aí acontece como ABRIGO da verdade no verdadeiro, que só assim vem a ser. [tr. Casanova; GA65: 219]
Fundamento aqui: 1) Aquilo em que se dá ABRIGO, no que algo é retido; 2) Aquilo por intermédio de que algo é coagido; 3) Aquilo que se impõe soberanamente. [tr. Casanova; GA65: 220]
O primeiro (inicial) ABRIGO, a questão e a decisão. A pergunta acerca da verdade (meditação), colocar em decisão a sua essência. Origem e necessidade da decisão (da questão). A questão: precisamos perguntar (essencialmente)? Se a resposta for sim, então: por quê? A questão e a crença. [tr. Casanova; GA65: 221]
A verdade é o primeiro verdadeiro do seer, e, com efeito, na medida em que clareia e oculta. A essência da verdade reside no fato de se essenciar como o verdadeiro do seer e de se tornar, assim, origem para o ABRIGO do verdadeiro no ente, por meio do que esse ente se torna pela primeira vez essente. [tr. Casanova; GA65: 224]
1) A verdade se essencia e por quê? Porque só assim se tem a essenciação do seer. Por que seer? 2) A essência da verdade funda a necessidade do porquê e, com isso, da questão. A questão acerca da verdade acontece por causa do seer, que precisa do nosso pertencimento como o que funda o ser-aí. 3) A primeira questão (1) é em si a determinação essencial da verdade. 4) Como precisa ser estabelecida a questão acerca da verdade. Partir da ambiguidade essencial: a “verdade” visada como “o verdadeiro”; o verdadeiro, porém, é a verdade como encobrimento clareador do acontecimento apropriador. Essa luz para o início é uma claridade, mas sem brilho e sem irradiação. O próprio encobrimento tanto mais claro, brilhando através da profundidade do encobrimento. 5) Como é que o conceito há muito legado da verdade como correção não apenas guia de saída a questão, mas também sugere que a resposta a ela precisaria ser medida por uma correção e, com isso, que a essência da verdade precisaria ser deduzida de algo previamente dado, que ela re-stitui. 6) Desdobrar em primeiro lugar a verdade na essência como encobrimento clareador (dissimulação e velamento). 7) A verdade como fundamento do tempo-espaço, mas, por isso, ao mesmo tempo essencialmente determinável a partir desse tempo-espaço. 8) O tempo-espaço como sítio instantâneo a partir da viragem do acontecimento apropriador. 9) A verdade e a necessidade do ABRIGO. 10) ABRIGO como contestação da contenda entre mundo e terra. 11) As vias historicamente necessárias do ABRIGO. 12) Como é que no ABRIGO pela primeira vez o ente se torna essente. 13) Como é que só na mensuração que medita retrospectivamente sobre o caminho precedente se desdobra o âmbito, no qual e o qual acontece como a “diferenciação” de seer e ente. Ser-aí se essenciando como o “entre”. [tr. Casanova; GA65: 227]
Verdade, aletheia, quase não ressoando aí, poderosa, com efeito, mas infundada e mesmo não propriamente fundante. A correção leva a psyche a alcançar o primado, assim como acontece com a relação sujeito-objeto. Como o domínio da correção já tem a sua longa história, é só muito lenta e dificilmente que a sua origem e a possibilidade de algo diverso são visualizadas. Com a psyche também se dá originariamente o logos como reunião e, em seguida, como discurso e como saga. O fato de o enunciado se tornar o lugar para a “verdade” é concomitantemente o que há de mais estranho em sua história, apesar de isso ser considerado por nós como corrente. Por isto, porém, abstraindo-se da concepção da própria essenciação, a verdade e o verdadeiro precisam continuar sendo buscados e conservados lá onde não supomos de modo algum que eles estariam. Este desenraizamento da verdade é acompanhado pelo velamento da essência do seer. Em que medida a “correção” é essencial a partir da instituição e do ABRIGO (linguagem)? [tr. Casanova; GA65: 231]
O tempo-espaço como emergente da e pertencente à essência da verdade, como a estrutura extasiantemente arrebatadora e fascinante (junção fugidia) assim fundada do aí. (Ainda não o “quadro” da representação da coisa, ainda não um mero fluir em si do que se sucede). Os sítios instantâneos e a contenda entre mundo e terra. A contenda e o ABRIGO da verdade do acontecimento apropriador. O tempo-espaço e a “facticidade” do ser-aí (cf observações correntes a Ser e tempo I, capítulo 5!). O entrementes da viragem e, com efeito, como algo histórica e expressamente jurisdicional! Ele se determina como o aqui e agora! A unicidade do ser-aí. Por isso, unicidade da existência sapiente do que é dado como tarefa e do que é concomitantemente dado. Tempo – eternidade – instante. O eterno não é o que per-dura, mas aquilo que pode se subtrair no instante, a fim de retornar uma vez mais. O que pode retornar não como o igual, mas como o novamente transformador, uno-único, o seer, de tal modo que ele não é reconhecido nessa manifestabilidade de saída como o mesmo! O que é, então, eternização? [tr. Casanova; GA65: 238]
