Seinsart

Seinsart, Seinsweise, Seinsmodus, Seinsmodi, mode d’être, modo de ser, mode of being, forma de ser, way to be, way of being, modus de ser

A resposta à pergunta pelo quem do Dasein cotidiano deve ser obtida na análise do modo-de-ser em que o Dasein se mantém de pronto e no mais das vezes. A investigação orienta-se pelo ser-no-mundo, por cuja constituição-fundamental do Dasein todo modus do seu ser é codeterminado. (SZ:117; STCastilho:341)


Mas por que a designação de uma forma peculiar de individuação implica que o termo “ser-aí” seja uma expressão de ser e, além disso, uma pura expressão de ser? O início de uma resposta a essa pergunta pode ser obtido de uma passagem do curso de verão de 1927, Prolegômenos à História do Conceito de Tempo. Na caracterização do ser-aí como sendo sempre respectivo e singular,32 lê-se a seguinte elucidação:

Esta denominação “ser-aí” para o referido ente (Seiende) assinalado não significa um quê (Was)·, ela não diferencia esse ente (Seiende) segundo o seu quê, como uma cadeira em comparação com uma casa, senão que essa designação expressa à sua maneira o modo de ser (die Weise zu sein). Ela é uma expressão de ser totalmente específica que foi escolhida aqui para um ente (Seiende), ao passo que de início sempre denominamos os entes a partir do seu quê-de-conteúdo (Was-Gehalt), deixando indeterminado o seu ser, porque o tomamos como compreensível por si mesmo. (GA20, pp. 205-206)

Nessa passagem, a justificativa para a escolha terminológica também incide na caracterização do termo “ser-aí” como não sendo a expressão de uma propriedade, isto é, um termo geral para a classificação e diferenciação de objetos. A expressão designa o modo de ser, o que já é parte da definição do significado formal do termo ser-aí. Visto em conexão com a passagem analisada inicialmente, pode-se inferir que um modo de ser é normativo em relação ao tipo de individuação correspondente. (RRamosAM:66-67)


(…) O ponto decisivo é o entendimento da noção de maneira ou modo de ser (Weise des Seins).1 De acordo com o respectivo modo de ser, varia (70) a articulação em termos de essência e existência. Dessa forma, pode-se entender um modo de ser como a maneira em que um ente (Seiende) está determinado, o que também tem implicações em relação aos critérios de existência.36 Entes com um certo modo de ser estão determinados de uma maneira tal que é pertinente perguntar por suas características essenciais e também sob que condições existem ou não. Entes com outro modo de ser podem não estar determinados segundo o esquema propriedade e instância de uma propriedade. Essa é exatamente a alegação de Heidegger em relação aos entes cujo ser está sempre em questão. Em relação a eles vale um modo específico de ser que implica uma articulação que não é em termos de propriedades e substratos de propriedades.

Neste sentido, há uma passagem muito importante, na qual Heidegger esclarece que o termo “ser-aí” não designa um modo de ser, mas é a denominação de um ente (Seiende) que possui um modo de ser específico, a saber, a existência. O texto aparece nos Problemas Fundamentais da Fenomenologia, no contexto da distinção entre o uso do termo ser-aí (Dasein) por Kant (e Husserl) e o emprego técnico feito por Heidegger:

A expressão “ser-aí”, em contrapartida, não designa para nós, como para Kant, o modo de ser das coisas naturais, ela não designa absolutamente nenhum modo de ser, mas um determinado ente (Seiende), que nós mesmos somos, o ser-aí humano. Nós somos a cada vez um ser-aí. Este ente (Seiende), o ser-aí, tem, como todos os entes, um modo especifico de ser. Determinamos terminologicamente o modo de ser do ser-aí como (71) existência (Existenz), sendo que é preciso observar que existência ou a expressão: “o ser-aí existe” não é a única determinação do tipo de ser de nós mesmos (GA24, p. 36).

O texto registra duas distinções importantes. O termo ser-aí designa um ente (Seiende) específico e não propriamente um modo de ser. Este ente (Seiende), os entes humanos, possui uma maneira de ser (Seinsweise), a saber, a existência. Além disso, também se utiliza a expressão tipo ou forma de ser (Seinsart), para designar uma articulação mais abrangente que a maneira de ser, pois não se esgota apenas, no caso do modo de ser dos entes humanos, na existência. Tal como tenho usado o termo modo de ser, ele corresponderia ao que Heidegger designa com o termo “Seinsart”, que abrange a maneira de determinação caractérica e os critérios de existência (no sentido usual do termo) e individuação.2 Para fixar a distinção, pode-se entender “maneira de ser” como designando o modo de determinação caractérica, e tipo de ser como abrangendo também a maneira correspondente de individuação e existência. O importante neste contexto é que o termo ser-aí designa um ente (Seiende) que possui uma maneira de ser peculiar – a existência, implicando, assim, um pluralismo dos modos ou tipos de ser.

