zuhanden, Zuhandenheit, Zuhandensein
O que está À MÃO, o manual, nem se apreende teoricamente nem se torna diretamente tema da circunvisão. O que está imediatamente À MÃO caracteriza-se por recolher-se na sua manualidade para, justamente assim, ficar À MÃO. A lida cotidiana não se detém diretamente nos utensílios em si mesmos. Aquilo com que primeiro se ocupa e, consequentemente, o que primeiro está À MÃO é a obra a ser produzida. É a obra que sustenta a totalidade das referências na qual o instrumento vem ao encontro. STMSC: §15
Entretanto, a obra produzida não apenas pode ser empregada para… A própria produção já é sempre o emprego de algo em algo. Na obra também se encontra a referência a “materiais”. Ela depende de couro, fio, prego, etc. O couro, por seu turno, é produzido a partir de peles extraídas de animais criados por outros. Animais ocorrem no mundo também independentemente de criação e, mesmo na criação, de certo modo eles produzem a si mesmos. No mundo circundante, portanto, ocorrem também entes que, em si mesmos, não necessitam de produção, estando sempre À MÃO. Martelo, alicate, prego, em si mesmos, fazem referência ao aço, ferro, bronze, pedra, madeira de que são feitos. O uso também descobre no instrumento usado a “natureza”, natureza à luz dos produtos naturais (matérias-primas). STMSC: §15
Natureza aqui, porém, não deve ser compreendida como algo simplesmente dado e nem tampouco como poder da natureza. A mata é reserva florestal, a montanha é pedreira, o rio é represa, o vento é vento “nas velas”. Com a descoberta do “mundo circundante”, a “natureza” assim descoberta vem ao encontro. Pode-se prescindir de seu modo de ser À MÃO e determiná-la e descobri-la apenas em seu modo de ser simplesmente dado. Nesse modo de descobrir, porém, a natureza se vela enquanto aquilo que “tece e acontece”, que se precipita sobre nós, que nos fascina com sua paisagem. As plantas do botânico não são flores no campo, o “jorrar” de um rio, constatado geograficamente, não é “fonte no solo”. STMSC: §15
A obra produzida não se refere apenas às possibilidades de emprego para que (Wozu) serve, nem à matéria de que (Woraus) é feita. Em situações meramente artesanais, a obra traz também uma referência ao portador e usuário. A obra é talhada sob medida, ele “é” na fabricação da obra. Essa referência constitutiva não falta de modo algum na produção em série; apenas aqui é indeterminada, remetendo ao arbitrário, ao termo médio. Com a obra, portanto, não se dá ao encontro apenas um ente manual, mas também entes que possuem o modo de ser do homem, para os quais o produto se acha À MÃO na ocupação. Junto com isso, vem ao encontro o mundo em que vivem os portadores e usuários, mundo que é, ao mesmo tempo, o nosso. A obra no horizonte de sua ocupação não é manuseada somente no mundo doméstico da oficina, mas também no mundo público. Com ele, descobre-se a natureza do mundo circundante, que então se torna acessível a qualquer um. Nos caminhos, ruas, pontes e edifícios, a ocupação descobre a natureza em determinada direção. Uma plataforma coberta leva em conta as intempéries; as instalações de iluminação pública levam em conta a escuridão, ou seja, a mudança específica de presença [Dasein] e ausência da luz do dia, a “posição do sol”. Nos relógios leva-se sempre em conta determinada constelação do sistema cósmico. Quando olhamos um relógio, fazemos um uso implícito da “posição do sol”, segundo a qual se faz o ajuste astronômico da medição oficial do tempo. No uso do instrumento relógio, manuseado discreta e diretamente, a natureza do mundo circundante também está À MÃO. Pertence à essência da função de descoberta de cada empenho ocupacional no mundo imediato das obras a possibilidade de descobrir, segundo cada modo de empenho, o ente intramundano evocado na obra. Isso significa: descobri-lo nas referências constitutivas da obra, em vários graus de explicitação e em diferentes envergaduras de aprofundamento da circunvisão. STMSC: §15
O modo de ser desse ente é a manualidade. Não se pode compreendê-la, porém, como mero caráter de apreensão {CH: mas na verdade somente caráter de encontro}, como se tais “aspectos” fossem impostos numa fala ao “ente” que de imediato vem ao encontro, ou como se uma matéria do mundo, já simplesmente dada em si, fosse desse modo “colorida subjetivamente”. Uma interpretação assim orientada desconsidera que, para tanto, o ente deveria ser previamente compreendido como algo pura e simplesmente dado e que, em decorrência, um modo de lidar com o “mundo” que o descobre e dele se apropria passa a ter primado e autoridade. Isso já contradiz o sentido ontológico do conhecimento que demonstramos como modo fundado do ser-no-mundo. Esse ser-no-mundo só chega a explicitar o que é simplesmente dado, através do que está À MÃO na ocupação. Manualidade é a determinação categorial dos entes tais como são “em si”. Todavia, a manualidade apenas se dá com base em algo simplesmente dado. Admitindo-se essa tese, seguir-se-ia, então, que a manualidade está fundada ontologicamente no ser simplesmente dado? STMSC: §15
À cotidianidade de ser-no-mundo pertencem modos de ocupação que permitem o encontro com o ente de que se ocupa, de tal maneira que apareça a determinação mundana dos entes intramundanos. Na ocupação, o ente que está mais imediatamente À MÃO pode ser encontrado como algo que não é passível de ser empregado ou como algo que não se acha em condições de cumprir seu emprego específico. O utensílio se apresenta danificado, o material inadequado. Em todo caso, um instrumento está aqui À MÃO. Mas o que a impossibilidade de emprego descobre não é a constatação visual de propriedades e sim a circunvisão da lida no uso. Nessa descoberta da impossibilidade de emprego, o instrumento surpreende. A surpresa proporciona o instrumento num determinado modo de não estar À MÃO. Entretanto, aí se acha o seguinte: o que não pode ser usado está simplesmente aí – mostra-se como coisa-instrumento, dotada de tal e tal configuração, e que, em sua manualidade, é sempre simplesmente dada nessa configuração. O puro ser simplesmente dado anuncia-se no instrumento de modo a, contudo, recolher-se novamente à manualidade do que se acha em ocupação, ou seja, do que se encontra na possibilidade de se pôr de novo em condições. Esse ser simplesmente dado do que não pode ser usado não carece, todavia inteiramente de manualidade. O instrumento assim simplesmente dado ainda não é uma coisa que aparece em algum lugar. A danificação do instrumento também ainda não é sua transformação em simples coisa ou uma mera troca de características de algo simplesmente dado. STMSC: §16
O modo de lidar da ocupação, no entanto, não se depara apenas com o que não pode ser empregado em meio ao que já está À MÃO. Depara-se com o que falta, com o que não apenas não pode ser “manuseado”, mas com o que não está, de modo algum, “À MÃO”. Esse tipo de falta, como encontro de algo que não está À MÃO, põe de novo a descoberto o manual, embora num certo ser simplesmente dado. Ao constatar o que não está À MÃO, o manual assume o modo da importunidade. Quanto maior for a falta do necessário, quanto mais propriamente ele se der ao encontro não estando À MÃO, tanto mais importuno torna-se o manual, e isso de tal maneira que parece perder o caráter de manualidade. Ele se desvela como algo simplesmente dado que não pode mover-se sem o que falta. Ficar sem saber o que fazer é um modo deficiente de ocupação que descobre o ser simplesmente dado de um manual. STMSC: §16