Em relação a essa “subjetivação”, porém, é preciso dizer: Como o ser-aí é essencialmente mesmidade (propriedade) e como a mesmidade é, por sua vez, o fundamento do eu e do nós tanto quanto de toda “subjetividade” inferior e superior, o desdobramento do tempo-espaço a partir dos sítios instantâneos não é nenhuma subjetivação, mas a sua superação, se não já a repulsa fundamental e prévia a ela. Essa origem do tempo-espaço corresponde à unicidade do seer como acontecimento apropriador. Ele só traz a si mesmo para o seu aberto no acontecimento do ABRIGO da verdade de acordo com a via respectivamente necessária do ABRIGO. [tr. Casanova; GA65: 239]
O abrir-se para o encobrimento é originariamente a distância da indecibilidade em relação a se o deus se movimenta se afastando de nós ou vindo em nossa direção. Isso quer dizer: nessa distância e em sua indecibilidade se mostra o encobrimento daquilo que, de acordo com essa reabertura, nós denominamos o deus. Essa “distância” da indecidibilidade é anterior a todo “espaço” isolado e a todo tempo que transcorre de maneira destacada. Ela também se essencia antes de toda dimensionalidade. Algo desse gênero só emerge do ABRIGO da verdade e, com isso, do tempo-espaço no ente e, com efeito, de saída, no ente presente à vista como coisa que se transforma. Somente onde algo presente à vista é retido e fixado, emerge o fluxo que flui ao lado dele do “tempo” e o “espaço” que o envolve. O a-bismo como primeira essenciação do fundamento funda (deixa o fundamento se essenciar como fundamento) sob o modo da temporalização e da espacialização. Mas aqui está a passagem crítica para o conceito correto de a-bismo. Temporalização e espacialização não podem ser concebidas a partir da representação corrente de espaço e tempo, mas essas representações precisam receber, inversamente, de acordo com a sua proveniência a partir do temporalizar e do espacializar marcados pela primeira essência, sua determinação. De onde é que o temporalizar e o espacializar têm a sua origem una e sua cisão? De que tipo é a unidade originária, segundo a qual ela é lançada em uma dinâmica divergente em meio a essa cisão, e em que sentido os separados são aqui unos precisamente como essenciação da a-bissalidade? Não pode se tratar aqui de uma “dialética” qualquer, mas apenas da essenciação do fundamento (da verdade, portanto) mesmo. [tr. Casanova; GA65: 242]
A a-bissalização do fundamento não é, com isso, esgotada em sua essência, mas se torna apenas clara como fundação do aí. O tempo-espaço é o repouso que reúne de maneira arrebatadoramente extasiante e fascinante, o a-bismo assim reunido e correspondentemente afinado, cuja essenciação se torna histórica na fundação do “aí” por meio do ser-aí (suas vias essenciais do ABRIGO da verdade). [tr. Casanova; GA65: 242]
O tempo-espaço nessa essência originária ainda não tem nada em si do “tempo” e do “espaço”, que habitualmente se conhece, e, contudo, ele contém o desdobramento em direção a eles em si, e, com efeito, em uma riqueza maior do que a que pôde vir à tona até aqui por meio da matematização de espaço e tempo. Como é se sai de tempo-espaço para “espaço e tempo”? Formulada assim, a questão ainda é muito plurissignificativa e pode ser facilmente mal interpretada. O que precisa ser distinto de antemão é: 1) A história que essencialmente foi de topos e kronos no interior da interpretação do ente como physis com base na aletheia não desdobrada; 2) O desdobramento de espaço e tempo a partir do tempo-espaço expressa e originariamente concebido enquanto a partir do abismo do fundamento no interior do pensar do outro início; 3) O apoderamento do tempo-espaço como essenciação da verdade no interior da fundação por vir do ser-aí através do ABRIGO da verdade do acontecimento apropriador no ente que se reconfigura por meio daí; 4) A clarificação propriamente dita, a dissolução ou o afastamento das dificuldades, que envolveram desde sempre na história do pensamento até aqui aquilo que se conhece como espaço e tempo; por exemplo, a questão acerca da “realidade efetiva” do espaço e do tempo; acerca de sua “infinitude”, acerca de sua relação com as “coisas”. Todas essas questões permanecem não apenas sem respostas, mas de início inquestionáveis, enquanto espaço e tempo não forem concebidos a partir do tempo-espaço, isto é, enquanto a questão acerca da essência da verdade não for questionada desde o fundamento como a questão prévia à questão fundamental da filosofia (como se essencia o seer?). [tr. Casanova; GA65: 242]