A partir da consideração destes documentos, obtém-se uma formulação geral da estruturação ontológica (ontologisch), de tal forma que o significado formal da expressão “ser-aí” é explicitado. Dito de modo sintético, a articulação de ser é estruturada pelo modo de ser, que desempenha uma função normativa em relação à determinação por caracteres e à individuação. A um dado modo de ser correspondem um tipo próprio de determinação e de individuação; a outro modo de ser correspondem, por sua vez, outro (72) tipo de individuação e determinação característica. Assim sendo, de acordo com a diferença no modo de ser, discriminam-se tipos de determinações características, por exemplo: categoriais ou existenciais. Determinações categoriais são aquelas primariamente constituídas pelo esquema propriedade e substrato de propriedade. Determinações existenciais são aquelas primariamente constituídas por maneiras de ser e não por propriedades. De forma análoga, a essas diferenças correspondem também diferentes tipos de individuação: por instanciação de propriedades ou por singularização respectiva segundo maneiras. Neste sentido, a ampliação em relação ao modo de ser não precisa estar limitada ao reconhecimento de apenas um modo de ser alternativo ao da subsistência, mas é consistente com a admissão de outros modos de ser, correspondendo a eles novos tipos de individuação e determinação caractérica.

É natural supor que a essas distinções no plano conceitual e ontológico (ontologisch) correspondam distinções no plano terminológico de expressão das diferenças e determinações. Neste sentido, é preciso diferenciar um vocabulário com termos que expressam os modos de ser e um vocabulário em que os termos situam-se apenas no nível das determinações e da individuação. Com isso, entende-se porque Heidegger denominou formalmente o termo “ser-aí” como uma pura expressão de ser. Que um termo seja uma pura expressão de ser significa que ele designa o modo de ser. Dada a dependência normativa que se segue do modo de ser, ele também indica as particularidades específicas no plano da determinação e da individuação. Por outro lado, que a expressão não admita flexão no plural também é consistente com a classe de expressões que designam modos de ser e não indivíduos de um domínio de referência.3 Assim sendo, o termo “ser-aí” designa (73) um ente (Seiende) cujo modo de ser implica uma forma de determinação por maneiras, mas não por propriedades, e cuja individuação é dada por singularização irrelacional, mas não por instanciação de propriedades. O significado formal do termo “ser-aí” consiste em não ser um termo geral para designar uma propriedade, mas uma expressão completa que exprime o tipo de determinação caractérica e a forma de individuação. (RRamosAM:70-71)


LÉXICO: (Seinsart->http://hyperlexikon.hyperlogos.info/modules/lexikon/search.php?option=1&term=Seinsart)

Art : mode, modalité. – Le mot désigne le « type » (d’être, le plus souvent) de manière plus abstraite que Modus ou Weise. (ETEM)


L’existence était apparue au §4 (notamment aux alinéas 4 et 5; EtreTemps4). Elle réapparaît ici dans une formule célèbre: « L’essence (Wesen) de cet étant réside dans son existence (Existenz) » (phrase qui avait été reprise, dans une perspective modifiée, par Sartre). Pour Heidegger, le Dasein ne peut être défini dans ce qu’il est, dans sa nature (son quid) que par sa manière d’être. Il a une manière d’être spécifique, qui sera nommée existence. (MZET:91)


  1. A noção de modo de ser foi interpretada como uma metadistinção a respeito de distinções categoriais (Hartmann, 1972, pp. 120-122) e também a partir da diferença entre teorias ontológicas e metaontológicas, admitindo representação num sistema formal mediante quantificadores existenciais restritos (McDaniel, 2009). Esta última interpretação é objetável, porque elucida a noção de modo de ser em termos do significado existencial do termo “ser”, usualmente expresso na Lógica com o quantificador existencial, o que certamente não é o caso no entendimento de Heidegger da noção de modo de ser. 

  2. Uma dificuldade com a tradução de Seinsart por “tipo de ser” é a proximidade da noção de tipo com conceito de categoria. No pluralismo ontológico sustentado por Heidegger, os modos ou tipos de ser não são categorias, as quais, por sua vez, são determinações formais de somente um tipo de ser, qual seja, a subsistência. 

  3. A esta característica dirige-se uma das críticas de Tugenhat (1979, p. 172), para quem o problemático na expressão “Dasein” reside em ser um singulare tantum, não possuindo flexão no plural (como é o caso dos predicados de substância). Ao contrário, precisamente por designar um ente (Seiende) cujo modo de ser não é o de um substrato de propriedades, dotado de um modo de ser cuja individuação sempre é na forma de uma singularidade não vicária, parece-me que a falta do plural é adequada para a função expressiva do termo.