Na lida com o mundo na ocupação, ainda se pode encontrar um manual não apenas no sentido do que não pode ser empregado ou do que simplesmente está faltando, mas também, enquanto não manual. O que não falta e não é passível de emprego, como o que “obstrui o caminho” para a ocupação. Aquilo para que a ocupação não pode voltar-se, aquilo para que ela não tem “tempo”, é um não manual, no modo do que não pertence ou não se finalizou. Esse não estar À MÃO perturba e faz aparecer a impertinência do que, numa primeira aproximação e antes de tudo, deve ocupar-se. Com esta impertinência, anuncia-se de maneira nova o ser simplesmente dado do manual como o ser daquilo que se apresenta, exigindo ainda a sua finalização. STMSC: §16
Na surpresa, importunidade e impertinência, o manual perde, de certo modo, a sua manualidade. No modo de lidar com o que está À MÃO, porém, sempre se compreende a manualidade, se bem que de maneira não temática. Ela não desaparece, mas se despede, por assim dizer, na surpresa do que não pode ser empregado. A manualidade se mostra mais uma vez, mostrando também a determinação mundana do manual. STMSC: §16
Da mesma forma, a falta de um manual, cuja disponibilidade cotidiana é tão evidente que dele nem sequer tomamos conhecimento, constitui uma quebra dos nexos referenciais descobertos na circunvisão. A circunvisão depara-se com o vazio e só então é que vê para que (wofur) e com que (womit) estava À MÃO aquilo que faltava. Novamente, anuncia-se o mundo circundante. O que assim aparece não é em si mesmo um manual entre outros e muito menos algo simplesmente dado que fundasse, de alguma maneira, o instrumento À MÃO. Ele está “aí”, antes de toda constatação e consideração. Embora já sempre aberto à circunvisão, ele mesmo é inacessível à circunvisão por esta estar sempre voltada para o ente. “Abrir” e “abertura” são termos técnicos que serão empregados, a seguir, no sentido de “des-fechar”. “Abrir” jamais significa, portanto, algo como “concluir através de mediações”. STMSC: §16
As expressões privativas como não-surpresa, não importuno, não impertinente indicam um caráter fenomenal positivo do ser que está imediatamente À MÃO. Esse “não” indica o caráter de manter-se em si do manual. É o que temos em mente com a expressão ser-em-si e que, de maneira característica, atribuímos primeiramente ao ser simplesmente dado, passível de constatação temática. Uma orientação exclusiva ou primordial pelo que é simplesmente dado não pode esclarecer ontologicamente o “em-si”. Caso se recorra com razão fenomenal e ênfase ôntica ao em-si do ser, então faz-se necessária uma interpretação. Esse recurso ôntico, no entanto, não preenche a exigência pretensamente dada de um enunciado ontológico. A análise empreendida até agora mostra claramente que só se pode apreender ontologicamente o ser-em-si dos entes intramundanos com base no fenômeno do mundo. STMSC: §16
Na interpretação provisória da estrutura de ser do manual (dos “instrumentos”), tornou-se visível o fenômeno da referência, se bem que de maneira tão esquemática, que é preciso acentuar a necessidade de se descobrir o fenômeno apenas indicado em sua proveniência ontológica. Tornou-se também claro que referência e totalidade referencial são, em algum sentido, constitutivas da própria mundanidade. Até o presente momento, vimos o mundo evidenciar-se somente para e em determinados modos da ocupação no mundo circundante do que está À MÃO, e este com sua manualidade. Quanto mais aprofundarmos, portanto, a compreensão de ser deste ente intramundano, tanto mais ampla e segura tornar-se-á a base fenomenal para a liberação do fenômeno do mundo. STMSC: §17
Escolhemos como exemplo de sinal aquele que, numa análise posterior, desempenhará a função de exemplo numa outra perspectiva. Recentemente, instalou-se nos veículos uma seta vermelha e móvel, cujo posicionamento mostra, cada vez, por exemplo, num cruzamento, qual o caminho que o carro vai seguir. O posicionamento da seta é acionado pelo motorista. Esse sinal é um instrumento que está À MÃO, não apenas na ocupação (dirigir) do motorista. Também os que não estão no veículo e justamente eles fazem uso desse instrumento, esquivando-se para o lado indicado ou ficando parados. Esse sinal está À MÃO dentro do mundo na totalidade do conjunto instrumental dos meios de transporte e regras de trânsito. Enquanto instrumento, esse instrumento-sinal constitui-se por referência. Possui o caráter de “ser-para” (Um-zu), possui sua serventia definida, ele é para mostrar. Essa ação de mostrar do sinal pode ser apreendida como “referência”. Deve-se, no entanto, observar: essa “referência” enquanto sinal não é a estrutura ontológica do sinal enquanto instrumento. STMSC: §17
Enquanto ação de mostrar, a “referência” funda-se, ao contrário, na estrutura ontológica do instrumento, isto é, na serventia. A serventia ainda não faz de um ente um sinal. Também o instrumento “martelo” se constitui por uma serventia, embora com isso o martelo não seja um sinal. A “referência” mostrar é a concreção ôntica do para quê (Wozu) de uma serventia, que determina um instrumento específico. A referência “serventia para” é, em contrapartida, uma determinação ontológica categorial do instrumento como instrumento. Que o para quê (Wozu) se concretize na ação de mostrar, isto é apenas contingente para a constituição do instrumento como tal. A diferença entre referência enquanto serventia e referência enquanto sinal torna-se visível, a grosso modo, no exemplo do sinal. Ambas se identificam tão pouco que é somente em sua unidade que possibilitam a concreção de uma determinada espécie de instrumento. Quanto mais segura for, em princípio, a diferença entre a ação de mostrar e a referência constitutiva do instrumento, tanto mais inquestionável será a remissão própria e mesmo privilegiada que o sinal tem com o modo de ser da totalidade instrumental, À MÃO dentro do mundo, e com a sua determinação mundana. No modo de lidar da ocupação, o instrumento-sinal tem um emprego preferencial. Do ponto de vista ontológico, porém, a simples constatação desse fato não é suficiente. Deve-se esclarecer ainda o fundamento e o sentido dessa preferência. STMSC: §17
O que diz a ação de mostrar de um sinal? A resposta só é possível, determinando-se o modo de lidar adequado com o instrumento-sinal. Para isso, deve ser também possível apreender, de modo genuíno, a sua manualidade. Qual a maneira adequada de tratar com sinais? Seguindo a orientação do exemplo mencionado (seta), deve-se dizer: o comportamento correspondente (ser) aos sinais encontrados é o “desvio” ou o “ficar parado” diante do veículo que se aproxima com uma seta acionada. O desviar-se, enquanto tomada de uma direção, pertence essencialmente ao ser-no-mundo da presença [Dasein]. Ela sempre está, de algum modo, a caminho e numa direção; ficar e parar são apenas casos limites desse “estar a caminho” direcionado. O sinal se dirige a um ser-no-mundo especificamente espacial. Propriamente, não “apreendemos” o sinal quando somente o olhamos e constatamos ser ele uma coisa que mostra. Mesmo quando seguimos com os olhos a direção mostrada pela seta e vemos algo simplesmente dado no sentido em que aponta a seta, também não nos encontramos, em sentido próprio, com o sinal. Ele se volta para a circunvisão do modo de lidar da ocupação e isso de tal maneira que a circunvisão, seguindo-lhe a indicação, dá uma “visão panorâmica” explícita de cada envergadura do mundo circundante. A visão panorâmica da circunvisão não apreende o que está À MÃO; ao contrário, ela recebe uma orientação no mundo circundante. Uma outra possibilidade da experiência do instrumento consiste na seta se apresentar como um instrumento pertencente ao veículo; com isso, não é preciso que se tenha descoberto o caráter instrumental específico da seta, podendo permanecer inteiramente indeterminado o que e como ele mostra e, apesar disso, o que assim vem ao encontro não é uma simples coisa. Ao contrário da constatação imediata de uma multiplicidade indeterminada de instrumentos, a experiência de uma coisa exige a sua determinação própria. STMSC: §17
