Sache des Denkens

Mostrando que a problemática filosófica chegou ao fim enquanto problemática metafísica, Heidegger deve conceber uma nova problemática, no bojo da expressão “questão do pensamento”. Esta nova problemática deverá ser compreendida sob dois ângulos fundamentais: o ponto de vista genético e o ponto de vista sistemático.

(85) Formulamos as duas perguntas essenciais que deveriam enfrentar a determinação da gênese da “questão do pensamento”:

a) Quais as condições de possibilidade do surgimento desta nova questão do pensamento no fim da metafísica?

b) Como se instaura, como se constitui e como se desdobra todo o campo possível do correlato desta questão do pensamento?

Não nos deteremos nestas duas perguntas fundamentais. Elas são, no entanto, essenciais para apanhar o surto da nova problemática filosófica implícita “na questão do pensamento”.

A segunda perspectiva de abordagem da problemática filosófica, contida na questão do pensamento, chamamos aqui de sistemática. Esta consistiria no enfoque sistemático da problemática filosófica visada com a expressão “questão do pensamento”. Esta expressão anuncia uma radical reflexão autocrítica que a problemática filosófica deveria exercer. É nisto que se esconde o sentido polêmico da expressão “questão do pensamento”. Esta exprime uma postura que diretamente não quer ser algo, a saber, uma pacífica enumeração de problemas de Filosofia que não problematizam o horizonte donde surgem. Quando Heidegger fala em “questão do pensamento” não pressupõe a descoberta de um espólio esquecido do pensamento ocidental, uma totalidade previamente dada, mas somente agora descoberta. Seria, antes, uma totalidade relativamente à qual nosso trabalho se limitaria simplesmente a uma mudança de lentes ou eventualmente a uma mudança de posição. É precisamente em tais momentos que se constitui a questão do pensamento e a eventual problemática nela contida.

Já conseguimos aqui uma fecunda antevisão da ambiguidade essencial da expressão heideggeriana, aparentemente simples e quase ingênua: “questão do pensamento”. Temos aqui, com efeito, simultaneamente um genitivo objetivo e um genitivo subjetivo.

Para maior clareza, começamos por dissociar estas duas possibilidades, para, em seguida, rearticulá-las, mostrando como justamente na unidade de sua relação está o seu fundamento e o seu único sentido viável.

(86) a) Enquanto genitivo objetivo, a “questão do pensamento” focaliza o pensamento como correlato de um espectador. No caso-limite a problemática contida na expressão poderia significar a pura objetividade.

b) Enquanto genitivo subjetivo aquela expressão faz emergir um pensamento que se autoquestiona. Crispando este sentido do genitivo e cortando-o do primeiro, teríamos uma queda na subjetividade.

O que importa para o filósofo é manter articulados entre si estes dois genitivos ocultos na expressão “questão do pensamento”. Teremos então, no fim da Filosofia da metafísica, nem apenas um novo questionamento do que é pensamento, nem apenas um novo voltar-se do pensamento sobre si mesmo para se autoquestionar. Resta, em síntese, a unidade de uma questão que se pensa e de um pensamento que se questiona. Não teremos apenas uma questão do pensamento simplesmente dada, mas também, e talvez sobretudo, uma questão do pensamento, em que este desempenha uma função essencialmente ativa na constituição da questão, isto é, o pensamento nos questiona.

É na unidade dialogal, no íntimo espaço entre os dois mencionados sentidos do genitivo, que se deve buscar a determinação das relações entre questão e pensamento. Nem o pensamento é puro constituído, nem a questão é pura constituição. Nem o pensamento permanece exterior à questão, nem a questão permanece exterior ao pensamento.

Os nomes a que Heidegger recorre para designar esta unidade dialogal, este íntimo espaço, são sobretudo aproximações, mas talvez com a palavra Ereignis, enquanto tradução por acontecimento-apropriação, o filósofo mais se avizinhe do elemento nodal que se esconde na expressão “questão do pensamento”. A ambiguidade essencial que perpassa todos os nomes fundamentais com que Heidegger procura dizer a “questão do pensamento” está escondida e concentrada no nome aletheia lido filológico-filosoficamente.

Se em Marx o fim da Filosofia se anunciou como supressão, e em Wittgenstein como desaparecimento, em Heidegger o fim da Filosofia é “última possibilidade” que, enfrentada, torna-se a “primeira possibilidade” a partir da qual se refaz toda a “questão do pensamento”.

(87) Uma vez recuperada a metafísica pelo pensamento da diferença, aparece a questão do pensamento que consiste em preservar o ser da entificação, colocando-o a partir da compreensão do ser e como história do ser. (ErStein2008:84-87)


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