O contramovimento a partir do “espaço ” e do “tempo”. O contramovimento precisa ser tomado da maneira mais segura possível, de tal modo que espacialidade e temporalidade da coisa, do utensílio, da obra, da maquinação e do todo do ente possam se tornar visíveis como ABRIGO da verdade em uma interpretação. O projeto dessa interpretação é inexpressamente determinado pelo saber em torno do tempo-espaço como abismo. Mas a própria interpretação precisa despertar a partir da saída da coisa novas experiências. A aparência de que se trataria aqui de uma descrição óbvia em si não é perigosa porque esse caminho de interpretação quer expor espaço e tempo na direção do tempo-espaço. O caminho a partir daqui e o caminho a partir do ente precisam se encontrar. Perseguindo o caminho a partir do “ente” (mas já inserido no aberto da contenda entre terra e mundo), surge, então, a ocasião para inserir a discussão até aqui de espaço e tempo na confrontação inicial (cf A conexão de jogo). [tr. Casanova; GA65: 242]
O ABRIGO não é a acomodação ulterior da verdade em si presente à vista no ente, abstraindo-se completamente do fato de que a verdade nunca se acha presente à vista. ABRIGO pertence à essenciação da verdade. Essa não é essenciação, se ela nunca se essencia no ABRIGO. Se, por isso, indicativamente, a “essência” da verdade for denominada como a clareira para o encobrir-se, então isso só acontece para desdobrar pela primeira vez a essenciação da verdade. A clareira precisa se fundar em seu aberto. Ela carece daquilo que ela obtém na abertura, e isso é a cada vez de maneira diversa um ente (coisa – utensílio – obra). Mas esse ABRIGO do aberto precisa ser ao mesmo tempo e de antemão de tal modo que a abertura se torna essente de tal maneira que, nela, o encobrir-se e, com isso, o seer se essencie. De acordo com isso, precisa ser possível – com o salto prévio correspondente no seer com certeza –, a partir do “ente”, encontrar o caminho até a essenciação da verdade e, por essa via, tornar visível o ABRIGO como pertencente à verdade. Onde é, porém, que esse caminho deve começar? Não precisamos conceber para tanto em primeiro lugar as referências atuais em relação ao ente, tal como nós nos encontramos aí, ou seja, não precisamos ter diante dos olhos algo extremamente corrente? E justamente isso é o mais difícil, uma vez que ele não é nunca realizável sem um abalo, o que significa: sem um tresloucamento da ligação fundamental com o seer mesmo e com a verdade. É preciso indicar em que verdade e como é que o ente se encontra respectivamente nela. Precisa se tornar claro como é que aqui mundo e terra se encontram em contenda e, com isso, como é que eles mesmos se desencobrem e se encobrem. Esse encobrir-se mais imediato, contudo, é apenas a aparência prévia do a-bismo e, com isso, da verdade do acontecimento apropriador. Mas a verdade só se essencia na clareira mais plena do mais distante encobrir-se sob o modo do ABRIGO segundo todos os caminhos e maneiras, que pertencem a esse ABRIGO, que suportam e conduzem historicamente a exposição jurisdicional do ser-aí e que constitui, assim, o ser do povo. [tr. Casanova; GA65: 243]
O ABRIGO volta do mesmo modo determinadamente a cada vez o encobrir-se para o aberto, tal como ele mesmo é atravessado de maneira soberana pela clareira do encobrir-se. Por isso, junto a esse projeto da essência da verdade não há, por isso, nenhum lugar para uma interpretação inequívoca que é sempre uma vez mais sugerida da relação platônica. Pois o ABRIGO da verdade no ente não nos lembra demais a configuração da “ideia”, do eidos na hyle? Mas já o modo de falar “ABRIGO da verdade no ente” induz em erro, como se a verdade já pudesse ser sempre de antemão por si “verdade”. [tr. Casanova; GA65: 243] [Verdade e ABRIGO] De onde o ABRIGO tem a sua indigência e a sua necessidade? A partir do encobrir-se. Para não afastar esse autoencobrimento, mas