Selbstaufgabe

(…) a antecipação (Vorlaufen) no ser para a morte (Sein zum Tode), afirmada, reapoderada pelo Dasein, torna-se a possibilitação do poder morrer. «O ser para a morte como antecipação na possibilidade possibilita pela primeira vez esta possibilidade e liberta-a enquanto tal» (Das Sein zum Tode als Vorlaufen in die Möglichkeit ermöglicht allererst diese Möglichkeit und macht sie als solche frei. SZ:262). «Pela primeira vez» (allererst), antes da antecipação, a morte não é um verdadeiro possível; depois deste «movimento», o Dasein é livre, face a ela e face a si mesmo. Ele descobriu a sua própria verdade. «No desvelamento antecipador, o Dasein abre-se a ele próprio quanto à sua possibilidade extrema» (Im vorlaufenden Enthüllen dieses Seinkönnens erschließt sich das Dasein ihm selbst hinsichtlich seiner äußersten Möglichkeit. Ibid.). «O tornar-se livre antecipando em relação à morte própria liberta da perda nas possibilidades contingentes…» (Das vorlaufende Freiwerden für den eigenen Tod befreit von der Verlorenheit in die zufällig sich andrängenden Möglichkeiten SZ:264). «A antecipação abre à renúncia de si e destrói, deste modo, qualquer endurecimento sobre a existência, em cada momento, atingida». (Das Vorlaufen erschließt der Existenz als äußerste Möglichkeit die Selbstaufgabe und zerbricht so jede Versteifung auf die je erreichte Existenz. Ibid.) Noutros termos, o Dasein é libertado bem como as possibilidades de facto: outras possibilidades para além da sua própria esclerose ou imortalização em escolhas anteriores. Mas porquê «renunciar a si» (Selbstaufgabe)? Não será paradoxal que a liberdade mais alta implique o sacrifício de si? Segundo a antecipação que o coloca face à morte, o Dasein está liberto de tudo, inclusive de si mesmo. Na Aufgabe, existe Gabe, o dom, e Aufgabe significa «tarefa». O Dasein é capaz de se entregar a fundo às suas tarefas, mesmo correndo o risco de se perder. Ele assume o risco da morte. Não está desesperadamente ligado a um eu, a um sum que precedería o moribundus. Ele também não está endurecido no seu eu, ignorando as possibilidades dos outros. Pelo contrário, pode percebê-las livremente: «o Dasein rejeita o perigo de desconhecer (…) que as possibilidades de existência de outrem o ultrapassam ou, antes, de as interpretar mal, rebaixando-as às suas próprias» (Ibid.). (HEH:38-39)