Sinais dessa espécie possibilitam o encontro do que está À MÃO, ou melhor, tornam o seu conjunto tão acessível que o modo de lidar da ocupação propicia e assegura para si uma orientação. Sinal não é uma coisa que se ache numa relação caracterizada pelo mostrar, mas um instrumento que, explicitamente, eleva um todo instrumental à circunvisão, de modo que a determinação mundana do manual se anuncie conjuntamente. No anúncio e prenúncio, “mostra-se” o “que vem”, embora não no sentido do que apenas há de ocorrer, do que se acrescenta ao que já é simplesmente dado; o “que vem” é algo para o que estávamos preparados ou “devemos nos preparar”, quando ocupados com outra coisa. No vestígio, o que se deu e aconteceu torna-se acessível à circunvisão. A marca mostra “onde” se está. Os sinais mostram, primordialmente, “em que” se vive junto a que a ocupação se detém, que conjuntura está em causa. STMSC: §17
A singularidade do caráter instrumental do sinal evidencia-se em sua “instauração de sinal”. Cria-se o sinal numa previsão cuidadosa própria da circunvisão e a partir dela. É uma previsão cuidadosa que necessita da possibilidade manual de, a cada passo, fazer anunciar o mundo circundante para a circunvisão, mediante o que está À MÃO. O caráter acima descrito de não sobressair e nem deter-se em si mesmo pertence ao ser do que está mais imediatamente À MÃO dentro do mundo. Por isso o modo de lidar da circunvisão no mundo circundante necessita de um instrumento À MÃO que assuma, em seu próprio caráter instrumental, a “obra” de causar surpresa de um manual. Por isso a produção desses instrumentos (dos sinais) deve visar à sua surpresa. Com isso, todavia, eles não se tornam seres simples e arbitrariamente dados. Ao contrário, os sinais são “instalados” de determinado modo, na intenção de um fácil acesso. STMSC: §17
A instauração de sinais não precisa ser necessariamente produção de um instrumento que antes não se achava absolutamente À MÃO. Os sinais também surgem ao se tomar como sinal algo que já está À MÃO. Nesse modo, a instauração de sinais revela um sentido ainda mais originário. A ação de mostrar não dá origem apenas a uma disponibilidade orientada na circunvisão de um conjunto instrumental À MÃO e do mundo circundante em geral, mas ela pode até mesmo principiar um movimento de descoberta. Aquilo que é tomado como sinal só se torna acessível através de sua manualidade. Se, por exemplo, no cultivo do campo, o vento sudeste “vale” como sinal de chuva, então essa “validade” ou “valor atribuído” a esse ente não é um acréscimo a algo já simplesmente dado em si mesmo como a corrente de ar ou uma determinada direção geográfica. Enquanto algo que somente ocorre, mesmo que possa ser meteorologicamente acessível, o vento sudeste nunca é simplesmente dado antes de qualquer coisa para então adquirir a função de um prenúncio. É a circunvisão própria ao cultivo do campo que, levando-o em conta, descobre justamente aí o vento sudeste em seu ser. STMSC: §17
No modo de lidar cotidiano, a manualidade do sinal e a sua surpresa, que pode ser produzida segundo várias intenções e modos, documentam não apenas a não-surpresa constitutiva do que mais imediatamente está À MÃO. Também indicam que é o próprio sinal que retira a sua surpresa da não-surpresa do todo instrumental, À MÃO na cotidianidade de modo “evidente” como, por exemplo, o costume de se dar um “nó no lenço” como marca de lembrança. O que ele mostra é que há sempre algo com que se ocupar na circunvisão da cotidianidade. Esse sinal pode mostrar muitas coisas e das mais diversas espécies. A envergadura do que se pode mostrar nesse sinal corresponde à limitação do uso e da compreensão. Na maior parte das vezes, enquanto sinal, ele não apenas está À MÃO somente para o seu “inventor” como, mesmo para ele, pode tornar-se inacessível, de tal maneira que um segundo sinal se faz necessário para o emprego possível do primeiro pela circunvisão. Embora não podendo ser usado como sinal, o nó não perde o seu caráter de sinal, adquirindo uma importunidade inquietante. STMSC: §17
Poder-se-ia ficar tentado a ilustrar o papel primordial do sinal na ocupação cotidiana para a própria compreensão do mundo com o uso abundante de “sinais”, característico da presença [Dasein] primitiva, ou seja, com o fetiche e a magia. Decerto, a criação de sinais à base desse tipo de uso de sinais não se faz segundo uma intenção teórica nem através de uma especulação teórica. O uso de sinais permanece inteiramente no âmbito de um ser-no-mundo “imediato”. Num exame mais minucioso, porém, torna-se claro que a interpretação de fetiche e magia feita pela ideia de sinal não é, de modo algum, suficiente para apreender o modo de “estar À MÃO” dos entes que vêm ao encontro no mundo primitivo. No que concerne ao fenômeno do sinal, poder-se-ia fazer a seguinte interpretação: para o homem primitivo, o sinal e o assinalado coincidem. O próprio sinal pode representar o assinalado não somente no sentido de substituí-lo, mas, sobretudo, no sentido de que o próprio sinal é sempre o assinalado. Essa estranha coincidência de sinal e assinalado não reside, contudo, em a coisa sinal já ter feito a experiência de uma certa “objetivação”, sendo experimentada como pura coisa e, desse modo, transferida com o assinalado para o mesmo âmbito ontológico do simplesmente dado. A “coincidência” não é identificação do que antes estava isolado mas um sinal que ainda-não-está-livre do designado. Esse uso de sinal desaparece inteiramente em ser para o assinalado, a ponto de ainda não se poder separar um sinal como tal. A coincidência não se funda numa primeira objetivação mas na total falta de objetivação. Isso significa, no entanto, que os sinais não foram descobertos como instrumento e que, por fim, o “manual” intramundano ainda não possui de forma alguma o modo de ser do instrumento. Presumivelmente, esse diapasão ontológico (manualidade e instrumento), bem como a ontologia da coisalidade, não podem contribuir em nada para uma interpretação do mundo primitivo. Se, no entanto, uma compreensão de ser é constitutiva da presença [Dasein] primitiva e do mundo primitivo em geral, então torna-se ainda mais urgente a elaboração da ideia “formal” de mundanidade, ou seja, de um fenômeno que é de tal maneira passível de modificações que todos os enunciados ontológicos, seja no contexto fenomenal prefixado do que ainda não é isso ou do que já não é mais isso, recebam um sentido fenomenal positivo a partir do que não é. STMSC: §17
Esta interpretação do sinal tinha apenas a finalidade de oferecer um apoio fenomenal para se caracterizar a referência. A relação entre sinal e referência é tríplice: 1. Na estrutura do instrumento em geral, a ação de mostrar, enquanto possível concreção do para quê (Wozu) de uma serventia, funda-se no ser para (Um-zu) (referência). 2. A ação de mostrar do sinal, enquanto caráter instrumental do que se acha À MÃO, pertence a uma totalidade instrumental, a um conjunto referencial. 3. O sinal não está apenas À MÃO junto com outro instrumento, mas, em sua manualidade, o mundo circundante torna-se, cada vez, explicitamente acessível à circunvisão. O sinal está onticamente À MÃO e, enquanto é esse instrumento determinado, desempenha, ao mesmo tempo, a função de alguma coisa que indica a estrutura ontológica de manualidade, totalidade de referencial e mundanidade. Aí se enraíza o privilégio desse manual em meio ao mundo circundante, ocupado pela circunvisão. Se, portanto, a própria referência deve ser, do ponto de vista ontológico, fundamento do sinal, ela mesma não pode ser concebida como sinal. Como a própria referência constitui manualidade, ela não é a determinação ôntica de um manual. Em que sentido a referência é a “pressuposição” ontológica do manual e em que medida, na qualidade de fundamento ontológico, é também constitutivo da mundanidade em geral? STMSC: §17
