Santos Luta

A LUTA
A luta de Jacob com o anjo encontra paralelo em muitos mitos religiosos, em que o herói-deus enfrenta a potência da instintividade, do inconsciente, a luta do humano contra

o inconsciente animal. Esse símbolo revela a nossa participação com as perfeições da divindade, e as que pertencem à animalidade. Nessa luta, o herói ou sucumbe ou vence. A neurose é um desvio, nesse caso. Essa potência primitiva, que vem dos instintos, é o Deus, que é um “fogo devorador”, do qual se refere a frase bíblica ao dizer que é “horrível cair nas mãos do deus vivo.”

Esse poder é o diabo, o obstaculizador, o tentador também. Essa é a dúplice ação que oferece a figura do diabo em todos os mitos religiosos. É o que nos obstaculiza e nos desvia do caminho desejado, ou é o que nos tenta a fazer o que é contra a esquemática ética, ou que nos é destrutivo, o que nos leva a atentar contra as leis da natureza, o instintivo destrutivo, que há em nós.

Algumas vezes esse poder é divinizado, porque revela hieràrquicamente uma soma mais poderosa de poder que o que dispomos. Não é de admirar, portanto, que haja uma fusão do demônio com a divindade, pois sabemos que nem todas as religiões sentem Deus apenas como amor, como o interpreta o cristianismo. ,

Temos o exemplo da tentação de Cristo no deserto. O diabo oferece-lhe, afinal, depois de esgotadas todas as tentativas, o poder sobre os homens, o domínio, o poder político. Jung mostra-nos, e com certa razão, que a suposição cristã (a genuína pelo menos), aceita que quem prefere o poder está possuído pelo diabo. Cristo resiste. O Deus-herói vence as tentações. E é o que expressam os mitos de todas as religiões, quer as das altas culturas, como as das mais primitivas.

A luta de Mitra com o touro, que ele mata; a luta de Cristo consigo mesmo, no horto de Getsemani; a luta contra o dragão, a luta contra a serpente, encontramo-la em inúmeros mitos. É, pois, um mitologema universal, que se pode traduzir eideticamente da seguinte forma : a luta do homem contra o poder da instintividade. Esse é o simbolizado terciário, que se apresenta através de símbolos secundários e primários, como o touro, a serpente, o dragão, etc.

A luta contra o poder da instintividade é a luta do querer positivo com o querer opositivo. Ê, em suma, um símbolo da categoria da oposição, segundo a linha pitagórica, que é uma revelação da díada de todo ser finito.

Este revela sempre uma oposição entre as antinomias, que são positivas, que apresentam dois vetores contrários. São, em suma, contrários na esfera da díada, mas cuja vitória sobre eles só se realiza na divindade, onde os opostos coincidem e se identificam, na beatitude, fim último e supremo do ser humano.

Dessa forma, toda essa simbólica, levada na análise dos diversos planos do símbolo, alcança, afinal, a Deus, porque todo referente refere-se ao referido que ascende, finalmente, à divindade.

A participação continua presente, porque em nós há o que participa dessa díada, que, na verdade, ainda o somos, mas de modalidade diversa. A luta do espírito contra a instintividade é uma antinomia inseparável do homem. Ê da sua condição humana. Os resultados dessa luta são, afinal, manifestados na simbólica que indica o histórico-social, como já vimos na análise decadialética do símbolo. Este sempre tem uma raiz no bionômico, no psíquico, no ecológico e nó histórico-social, dai a heterogeneidade do símbolo, embora se refira a uma homogeneidade do simbolizado mais remoto, como já vimos.