O ATO
É um fato primitivo o da inserção do eu no mundo. E a consciência do eu nos levaria a afirmar, à maneira de Descartes, que penso, logo há ato.
Mas não somos nós que damos o ser a esse ato, mas é esse ato que nos dá o ser.
Todo ato se revela numa atividade. O ato é a essência da atividade.
A atividade encontra um acabamento, enquanto o ato é um acabamento inacabado. Enquanto ato, os atos não diferem uns dos outros.
Se a atividade tem um contrário na passividade, o ato não exige o contrário para afirmar-se.
Ato é sempre ele. O existir é uma hibridez de atividade e de passividade. Desta forma, o ato é um simbolizado por todas as espécies de atividades.
Ato é, assim, eficacidade pura, revelado simbolicamente por todo fato que o desvela, o indica, o aponta, mas não o limita nem o acaba. O existir é um símbolo do ato. Ato é a fonte suprema de todas as coisas. O ato é potensão, raiz e fonte da atividade e da passividade.
É da passividade que surge o mal. É a limitação fática, das tensões, que criam as limitações, a crisis momentânea, transeunte.
O ato produz o seu símbolo, a atividade. A idolatria está em considerar esse símbolo como tendo uma existência independente e suficiente, quando é apenas uma modal.
O ato é, portanto, o sustentáculo e a subsistência de tudo. É o criador de tudo que passa, mas o ato permanece. O real é o ser em ato.
O ser é o próprio ato. Está no ato e é pela operação do ato que se produz. O ato interior sustenta os seres.
Ele, enquanto tal, exclui o tempo, pois este está na atividade e na passividade. Não é imóvel, mas é imutável. É móvel e imóvel. É como a chama de que falava Buda, que é sempre ela sendo sempre outra.
O entes prefixados são atos participados do ato que é o ser. O ato é idêntico a si mesmo, mas sempre outro, porque nunca estagna, nunca pára, nunca deixa de ser eficacidade pura, por isso, cria.
É o ato um mistério para a filosofia, e cabe à Teologia nele penetrar.
É fácil escamoteá-lo, mas é um ato ainda a escamoteação. Não podemos negá-lo nem quando o negamos.
O que conhecemos é símbolo do ato. Este não tem determinação enquanto ato, como não a tem o ser. Assim, como não há rupturas no ser, não as há no ato. O ato puro é eficacidade pura, e como eficacidade pura, (como o compreendeu a filosofia escolástica), podemos acrescentar, ainda, que é criador, porque ser eficaz é criar, e é ser ser. O ato puro não tem limites porque limitá-lo seria sofrer a ação de outro, que seria, por sua vez, ato também, e, portanto, com ele, se identificaria.
O ato, portanto, enquanto tal, é puro, eficacidade pura. E por ser tal, cria. O ser, como ato e eficacidade pura, realiza a sua potensão, e esta só se pode dar no ato de criar.
Por isso Deus, em todos os altos pensamentos teológicos, é sempre este ato puro, que não tem passividade, que não é potência, senão ativa por que é tudo quanto pode ser, e como só dele pode ser tudo, é dele tudo, princípio subsistente de todas as coisas.
Essa análise que ora fazemos não é propriamente um invadir temas que serão oportunamente tratados, pois, ante o que já expusemos em nossos livros de filosofia, podemos tratar dialeticamente, como o fizemos, temas de tal importância.
Preparamos, assim, obedecendo ao nosso método, uma visão sintética dos grandes temas ontológicos, e nos cabe, daqui por diante, empreender uma análise mais exaustiva, que nos auxilie a uma visão mais clara e, também, mais profunda de matéria de tal envergadura, como o é a Ontologia.
A que nos leva tudo isso que até aqui examinamos? A que o conceito de ser nos revela em toda a multiplicidade do diverso uma unidade fundamental, a mais coerente das unidades, a unidade da máxima simplicidade, a unidade que é única, e é ela mesma. Em tudo o que captamos, nele captamos o ser, a sistência que é o fundo de tudo.
E tudo quanto possui o ser, em qualquer sentido e em qualquer grau é uma entidade (entitas). E toda entidade, como o mostra Duns Scot, é inteligível, porque o ser é plenamente inteligível. E o é porque o que primeiramente é captado na realidade, a primeira noção que concebe o nosso intelecto, é o ser, pois todo conhecimento é um conhecimento do ser diversamente modificado, como o expõe o Doctor Subtilis.
Insertos no ser, todo o nosso espírito funciona na afirmação, porque até quando negamos, procedemos apenas uma recusa, que é ainda um ato, portanto afirmação.