O manual vem ao encontro dentro do mundo. O ser desse ente, a manualidade, remete ontologicamente, portanto, de alguma maneira, ao mundo e à mundanidade. Em todo manual, o mundo já está “pre [das Da]-sente por aí”. Embora não de forma temática, o mundo já se descobre {CH: ilumina} antecipadamente em todo encontro. Ele pode, no entanto, aparecer também em certos modos de lidar com o mundo circundante. É a partir do mundo que o manual está À MÃO. Como o mundo deixa e faz encontrar o manual? A análise feita até o momento mostrou: o ente intramundano que vem ao encontro é liberado em seu ser para a circunvisão própria da ocupação, é levado em conta. O que diz essa liberação prévia e como ela há de ser compreendida como distintivo ontológico do mundo? Com quais problemas se depara a questão da mundanidade do mundo? STMSC: §18
Esse deixar e fazer com que algo já sempre em conjunto se tenha liberado numa conjuntura é um perfeito {CH: no mesmo parágrafo, falou-se da “liberação prévia” – a saber (falando-se em geral), do ser para a possível revelação dos entes. Nesse sentido ontológico, “prévia” significa lat. a priori, em grego proteron te physei, Aristóteles, Física, A 1; ainda mais claramente, Metafísica, E 1025 b 29 to ti einai “? que já foi ser”, o que sempre já vigorou antecipadamente, o passado-presente, o perfeito. O verbo grego einai não conhece nenhuma forma de perfeito; esse é aqui evocado no hen einai. Não o que onticamente passou, mas o que é sempre mais cedo, ao qual nos referimos retroativamente na questão dos entes como tais; ao invés de perfeito a priori, poder-se-ia também dizer: perfeito ontológico ou transcendental (cf. A doutrina kantiana do esquematismo)} a priori, que caracteriza o modo de ser da própria presença [Dasein]. Compreendido do ponto de vista ontológico, esse deixar e fazer em conjunto consiste numa liberação prévia dos entes em sua manualidade intramundana. É a partir do estar junto que se libera o estar com da conjuntura. É na ocupação que o estar com se encontra com esse manual. Mostrando-se como um ente, ou seja, descobrindo-se em seu ser, ele já se acha À MÃO no mundo circundante e não “pela primeira vez” apenas como “matéria do mundo” simplesmente dada. STMSC: §18
Impõe-se uma questão crítica: Será que esta ontologia de “mundo” investiga o fenômeno do mundo? Se não o faz, será que ao menos determina um ente intramundano a ponto de tornar visível a sua determinação mundana? Ambas as perguntas devem ser respondidas negativamente. O ente que, em princípio, Descartes tenta apreender de maneira ontológica com a extensio é um ente que só pode ser descoberto mediante a passagem por um ente intramundano imediatamente À MÃO. Contudo, por mais que isso seja correto e por mais equivocada que seja a própria caracterização ontológica deste determinado ente intramundano (natureza) – tanto a ideia de substancialidade quanto o sentido de existit e ad existendum assumido em sua definição – subsiste a possibilidade de se colocar e desenvolver de algum modo o problema ontológico do mundo, através de uma ontologia fundada na distinção radical entre Deus, eu e “mundo”. Se, porém, mesmo essa possibilidade não se der, então deve-se apresentar uma comprovação explícita de que Descartes não apenas fornece uma determinação ontológica falha, mas que a sua interpretação e seus fundamentos levaram a que se saltasse por cima do fenômeno do mundo, bem como do ser dos entes intramundanos que estão imediatamente À MÃO. STMSC: §21
Até que ponto, na caracterização do manual, já nos deparamos com a sua espacialidade? Já falamos do que numa primeira aproximação se apresenta como manual. Isto não indica apenas o ente que vem ao encontro em primeiro lugar, aludindo igualmente ao ente que se acha na “proximidade”. O manual do modo de lidar cotidiano possui o caráter de proximidade. Examinando-se com precisão, esta proximidade do instrumento já se acha indicada no próprio termo que exprime seu ser, na “manualidade”. O ente “À MÃO” sempre possui uma proximidade diferente que não se estipula medindo-se distâncias. Essa proximidade regula-se a partir do uso e manuseio “a se levar em conta” na circunvisão. A circunvisão da ocupação fixa o que, desse modo, está próximo também quanto à direção em que o instrumento é, cada vez, acessível. A proximidade direcionada do instrumento significa que ele não ocupa uma posição no espaço, meramente localizada em algum lugar, mas que, como instrumento, ele se acha, essencialmente, instalado, disposto, instituído e alojado. O instrumento tem seu lugar ou então “está por aí”, o que se deve distinguir fundamentalmente de uma simples ocorrência numa posição arbitrária do espaço. Cada lugar se determina como lugar deste instrumento para… , a partir de um todo de lugares reciprocamente direcionados do conjunto instrumental, “À MÃO” no mundo circundante. O lugar e a multiplicidade de lugares não devem ser interpretados como o onde de qualquer ser simplesmente dado de coisas. O lugar é sempre o “aqui” e “lá” determinados, a que pertence um instrumento. Essa pertinência corresponde ao caráter de instrumento do manual, isto é, ao pertencer a um todo instrumental segundo uma conjuntura. A condição de possibilidade da pertinência localizável de um todo instrumental reside no para onde a que se remete a totalidade dos lugares de um contexto instrumental. Chamamos de região este para onde da possível pertinência instrumental, previamente visualizado no modo de lidar da ocupação dotada de uma circunvisão. STMSC: §22
“Na região de” diz não apenas “na direção de”, mas também na periferia do que está nesta direção. O lugar constituído pela direção e distância – a proximidade é apenas um modo de distância – já opera uma orientação para e dentro de uma região. Para que a indicação e o encontro de lugares dentro de uma totalidade instrumental disponível à circunvisão sejam possíveis, é preciso que já se tenha descoberto previamente uma região. Esta orientação regional da multiplicidade de lugares do que está À MÃO constitui o circundante, isto é, o estar em torno de nós dos entes que de imediato vêm ao encontro no mundo circundante. Numa primeira aproximação, nunca nos é dado uma multiplicidade tridimensional de possíveis posições preenchidas por coisas simplesmente dadas. STMSC: §22
Essa dimensionalidade do espaço ainda se acha encoberta na espacialidade do que está À MÃO. O lugar “em cima” é o lugar no “teto”, o “embaixo” é o “no chão”, o “atrás” é o “junto à porta”; todos os onde são descobertos e interpretados na circunvisão, através das passagens e caminhos do modo de lidar cotidiano, e não constatados e enumerados numa leitura de medições do espaço. STMSC: §22