para inversamente preservá-lo, é preciso o ABRIGO desse acontecimento. O acontecer é transformado e preservado (porquê) na contenda de mundo e terra. A contestação da contenda põe em obra a verdade, põe no utensílio a verdade, ex-perimentando-a como coisa e levando-a a termo em ato e em sacrifício. [tr. Casanova; GA65: 244] [Verdade e ABRIGO] Pertence a todo ABRIGO da verdade no ente, de uma maneira a cada vez diversa, projeto e execução. Cada projeto é tempestade, agraciamento, revolvimento, instante. Toda execução é serenidade, duração, renúncia (concebido propriamente; e a forma da impropriedade pertinente; a in-essência?). Nenhum dos dois acontece sem a concordância do outro e os dois sempre a partir do fundamento da necessidade de um ABRIGO. [tr. Casanova; GA65: 245]
ABRIGO da verdade como crescimento de volta para o cerramento da terra. Esse crescimento de volta nunca se realiza em meras re-presentações e sentimentos, mas sempre a cada vez na ocupação, na fabricação, nas obras, em suma, no deixar mundar um mundo, contanto que esse mundar não descambe para uma mera atividade funcional. [tr. Casanova; GA65: 245]
ABRIGO é, no fundo, a guarda do acontecimento apropriador por meio da contestação da contenda. Guarda do encobrir-se (da renúncia hesitante) não é nenhuma mera conservação de algo dado, mas o laço projetivo com o aberto, a contenda, em cuja constância é recombatido, contestado o pertencimento ao acontecimento apropriador. Assim se essencia a verdade como o verdadeiro a cada vez abrigado. Todavia, esse verdadeiro só é o que ele é, como o não-verdadeiro, como um não sendo e um não fundamento ao mesmo tempo. Tornar acessível o ABRIGO da verdade a partir de seus modos mais imediatos da ocupação, correspondendo a espaço e tempo. [tr. Casanova; GA65: 246] [Fundação do ser-aí e as vias do ABRIGO da verdade] Deduzida desse âmbito e, por isso, pertencente a ele, a questão isolada acerca da “origem da obra de arte”. A máquina e a maquinação (técnica). A máquina, sua essência. O serviço, que ela exige, o desenraizamento que ela traz. “Indústria” (funcionamento); os trabalhadores de indústria, arrancados da terra natal e da história, transpostos para o ganho. Educação de máquinas; a maquinação e o negócio. Que transformação do homem se insere aqui? (Mundo – terra?) Maquinação e negócio. O grande número, o gigantesco, pura extensão, nivelamento e esvaziamento crescentes. A decadência necessária no kitsch e no inautêntico. [tr. Casanova; GA65: 247]
Retenção e silêncio serão os festejos mais íntimos do último deus, e o próprio modo do confiar na simplicidade das coisas e a própria corrente da intimidade se apoderarão do arrebatamento extasiante e fascinante de suas obras, deixando o ABRIGO da verdade se tornar o que há de mais velado e emprestando-lhe o presente único. [tr. Casanova; GA65: 252]
Os que estão por vir, os responsáveis no ser-aí fundado pelo ânimo da retenção, à qual apenas cabe o ser (salto) como acontecimento apropriador, se apropriando deles em meio ao acontecimento e potencializando-os para o ABRIGO de sua verdade. [tr. Casanova; GA65: 252]
O que é essa viragem originária no acontecimento apropriador? Apenas o acometimento do ser como acontecimento da apropriação do aí traz o ser-aí para ele mesmo e, assim, para a execução (ABRIGO) da verdade jurisdicionalmente fundada no ente, que encontra no encobrimento clareado do aí seu sítio. E na viragem: só a fundação do ser-aí, a preparação da prontidão para o arrebatamento extasiante e fascinante em meio à verdade do seer, traz o que é pertinente e dócil para o aceno do acontecimento da apropriação que acomete. [tr. Casanova; GA65: 255]
Na essência do aceno reside o mistério da unidade da mais íntima aproximação no distanciamento extremo, a mensuração do mais amplo campo de jogo temporal do seer. Esse extremo da essenciação do seer exige o mais íntimo da indigência do abandono do ser. Essa indigência precisa pertencer ao clamor do domínio daquele aceno. O que ressoa em tal servidão e prepara a amplitude só consegue preparar para a contenda entre mundo e terra, para a verdade do aí, por meio desse aí mesmo, o sítio instantâneo da decisão e, assim, a contestação e o ABRIGO no ente. [tr. Casanova; GA65: 255]
