A AGUA
A água, por tomar as formas do que a contém, é o símbolo da matéria prima, que é, pela forma, heterogeneizada.
A mobilidade da água, as ondulações que ela apresenta em sua superfície, a vida vária que surge no fundo dos mares, a água refrescante e fertilizante que cai dos céus durante a chuva, o estado líquido para que tendem as coisas em certos instantes, tudo isto fornece um conjunto dos esquemas, que permitiu ao homem ver, nela, algo sagrado, porque ela envolve os continentes e o mundo, e surge como um ponto de partida para todas as coisas.
Para os egípcios antigos, a água era o símbolo das vibrações que constituem o universo, pois todas as coisas, afinal, eram conjuntos vibratórios para eles.
Todos os povos, em todas as épocas, adoraram a água pela significação que ela oferece.
Não foi a água adorada apenas naqueles países que ela era escassa. A água, por entre a variância da sua significabilidade, foi sempre objeto de culto em todos os povos. Há água-da-vida, água-da-fecundidade, água que faz crescer, que vivifica os campos, água líquida das fontes emergidas da terra, das montanhas, água santa, na qual repousava Derreter, a água dos rios sagrados da índia, águas bentas, abençoadas, consagradas, águas miraculosas, a água de Juvência, a água da juventude, a água da purificação, a do sacramento das grandes religiões, (batismo), a água que preserva e conjura as forças do mal, a doença; água santificante, que faz renascer o homem novo, água do quarto Evangelho, água feminina e mãe, símbolo gerador e regenerador, água do caos de onde surge o mundo, água que cerca o ser humano na sua gestação, etc.
Conta-nos Van Der Leeuw que um negro do Surinam dizia ao interlocutor: “O homem não pode viver sem água.” E respondeu-lhe o outro : “Nem sem fogo.” E o primeiro retrucou : “Não, senhor; não se pode comparar o fogo à água, porque o homem pode fazer o fogo não pode fazer a água; só Deus o pode. A água é indispensável a tudo quanto vive : homem, animal, planta. Mas só o homem não pode viver sem o fogo.”
A lenda do dilúvio, que encontramos entre os povos dos cinco continentes, é a água dos céus e da terra que vinga, purifica e renova a humanidade, e é o símbolo do retorno à matéria prima, das coisas que perecem como ponto de partida às coisas que se geram. O símbolo da água está sempre ligado ao símbolo da geração e da corrupção das coisas, embora não se limite apenas a esta significação.
A grande heterogeneidade da significação das coisas que apontam as perfeições do ser, é que emprestaram ao nosso mundo, ao mundo do homem, um valor que ultrapassa o campo da mera intuição – sensível, abrindo-lhe o caminho místico das conexões mais profundas entre a criatura e o criador, entre o ser finito e o ser infinito.
As coisas não estão perdidas, porque há sempre o fio de Ariadna que dela nos pode levar ao mais longínquo.
A simbólica é um itinerário pelos caminhos ocultos, e podemos afirmar, sem temor de exageros, que a grandeza do homem está na sua capacidade de percorrer esse caminho e de não permanecer atônito ante a mera prisão dos sentidos, que não lhe deixam ver nem sentir senão a mera aparência, o mero fenômeno, que não é a única linguagem das coisas. Há uma voz que vem de mais longe, uma voz que as coisas falam e só o homem, quando ultrapassa a animalidade e alcança a plenitude humana, pode ouvir e entender. Há assim duas realidades, aquela que é dada aos homens e aos animais, e aquela que é dada aos homens, mas que nem todos os ouvidos são capazes de ouvir.