Regiões não se formam a partir de coisas simplesmente dadas em conjunto, mas estão sempre À MÃO nos vários lugares específicos. Os próprios lugares dependem dos entes que se acham À MÃO na circunvisão da ocupação ou que, como tais, são encontrados. O que constantemente está À MÃO não tem um lugar, pois é previamente levado em conta pelo ser-no-mundo da circunvisão. O onde de sua manualidade é levado em conta na ocupação e se orienta para os demais entes À MÃO. Assim, por exemplo, o sol cuja luz e calor são usados cotidianamente possui seus lugares marcados e descobertos pela circunvisão, a partir da possibilidade de emprego variável daquilo que ele propicia: o nascente, o meio-dia, o poente, a meia-noite. Os lugares deste manual em contínua mudança, e não obstante uniforme, tornam-se “indicações” privilegiadas de suas regiões. Esses pontos cardeais, que ainda não precisam ter um sentido geográfico, proporcionam previamente o para onde de todo delineamento ulterior de qualquer região que possa vir a ser ocupada por lugares. A casa tem o seu lado do sol e o seu lado da ventilação; por ele se orienta a distribuição dos “cômodos” e nestes, novamente, a “instalação” de acordo com o seu caráter instrumental. Igrejas e sepulturas, por exemplo, são situadas segundo o nascente e o poente, regiões da vida e da morte, a partir das quais a própria presença [Dasein] se determina no tocante às suas possibilidades mais próprias de ser-no-mundo. A ocupação da presença [Dasein] que, sendo, está em jogo seu próprio ser, descobre previamente as regiões em que, cada vez, está em jogo uma conjuntura decisiva. A descoberta prévia das regiões também se determina pela totalidade conjuntural em que se libera o manual enquanto aquilo que vem ao encontro. STMSC: §22
A manualidade prévia de cada região possui um sentido ainda mais originário do que o ser do manual, a saber, o caráter de familiaridade que não causa surpresa. Ela mesma só se torna visível no modo da surpresa, numa descoberta do que está À MÃO, guiada pela circunvisão segundo os modos deficientes de ocupação. A região do lugar, muitas vezes, torna-se explicitamente acessível como tal pela primeira vez quando alguma coisa não se encontra em seu lugar. O espaço que, no ser-no-mundo da circunvisão, descobre-se como espacialidade do todo instrumental, pertence sempre ao próprio ente como o seu lugar. O mero espaço ainda se acha velado. O espaço está fragmentado {CH: não, justamente uma unidade dos locais, especial e não fragmentada} em lugares. Essa espacialidade, no entanto, dispõe de sua própria unidade através da totalidade conjuntural mundana do que está À MÃO no espaço. O “mundo circundante” não se orienta num espaço previamente dado, mas a sua manualidade específica articula, na significância, o contexto conjuntural de uma totalidade específica de lugares referidos à circunvisão. Cada mundo sempre descobre a espacialidade do espaço que lhe pertence. Do ponto de vista ôntico, a possibilidade de encontro com um manual em seu espaço circundante só é possível porque a própria presença [Dasein] é “espacial”, no tocante a seu ser-no-mundo. STMSC: §22
Ao atribuirmos espacialidade à presença [Dasein], temos evidentemente de conceber este “ser-no-espaço” a partir de seu modo de ser. Em sua essência, a espacialidade da presença [Dasein] não é um ser simplesmente dado e por isso não pode significar ocorrer em alguma posição do “espaço cósmico” e nem estar À MÃO em um lugar. Ambos são modos de ser de entes que vêm ao encontro dentro do mundo. A presença [Dasein], no entanto, está e é “no” mundo, no sentido de lidar familiarmente na ocupação com os entes que vêm ao encontro dentro do mundo. Por isso, se, de algum modo, a espacialidade lhe convém, isto só é possível com base nesse ser-em. A espacialidade do ser-em apresenta, porém, os caracteres de dis-tanciamento e direcionamento. STMSC: §23
Dis-tanciar é, numa primeira aproximação e, sobretudo, um aproximar dentro da circunvisão, isto é, trazer para a proximidade no sentido de providenciar, aprontar, ter À MÃO. Determinados modos de descobrir os entes numa atitude puramente cognitiva também apresentam o caráter de aproximação. Na presença [Dasein] reside uma tendência essencial de proximidade {CH: em que medida e por quê? Ser como vigência constante tem primazia, atualização}. Todos os modos de aumentar a velocidade com que, hoje, de forma mais ou menos forçada lidamos, impõem a superação da distância. Assim, por exemplo, com a “radiodifusão”, a presença [Dasein] cumpre hoje o dis-tanciamento do “mundo” através de uma ampliação e destruição do mundo circundante cotidiano, cujo sentido para a presença [Dasein] ainda não se pode totalmente avaliar. STMSC: §23
Embora não necessariamente, subsiste no dis-tanciamento uma avaliação explícita da distância em que um manual se acha com relação à presença [Dasein]. A distância jamais é apreendida de antemão como intervalo. A avaliação da distância sempre se faz relativamente a dis-tanciamentos em que a presença [Dasein] cotidiana se mantém. Por mais imprecisos e oscilantes que sejam os seus cálculos, tais avaliações possuem uma determinação própria e compreensível para todos no modo de ser cotidiano da presença [Dasein]. Assim, dizemos – até lá é um passeio, é um pulo, são “dois passos”. Essas medidas exprimem que elas não apenas não querem “medir” como também indicam que as distâncias avaliadas pertencem a um ente com que lidamos numa circunvisão e ocupação. Mesmo quando nos servimos de medidas precisas e dizemos: “até em casa é meia hora”, essa medição deve ser tomada como uma avaliação, pois aqui “meia hora” não são trinta minutos mas uma duração que não possui “tamanho”, no sentido de extensão quantitativa. Essa duração é interpretada, cada vez, segundo as “ocupações” cotidianas de nossos hábitos. As distâncias são avaliadas, em primeiro lugar, de acordo com a circunvisão, mesmo quando se conhecem medidas estabelecidas “oficialmente”. Porque nessas avaliações o dis-tante se acha À MÃO, ele conserva o seu caráter especificamente intramundano. Isso explica por que todo dia os caminhos corriqueiros que levam ao ente dis-tante são diferentemente longos. O manual do mundo circundante, na verdade, não se oferece como algo simplesmente dado para um observador eterno, destituído de presença [Dasein], mas vem ao encontro na cotidianidade da presença [Dasein], empenhada em ocupações dentro da circunvisão. Em seus caminhos, a presença [Dasein] não atravessa um trecho do espaço como uma coisa corpórea simplesmente dada. Ela “não devora quilômetros”, a aproximação e o distanciamento são sempre modos de ocupação com o que está próximo e dis-tante. Um caminho “objetivamente” longo pode ser mais curto do que um caminho objetivamente muito curto que, talvez, seja uma “difícil caminhada” e, por isso, se dá para um ou outro como um caminho sem fim. É nesse “dar-se como” que cada mundo está propriamente À MÃO. Os intervalos objetivos de coisas simplesmente dadas não coincidem com a distância e o estar próximo do manual intramundano. Por mais que se saibam com exatidão aqueles intervalos, este saber permanecerá cego por não possuir a função de aproximar o mundo circundante descoberto na circunvisão; este saber só se aplica num ser e para um ser que, em suas ocupações, não está medindo trechos de um mundo que “lhe diz respeito”. STMSC: §23
Orientando-se primária ou até exclusivamente pelas distâncias enquanto intervalos medidos, encobre-se a espacialidade originária do ser-em. O que se pretende “mais próximo” não é, de forma alguma, o que tem o menor intervalo “de nós”. O “mais próximo” é o que está distante no raio de uma visão, apreensão e alcance medianos. Porque a presença [Dasein] é essencialmente espacial, segundo os modos do dis-tanciamento, o lidar com as coisas sempre se mantém num “mundo circundante”, cada vez determinado pela distância de um certo espaço de jogo. Por isso é que, de início, ao ouvirmos e vermos, desconsideramos o que, do ponto de vista dos intervalos, se acha “mais próximo”. Ver e ouvir são sentidos da distância, não devido a seu alcance, mas porque, distanciando-se, a presença [Dasein] neles se mantém de forma predominante. Para quem usa óculos, por exemplo, que, do ponto de vista do intervalo, estão tão próximos que os “trazemos no nariz”, esse instrumento de uso, do ponto de vista do mundo circundante, acha-se mais distante do que o quadro pendurado na parede em frente. Esse instrumento é tão pouco próximo que, muitas vezes, nem pode ser encontrado imediatamente. O instrumento de ver, o de ouvir como o fone do telefone, por exemplo, possuem a não-surpresa caracterizada anteriormente do que está imediatamente À MÃO. Isso vale também, por exemplo, para a estrada que é o instrumento de caminhar. Ao caminhar, toca-se a estrada a cada passo e assim, aparentemente, ela é o mais próximo e o mais real dos manuais, insinuando-se, por assim dizer, em determinadas partes do corpo, ao longo da sola dos pés. E, no entanto, ela está mais distante do que o conhecido que vem ao encontro “pela estrada” a um “distanciamento” de vinte passos. É a ocupação guiada pela circunvisão que decide sobre a proximidade e distância do que está imediatamente À MÃO no mundo circundante. A ocupação se atém previamente ao que está mais próximo e regula os dis-tanciamentos. STMSC: §23
