QUEM SERÁ ADMITIDO NA UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA?

COVID-19 E O FIM DA VIDA: QUEM SERÁ ADMITIDO NA UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA?

Artigo muito bem escrito dentro de um ponto de vista puramente técnico, embora os autores afirmem, logo após a contextualização do tema: “A decisão acerca de qual paciente deverá ser admitido na UTI deverá se pautar em duas dimensões principais – técnica e ética – dado seu pertencimento ao âmbito do cuidado à saúde”. Entretanto, ao longo de todo artigo, há o esquecimento e abandono da imprescindível contemplação da ética, que mesmo assim mantém sua presença permanente e oculta sob o tratamento técnico da questão, na medida que a centralidade da ética a tudo que é humano é conforme à originária noção grega do êthos, “morada do ser humano”. O aparente abandono de sua consideração, pelo artigo, é até compreensível pois a ética não se encontra no mesmo plano dimensional que a técnica, sendo a ética o centro da própria esfera que abarca um infinidade de planos entre os quais este plano de dimensões técnica e científica. A ética jamais poderia ser uma dimensão compondo eixos geométricos em um mesmo plano ou âmbito da questão ocupação de leito de UTI, embora constitua a esfera que abriga a extrema relevância do tema “cuidado à saúde”. A ética pode ser figurada como um espaço de n-dimensões, capaz de abarcar a totalidade do tema “cuidado à saúde”. É neste espaço multidimensional da ética que é possível se configurar o plano das dimensões técnica e científica, da questão decisória de ocupação de leitos de UTI, como um enquadramento reduzido do tema ético “cuidado à saúde”.

Os autores até reconhecem logo em seguida, de certo modo, o destaque absoluto da ética: “De fato, todas as decisões tomadas por profissionais de saúde são matizadas por valores – ou seja, são também escolhas morais –, mesmo que isso não seja imediatamente perceptível. O trabalho em saúde pertence à esfera do cuidado ao outro, o que o coloca no âmbito da práxis – e da ética –, por mais que a biotecnociência interponha mediações técnicas ao saber-fazer do profissional, na expectativa de minimizar as incertezas e a impermanência das “verdades”, aspecto particularmente relevante no contexto da pandemia de COVID-19.”

Todavia, a partir deste ponto, em compromisso com seu título, o artigo elabora uma proposta de orientação quanto a “quem será admitido na unidade de terapia intensiva”. E o faz com a maior competência e rigor de um pensar calculativo, capaz de estabelecer critérios de classificação e decisão que deem subsídio a este processo decisório. Chega até no ápice calculista de seu equacionamento da questão, a propor um “fluxograma”, nos moldes daqueles tão utilizados em programação de computador. Um passo desnecessário no afã de orientar, que aproxima os profissionais de saúde enquanto decididores da ocupação de leitos de UTI, à condição de executores de um fluxograma, apto a ser apropriado pelos avanços tecnológicos em “inteligência artificial”. O perigo do abandono da ética, do êthos, pela tecnicização do humano, pela interiorização da técnica ao humano, por sua “programação absoluta”, está no distanciamento da centralidade da morada do ser humano até o limite da esfera do humano, que ao ser ultrapassado corremos o risco de perdermos a humanidade.