No âmbito de domínio do aceno encontram-se novamente, para a mais simples contenda, terra e mundo: o mais puro fechamento e a transfiguração suprema, o mais temo arrebatamento fascinante e o mais temível arrebatamento extasiante. E isso novamente a cada vez apenas historicamente nos níveis e âmbitos e graus do ABRIGO da verdade no ente, através do qual somente este se torna novamente mais ente, em meio a todo o extinguir-se no não ente, um extinguir-se que é sem medida, mas dissimulado. Em tal essenciação do aceno, o próprio seer chega à sua maturidade. Maturidade é prontidão para tornar-se um fruto e uma doação. Nisso se essencia o último, o fim essencial, exigido a partir do início, mas não trazido com ele. Aqui se desentranha a finitude mais íntima do seer: no aceno do último deus. Na maturidade, na potência do fruto e na grandeza da doação, encontra-se ao mesmo tempo a essência mais velada do não, enquanto ainda-não e não-mais. A partir daqui é que é preciso pressentir a intimidade da intraessenciação do negativo no seer. De acordo com a essenciação do seer, porém, no jogo do acometimento e do ficar de fora, o não mesmo possui figuras diversas de sua verdade e, de acordo com isso, também o nada. Se isso só for calculado “logicamente” por meio da negação do ente no sentido do ente presente à vista (cf as observações no manuscrito de “O que é metafísica?”) e explicado extrinsecamente de maneira literal, em outras palavras, se o questionamento em geral não chegar ao âmbito da questão acerca do seer, então todo discurso em réplica em face da questão acerca do nada não passa de um falatório vão, no qual se subtraem todas as possibilidades de penetrar algum dia no âmbito de decisão da questão acerca da finitude mais essencial do seer. Mas esse âmbito só é penetrável graças à preparação de um longo pressentimento do último deus. E os que estão por vir do último deus só são preparados pela primeira vez por meio daqueles que encontram, mensuram e constroem o caminho de volta a partir do abandono do ser experimentado. Sem o sacrifício desses que estão voltando, não se chega nem mesmo a um crepúsculo da possibilidade do aceno do último deus. Esses que tomam o caminho de volta são os verdadeiros ante-cessores dos que estão por vir. (Mas esses que estão voltando também são completamente diversos dos muitos apenas “re-ativos”, cuja “ação” só irrompe na cega suspensão junto ao seu elemento até aqui visto de maneira breve. O sido nunca se tornou manifesto para eles em sua antecipação do porvir, assim como o porvir jamais se tornou evidente em seu clamor pelo sido). [tr. Casanova; GA65: 256]
O último deus tem a sua mais única unicidade e se encontra fora daquela determinação calculadora exacerbada, daquilo que têm em vista os títulos “mono-teísmo”, “pan-teísmo” e “a-teísmo”. “Monoteísmo” tanto quanto todos os tipos de “teísmo” é algo que só há a partir da “apologética” judaico-cristã, que tem por pressuposto pensante a “metafísica”. Com a morte desse deus caem e se tornam caducos todos os teísmos. A pluralidade dos deuses não é submetida a nenhum número, mas à riqueza interna dos fundamentos e abismos no sítio instantâneo da reluzência e do ABRIGO do aceno do último deus. [tr. Casanova; GA65: 256]
Nós precisamos preparar a fundação da verdade, e isso dá a impressão de que a dignificação e, com isso, a guarda do último deus já estariam previamente determinadas. Nós precisamos ao mesmo tempo saber e nos manter junto ao fato de o ABRIGO da verdade em meio ao ente e, com isso, de a história da guarda do deus serem exigidos pela primeira vez pelo próprio deus e do modo como ele precisa de nós como fundadores do ser-aí; o que é exigido não é apenas uma tábua de mandamentos, mas o deus de maneira mais originária e essencial de tal modo que o seu passar ao largo exija uma estabilização do ente e, com isso, do homem em meio ao ente; uma estabilização, na qual pela primeira vez o ente, a cada vez na simplicidade de sua essência reconquistada (como obra, utensílio, coisa, ato, visão e palavra), resiste ao passar ao largo, não o apaziguando, mas deixando-o vigorar como curso. [tr. Casanova; GA65: 256]
Para a experiência do ente e para o ABRIGO de sua verdade, o “projeto” é apenas o elemento provisório, o que transitoriamente se transpõe, ao prosseguir, para aquilo que é edificável e resguardável e que, enquanto guarda, recebe o selo do seer. [tr. Casanova; GA65: 262]
Linguagem e acontecimento apropriador. Esclarecimento da terra, ressonância do mundo. Contenda, o ABRIGO originário da abertura de um fosso abissal, porque o rasgo mais íntimo. A posição aberta. [tr. Casanova; GA65: 281]