Quando, em suas ocupações, a presença [Dasein] aproxima de si alguma coisa, isto não significa que a tenha fixado numa posição do espaço que possua o menor intervalo de algum ponto do seu corpo. Aproximar significa: na periferia do que está imediatamente À MÃO numa circunvisão. A aproximação não se orienta pela coisa-eu dotada de corpo, mas pelo ser-no-mundo da ocupação, isto é, pelo que sempre vem ao encontro imediatamente no ser-no-mundo. A espacialidade da presença [Dasein] também não se determina, indicando-se a posição em que uma coisa corpórea é simplesmente dada. Sem dúvida, também dizemos que a presença [Dasein] sempre ocupa um lugar. Este “ocupar”, no entanto, deve ser em princípio distinto do estar À MÃO num lugar, dentro de uma região. Ocupar um lugar deve ser concebido como distanciar o manual do mundo circundante dentro de uma região previamente descoberta numa circunvisão. A presença [Dasein] compreende o aqui a partir de um lá do mundo circundante. O aqui não indica o onde de algo simplesmente dado, mas o estar junto de um ser que produz simultaneamente com esse dis-tanciamento. De acordo com sua espacialidade, a presença [Dasein], numa primeira aproximada, nunca esta aqui, mas sempre lá, de onde retorna para aqui. Todavia, tudo isso apenas se dá no modo em que a presença [Dasein] interpreta o seu ser-para… das ocupações a partir do que lá está a mão. É o que se torna totalmente claro pela particularidade fenomenal inerente a estrutura do dis-tanciamento, própria do ser-em. STMSC: §23
Deve-se, porém, considerar que o direcionamento próprio do distanciamento funda-se no ser-no-mundo. Assim, a direita e a esquerda não são coisas “subjetivas” das quais o sujeito possui uma sensação, mas sim direções do direcionamento, dentro de um mundo já sempre À MÃO. “Pelo puro sentimento da diferença de meus dois lados”, nunca poderia localizar-me corretamente no mundo. O sujeito com “puros sentimentos” desta diferença é um ponto de partida construtivo que desconsidera a verdadeira constituição do sujeito, a saber, que para poder orientar-se, a presença [Dasein] já está e já deve estar num mundo junto com esse “puro sentimento”. É o que aparece claramente no exemplo com que Kant tenta esclarecer o fenômeno da orientação. STMSC: §23
Enquanto ser-no-mundo, a presença [Dasein] já descobriu a cada passo um “mundo”. Caracterizou-se esse descobrir, fundado na mundanidade do mundo, como liberação dos entes numa totalidade conjuntural. A ação liberadora de deixar e fazer em conjunto se perfaz no modo da referência, guiada pela circunvisão e fundada numa compreensão prévia da significância. Mostra-se assim que, dentro de uma circunvisão, o ser-no-mundo é espacial. E somente porque a presença [Dasein] é espacial, tanto no modo de dis-tanciamento quanto no modo de direcionamento, o que se acha À MÃO no mundo circundante pode vir ao encontro em sua espacialidade. A liberação de uma totalidade conjuntural é, de maneira igualmente originária, um deixar e fazer em conjunto que, numa região, dis-tancia e direciona, ou seja, libera a pertinência espacial do que está À MÃO. Na significância, familiar à presença [Dasein] nas ocupações de seu ser-em, reside também a abertura essencial do espaço. STMSC: §24
O espaço assim aberto com a mundanidade do mundo ainda não tem nada a ver com o puro conjunto das três dimensões. Neste abrir-se mais imediato, o espaço enquanto puro continente de uma ordem métrica de posições e de uma determinação métrica de postos ainda permanece velado. Com o fenômeno de região, indicamos a perspectiva em que o espaço se descobre previamente na presença [Dasein]. Entendemos região como o para onde a que possivelmente pertence o conjunto instrumental À MÃO, que poderá vir ao encontro segundo direções e distanciamentos, isto é, em um lugar. A pertinência determina-se a partir da significância constitutiva do mundo e articula, num possível para onde, o para aqui e o para lá. O para onde (Wohin) em geral acha-se prelineado pela totalidade referencial estabelecida num para onde da ocupação, em cujo seio a ação liberadora de deixar e fazer em conjunto instaura referências. Numa região sempre se estabelece uma conjuntura com o que vem ao encontro enquanto manual. A conjuntura regional do espaço pertence à totalidade conjuntural que constitui o ser do que está À MÃO no mundo circundante. Com base nesta totalidade conjuntural do espaço é que se pode encontrar e determinar a forma e a direção do que está À MÃO. De acordo com a possível transparência da circunvisão ocupacional, distancia-se e direciona-se o manual intramundano junto ao ser fático da presença [Dasein]. STMSC: §24
O deixar e fazer vir ao encontro, constitutivo do ser-no-mundo dos entes intramundanos, é um “dar-espaço”. Esse “dar-espaço”, que também denominamos de arrumar , consiste na liberação do que está À MÃO para a sua espacialidade. É este arrumar como doação preliminar que descobre um conjunto possível de lugares determinados pela conjuntura e que possibilita a orientação fática de cada passo. Enquanto ocupação com o mundo numa circunvisão, a presença [Dasein] pode tanto “arrumar” como desarrumar e mudar a arrumação, e isso porque o arrumar, entendido como existencial, pertence a seu ser-no-mundo. Contudo, nem a região previamente descoberta a cada vez e nem mesmo a espacialidade de cada passo são explicitamente visíveis. Em si mesma, ela está presente à circunvisão na não surpresa do manual a cuja ocupação se entrega a circunvisão. Com o ser-no-mundo, o espaço se descobre, de início, nessa espacialidade. Com base na espacialidade assim descoberta, o espaço em si torna-se acessível ao conhecimento. STMSC: §24
O espaço nem está no sujeito nem o mundo está no espaço. Ao contrário, o espaço está no mundo à medida que o ser-no-mundo constitutivo da presença [Dasein] já sempre descobriu um espaço. O espaço não se encontra no sujeito nem o sujeito considera o mundo “como se” estivesse num espaço. É o “sujeito”, entendido ontologicamente, a presença [Dasein], que é espacial em sentido originário. Porque a presença [Dasein] é nesse sentido espacial, o espaço se apresenta como a priori. Este termo não indica a pertinência prévia a um sujeito que de saída seria destituído de mundo e projetaria de si um espaço. Aprioridade significa aqui precedência do encontro com o espaço (como região) em cada encontro do que está À MÃO no mundo circundante. STMSC: §24
