Nossa “dignidade”, na acepção particular que emprego aqui, é nosso sentido de merecer respeito (atitudinal). A questão de saber em que consiste nossa dignidade não é mais evitável que a de saber por que deveríamos respeitar os direitos alheios ou o que constitui uma vida plena, por mais que uma filosofia naturalista possa nos levar a pensar erroneamente nisso como mais um domínio de meras reações “viscerais”, similares às dos babuínos ao estabelecer sua hierarquia. E, nesse caso, seu caráter inevitável deveria ser ainda mais óbvio, visto estar nossa dignidade tão integrada a [30] nosso próprio comportamento. A maneira mesma como andamos, nos movemos, gesticulamos e falamos é moldada desde os primeiros momentos por nossa consciência de estar na presença de outros, de nos encontrarmos num espaço público e de que esse espaço pode trazer potencialmente o respeito ou o desprezo, o orgulho ou a vergonha. Nosso estilo de movimentação física exprime a maneira como nos vemos gozando de respeito ou carentes dele, como merecendo-o ou deixando de merecê-lo. Algumas pessoas passam rapidamente pelo espaço público como se o evitassem; outras passam precipitadamente como se esperassem fugir à questão da impressão que causam nele pela própria determinação séria com a qual transitam por ele; outros ainda passeiam com segurança, saboreando seus momentos nesse âmbito; e há também os que assumem um ar superior, confiantes na maneira como sua presença marca o espaço público: pensemos no modo cuidadosamente vagaroso com que o policial sai de sua viatura após ter-nos feito parar por excesso de velocidade, e no caminhar lento e cadenciado com que se aproxima para pedir nossa carteira de motorista8.
O que, precisamente, julgamos constituir nossa dignidade? Pode ser nosso poder, nosso sentido de dominar o espaço público; ou nossa vulnerabilidade diante do poder; ou nossa auto-suficiência, o fato de nossa vida ter seu próprio centro; ou o fato de sermos queridos e admirados pelos outros, um centro das atenções. É, no entanto, muito comum que o sentido de dignidade possa fundamentar-se em algumas das mesmas concepções morais que mencionei acima. Por exemplo, minha visão de mim mesmo como chefe da casa, pai de família, detentor de um emprego, provedor de meus dependentes; tudo isso pode ser a base do meu sentido de dignidade. Do mesmo modo como sua ausência pode ser catastrófica, capaz de abalá-lo ao solapar por inteiro meu sentimento de valor pessoal. Aqui, o sentido de dignidade está envolvido nessa noção moderna da importância da vida cotidiana, que reaparece outra vez neste eixo.
TAYLOR, Charles. As Fontes do Self. A construção da identidade moderna. Tr. Adail Ubirajara Sobral e Dinah de Abreu Azevedo. São Paulo: Edições Loyola, 1997, p. 30