A descoberta do espaço puramente abstrato, destituído de circunvisão, neutraliza as regiões do mundo circundante, transformando-as em puras dimensões. Os lugares e a totalidade de lugares, orientados pela circunvisão dos instrumentos À MÃO, mergulham num sistema de coordenadas, destinado a qualquer coisa. A espacialidade do manual intramundano perde, assim, seu caráter conjuntural. O mundo perde a especificidade dos seus em torno de, de suas circundâncias, o mundo circundante transforma-se em mundo da natureza. O “mundo” como um todo instrumental À MÃO perde o seu espaço, transformando-se em um contexto de coisas extensas simplesmente dadas. O espaço homogêneo da natureza mostra-se apenas através de um modo que descobre o ente uma vez que este vem ao encontro marcado pelo caráter de uma desmundanização específica da determinação mundana do manual. STMSC: §24
De acordo com o seu ser-no-mundo, a presença [Dasein] já sempre dispõe previamente, embora de forma implícita, de um espaço já descoberto. Em contrapartida, o espaço em si mesmo fica, de início, encoberto no tocante às possibilidades puras de simples espacialidades de alguma coisa. Por mostrar-se essencialmente num mundo, o espaço não decide sobre a modalidade de seu ser. O espaço não precisa ter o modo de ser espacial do que se acha À MÃO nem o modo de algo simplesmente dado. O ser do espaço também não possui o modo de ser da presença [Dasein]. Porque o próprio ser do espaço não pode ser concebido como res extensa, não se segue que deva ser determinado ontologicamente como “fenômeno” desta res – na verdade, ele não seria dela distinto – nem que o ser do espaço pudesse ser equiparado ao da res cogitans e compreendido como pu-ramente “subjetivo”, mesmo que se desconsiderasse toda a problemática referente ao ser deste sujeito. STMSC: §24
A “descrição” do mundo circundante mais próximo, por exemplo, do mundo do artesão, mostrou que, com o instrumento em ação, também “vêm ao encontro” os outros, aos quais a “obra” se destina. No modo de ser desse manual, ou seja, em sua conjuntura, subsiste uma referência essencial a possíveis portadores para os quais a obra está “talhada sob medida”. Do mesmo modo, junto com o material empregado, também vem ao encontro o seu produtor ou “fornecedor”, enquanto aquele que “serve” bem ou mal. O campo, por exemplo, onde passeamos “lá fora” mostra-se como o campo que pertence a alguém, que é por ele mantido em ordem; o livro usado foi comprado em tal livreiro, foi presenteado por… e assim por diante. Em seu ser-em-si, o barco ancorado na praia refere-se a um conhecido que nele viaja ou então um “barco desconhecido” mostra outros. Os outros que assim “vêm ao encontro”, no conjunto instrumental À MÃO no mundo circundante, não são algo acrescentado pelo pensamento a uma coisa já antes simplesmente dada. Todas essas coisas vêm ao encontro a partir do mundo em que elas estão À MÃO para os outros. Este mundo já é previamente sempre o meu. Na análise feita até aqui, a periferia daquilo que vem ao encontro dentro do mundo restringiu-se, de início, ao instrumento manual e à natureza simplesmente dada e, assim, aos entes destituídos do caráter da presença [Dasein]. Esta restrição não apenas era necessária para simplificar a explicação, mas, sobretudo, porque o modo de ser da presença [Dasein] dos outros que vêm ao encontro dentro do mundo diferencia-se da manualidade e do ser simplesmente dado. O mundo da presença [Dasein] libera, portanto, entes que não apenas se distinguem dos instrumentos e das coisas mas que, de acordo com seu modo de ser de presença [Dasein], são e estão “no” mundo em que vêm ao encontro segundo o modo de ser-no-mundo. Não são algo simplesmente dado e nem algo À MÃO. São como a própria presença [Dasein] liberadora – são também co-presenças. Ao se querer identificar o mundo em geral com o ente intramundano, dever-se-ia então dizer: “mundo” é também presença [Dasein]. STMSC: §26
O encontro com os outros não se dá numa apreensão prévia em que um sujeito, de início já simplesmente dado, se distingue dos demais sujeitos, nem numa visão primeira de si onde então se estabelece o referencial da diferença. Eles vêm ao encontro a partir do mundo em que a presença [Dasein] se mantém, de modo essencial, empenhada em ocupações guiadas por uma circunvisão. Em oposição aos “esclarecimentos” teóricos, que facilmente se impõem sobre o ser simplesmente dado dos outros, deve-se ater ao teor fenomenal demonstrado de seu encontro no mundo circundante. Esse modo de encontro mundano mais próximo e elementar da presença [Dasein] é tão amplo que a própria presença [Dasein] nele, de saída, já “encontra” a si mesma, desviando o olhar ou nem mesmo vendo “vivências” e “atos”. A presença [Dasein] encontra, de saída, “a si mesma” naquilo que ela empreende, usa, espera, resguarda – no que está imediatamente À MÃO no mundo circundante, em sua ocupação. STMSC: §26
E até mesmo quando a própria presença [Dasein] diz explicitamente de si mesma eu-aqui, a determinação pessoal do lugar deve ser cornpreendida a partir da espacialidade existencial da presença [Dasein]. Na interpretação desta espacialidade (§23), já indicamos que esse euaqui não significa um ponto privilegiado da coisa-eu, mas que se compreende como ser-em a partir do lá de um mundo À MÃO, a que a presença [Dasein] se detém em suas ocupações. STMSC: §26
Numa primeira aproximação e na maior parte das vezes, a presença [Dasein] se entende a partir de seu mundo e a co-presença [Dasein] dos outros vêm ao encontro nas mais diversas formas, a partir do que está À MÃO dentro do mundo. Mas mesmo quando a presença [Dasein] dos outros se torna, por assim dizer, temática, eles não chegam ao encontro como pessoas simplesmente dadas. Nos as encontramos, por exemplo, “junto ao trabalho”, o que significa, primordialmente, em seu ser-no-mundo. Mesmo quando vemos o outro meramente “em volta de nós”, ele nunca é apreendido como coisa-homem simplesmente dada. O “estar em volta” é um modo existencial de ser: o ficar desocupado e desprovido de circunvisão junto a tudo e a nada. O outro vêm ao encontro em sua co-presença [Dasein] no mundo. STMSC: §26
Se o ser-com constitui existencialmente o ser-no-mundo, ele deve poder ser interpretado pelo fenômeno da cura, da mesma forma que o modo de lidar da circunvisão com o manual intramundano que, previamente, concebemos como ocupação. Pois esse fenômeno determina o ser da presença [Dasein] em geral (cf. cap. VI desta seção). O caráter ontológico da ocupação não é próprio do ser-com, embora esse modo de ser seja um ser para os entes que vem ao encontro dentro do mundo como ocupação. O ente, com o qual a presença [Dasein] se relaciona enquanto ser-com, também não possui o modo de ser do instrumento À MÃO, pois ele mesmo é presença [Dasein]. Desse ente não se ocupa, com ele se preocupa.[177] STMSC: §26
De acordo com a análise aqui desenvolvida, o ser com os outros pertence ao ser da presença [Dasein] que, sendo, põe em jogo seu próprio ser. Enquanto ser-com, a presença [Dasein] “é”, essencialmente, em virtude dos outros. Isso deve ser entendido, em sua essência, como um enunciado existencial. Mesmo quando cada presença [Dasein] fática não se volta para os outros quando acredita não precisar deles ou quando os dispensa, ela ainda é no modo de ser-com. No ser-com, enquanto o existencial de ser em virtude dos outros, os outros já estão abertos em sua presença [Dasein]. Essa abertura dos outros, previamente constituída pelo ser-com, também perfaz a significância, isto é, a mundanidade que se consolida como tal no existencial de ser-em-virtude-de. Por isso, a mundanidade do mundo assim constituída, em que a presença [Dasein] já sempre é e está de modo essencial, deixa que o manual do mundo circundante venha ao encontro junto com a co-presença [Dasein] dos outros, na própria ocupação guiada pela circunvisão. Na estrutura da mundanidade do mundo, os outros não são, de saída, simplesmente dados como sujeitos soltos no ar ao lado de outras coisas. Eles se mostram em seu ser-no-mundo, empenhado nas ocupações do mundo circundante, a partir do ser que, no mundo, está À MÃO. STMSC: §26
Já se mostrou anteriormente o quanto o mundo circundante público está À MÃO e providenciado no “mundo circundante” mais próximo. Na utilização dos meios de transporte público, no emprego dos meios de comunicação e notícias (jornal), cada um e como o outro. Este conviver dissolve inteiramente a própria presença [Dasein] no modo de ser dos “outros”, e isso de tal maneira que os outros desaparecem ainda mais em sua possibilidade de diferença e expressão. STMSC: §27
O que se constitui essencialmente pelo ser-no-mundo é sempre em si mesmo o “pre [das Da]” de sua presença [Dasein]. Segundo o significado corrente da palavra, o “pre [das Da]” da presença [Dasein] remete ao “aqui” e “lá”. O “aqui” de um “eu-aqui” sempre se compreende a partir de um “lá” À MÃO, no sentido de um ser que se dis-tancia e se direciona numa ocupação. A espacialidade existencial da presença [Dasein] que lhe determina o “lugar” já está fundada no ser-no-mundo. O “lá” é a determinação daquilo que vem ao encontro dentro do mundo. “Aqui” e “lá” são apenas possíveis no “pre [das Da]” da presença [Dasein], isto é, quando se da um ente que, enquanto ser do “pre [das Da]” da presença [Dasein], abriu a espacialidade. Em seu ser mais próprio, este ente traz o caráter de não fechamento. A expressão “pre [das Da]” refere-se a essa abertura essencial. Através dela, esse ente (a presença [Dasein]) está junto à pre [das Da]-sença do mundo, fazendo-se presença [Dasein] para si mesmo. STMSC: §28
Além dessas duas determinações essenciais da disposição aqui explicitadas: a abertura do estar-lançado e a abertura do ser-no-mundo em sua totalidade, deve-se considerar ainda uma terceira, que contribui sobremaneira para uma compreensão mais profunda da mundanidade do mundo. Como dissemos anteriormente, o mundo que já se abriu deixa e faz com que o ente intramundano venha ao encontro. Essa abertura prévia do mundo, que pertence ao ser-em, também se constitui de disposição. Deixar e fazer vir ao encontro é, primariamente, uma circunvisão e não simplesmente sensação ou observação. Numa ocupação dotada de circunvisão, deixar e fazer vir ao encontro tem o caráter de ser atingido, como agora se pode ver mais agudamente a partir da disposição. Do ponto de vista ontológico, inutilidade, resistência, ameaça, são apenas possíveis, porque o ser-em como tal se acha determinado previamente em sua existência, de modo a poder ser tocado dessa maneira pelo que vem ao encontro dentro do mundo. Esse ser tocado funda-se na disposição, descobrindo o mundo como tal, no sentido, por exemplo, de ameaça. Apenas o que é na disposição do medo, o sem medo, pode descobrir o que está À MÃO no mundo circundante como algo ameaçador. O estado de humor da disposição constitui, existencialmente, a abertura mundana da presença [Dasein]. STMSC: §29
O de que se teme, o “amedrontador”, é sempre um ente que vem ao encontro dentro do mundo e que possui o modo de ser do que está À MÃO, ou do ser simplesmente dado ou ainda da co-presença [Dasein]. Não se trata de relatar onticamente o ente que, na maior parte das vezes e das mais diversas formas, pode tornar-se “amedrontador”. Trata-se de determinar fenomenalmente o que é amedrontador em seu ser amedrontador. O que pertence ao amedrontador como tal a ponto de vir ao encontro no ter medo? Aquilo de que se tem medo possui o caráter de ameaça. Isso implica varias coisas: 1. O que vem ao encontro possui o modo conjuntural de ser prejudicial. Ele sempre se mostra dentro de um contexto conjuntural. 2. Esse prejudicial visa a um âmbito determinado daquilo que pode encontrar. Chega trazendo em si a determinação de uma região dada. 3. A própria região e o “estranho” que dela provem são conhecidos. 4. Enquanto ameaça, o prejudicial não se acha ainda numa proximidade dominável, ele se aproxima. Nesse aproximar-se, o prejudicial se irradia, e seus raios apresentam o caráter de ameaça. 5. Esse aproximar-se aproxima-se dentro da proximidade. O que, na verdade, pode ser prejudicial no mais alto grau e até constantemente se aproxima, embora mantendo-se a distância, vela seu ser amedrontador. É, porém, aproximando-se na proximidade que o prejudicial ameaça, pois pode chegar ou não. Na aproximação cresce esse “pode chegar, mas por fim não”. Então dizemos, é amedrontador. 6. Isso significa: ao se aproximar na proximidade, o prejudicial traz consigo a possibilidade desvelada de ausentar-se e passar ao largo, o que não diminui nem resolve o medo, ao contrário, o constitui. STMSC: §30
É a partir da significância aberta no compreender de mundo que o ser da ocupação com o manual se dá a compreender, qualquer que seja a conjuntura que possa estabelecer com o que lhe vem ao encontro. A circunvisão descobre, isto é, o mundo já compreendido se interpreta. O que está À MÃO surge expressamente na visão que compreende. Todo preparar, acertar, colocar em condições, melhorar, completar, se realiza de tal modo que o manual dado na circunvisão é interpretado em relação aos outros em seu ser-para e vem a ser ocupado segundo essa interpretação recíproca. O que se interpreta reciprocamente na circunvisão de seu ser-para como tal, ou seja, o que expressamente se compreende, possui a estrutura de algo como algo. A questão que se levanta numa circunvisão: o que é esse manual determinado? A interpretação da circunvisão responde do seguinte modo: ele é para… A indicação do para-que não é simplesmente a denominação de algo, mas o denominado é compreendido como isto, que se deve tomar como estando em questão. O que se abre no compreender, o compreendido, é sempre de tal modo acessível que pode relevar-se expressamente em si mesmo “como isto ou aquilo”. O “como” constitui a estrutura do expressamente compreendido; ele constitui a interpretação. O modo de lidar da circunvisão e interpretação com o manual intramundano, que o “vê” como mesa, porta, carro, ponte, não precisa necessariamente expor o que foi interpretado na circunvisão num enunciado determinante. Toda visão pre [das Da]-predicativa do que esta À MÃO já é em si mesma um em compreendendo e em interpretando. Mas será que a falta desse “como” não constituirá a natureza pura e simples de uma pura percepção? O ver dessa visão já é sempre um compreender e um interpretar. Já traz em si o expresso das remissões referenciais (do ser-para) constitutivas da totalidade conjuntural, a partir da qual se entende tudo que simplesmente vem ao encontro. A articulação do que foi compreendido na aproximação interpretativa dos entes, na chave de “algo como algo”, antecede todo e qualquer enunciado temático a seu respeito. O “como” não ocorre pela primeira vez no enunciado. Nele, o como apenas se pronuncia, o que, no entanto, só é possível por já se oferecer como o que pode se pronunciar. Que a simples visão falte um enunciado expresso, isso não significa que ela não disponha de nenhuma interpretação articuladora e, por conseguinte, da estrutura-como. A simples visão das coisas mais próximas nos afazeres já traz consigo tão originariamente a estrutura da interpretação que toda e qualquer apreensão, por assim dizer livre da estrutura-como, necessita de uma certa transposição. Ter simplesmente diante de si uma coisa e somente fixá-la como um não mais compreender. Esse apreender livre da estrutura-como priva-se de qualquer visão meramente compreensiva. Deriva-se dela e não é mais originária. O não pronunciamento ôntico do “como” não deve levar a desconsiderá-lo enquanto constituição existencial a priori do compreender. STMSC: §32
Se, porém, todo e qualquer perceber de um instrumento À MÃO já é compreender e interpretar, e assim permite, na circunvisão, o encontro de algo como algo, não