presença
Já a partir da referência à modificação possível do ser do à mão em um algo afastado da mão, nós podemos deduzir que manualidade (Zuhandenheit) e perda da manualidade são modulações determinadas de um fenômeno fundamental, que caracterizamos formalmente com os termos presentidade (Anwesenheit) e ausência (Abwesenheit) e, em geral, como presença (Praesenz). Se a manualidade ou o ser deste ente possuem um sentido presencial, então está sendo dito com isso o seguinte: este modo de ser é compreendido temporalmente, isto é, a partir da temporalização da temporalidade (Zeitigung der Zeitlichkeit) no sentido da unidade ekstático-horizontal caracterizada. Na dimensão da interpretação do ser a partir do tempo e para todas as determinações temporais, usamos agora intencionalmente expressões latinas, a fim de diferenciá-las já terminologicamente das determinações temporais da temporalidade no sentido até aqui caracterizado. O que significa presença (Praesenz) com vistas ao tempo e à temporalidade em geral? Se quiséssemos responder: ela é o momento do presente, então não se estaria dizendo nada com isso. Resta a questão de saber por que não dizemos ao invés de presença (Praesenz) presente (Gegenwart). Não obstante, se utilizamos o termo, este novo uso precisa corresponder a um novo significado. Os dois fenômenos não significam, caso a denominação diversa deva ser justificada, o mesmo. Mas será que a presença é idêntica ao fenômeno do presente, com o qual tomamos contato anteriormente com o agora, o nyn, pelo qual a interpretação vulgar do tempo se orienta, quando ela diz: o tempo é uma série de agoras não reversível? Mas presença (Praesenz) e agora (Jetzt) também não são idênticos. Pois o agora é um caráter da intratemporalidade (Innerzeitigkeit), do à mão e do ente presente à vista, enquanto a presença deve constituir a condição de possibilidade (Bedingung der Möglichkeit) do compreender do à mão enquanto tal. Todo à mão é, em verdade, “no tempo”, intratemporal (innerzeitig); podemos dizer dele: o à mão “é agora”, “foi outrora” ou “estará em seguida” disponível. Quando determinamos o à mão como intratemporal, já pressupomos que compreendemos o à mão como à mão, isto é, esse ente sob o modo de ser da manualidade. Esse compreender prévio (vorgängige Verstehen) da manualidade do à mão deve se tornar possível precisamente pela presença. Por isso, o agora como uma determinação do tempo enquanto intratemporalidade não pode assumir a interpretação temporal do ser do ente, aqui da manualidade. Na determinação-agora (Jetzt-Bestimmung), em toda determinação vulgar do tempo do à mão, faz-se uso, se é que esse ente à mão já é compreendido, do tempo em um sentido originário. Com isso, diz-se que a caracterização vulgar do ser do ente a partir do fio condutor do tempo – temporal, atemporal, supratemporal – é caduca. Não se trata de nenhuma determinação ontológica, mas de uma interpretação ôntica, na qual o próprio tempo é tomado como um ente.
Presença é um fenômeno mais originário (ursprünglicheres Phänomen) do que o agora. Mais originário do que o agora é o instante (Augenblick), e, em verdade, porque ele é um modo de pre-sente (Gegen-wart), um modo da presentificação (Gegenwärtigen) de algo, que pode se exprimir com o dizer-agora. Assim, retornamos ao presente, e a questão surge uma vez mais: A presença (Praesenz) é, afinal, idêntica ao presente (Gegenwart)? De maneira alguma. Caracterizamos o presente, a presentificação de… como uma das ekstases da temporalidade… Já o nome “presença” indica que não temos em vista nenhum fenômeno ekstático como o que temos em mente com o presente e o futuro; em todo caso, não o fenômeno ekstático da temporalidade com vistas à sua estrutura ekstática. Não obstante, subsiste um nexo entre presente e presença, que não é casual. Nós apontamos para o fato de que as ekstases da temporalidade não são simplesmente deslocamentos para…, de tal modo que a direção do deslocamento se encaminharia por assim dizer para o nada ou seria ainda indeterminada. Ao contrário, pertence a toda e qualquer ekstase (Ekstase) enquanto tal um horizonte determinado por ela que consuma pela primeira vez a sua própria estrutura. O presentificar, seja ele próprio no sentido do instante ou impróprio, projeta aquilo que ele presentifica, aquilo que possivelmente pode vir ao encontro em e para um presente, para algo assim como a presença. A ekstase do presente é enquanto tal a condição de possibilidade de um “para além de” determinado, da transcendência, ela é o projeto com vistas à presença. Como a condição de possibilidade do “para além de”, ela tem em si mesma um prelineamento esquemático daquilo para além do que se da esse “para além de”. Aquilo que reside para além da ekstase enquanto tal com base em seu caráter de deslocamento e que se encontra para além dela como por ela determinado, dito de maneira mais exata, aquilo que determina em geral o para onde do “para além de” enquanto tal, é a presença enquanto horizonte. O presente projeta-se em si mesmo ekstaticamente para a presença. A presença não é idêntica ao presente, mas, como determinação fundamental do esquema horizontal dessa ekstase, ele constitui concomitantemente a estrutura temporal plena do presente. Algo análogo é válido para as duas outras ekstases, futuro (Zukunft) e ter sido (Gewesenheit) (repetição, esquecimento, retenção). (GA24:433-435; tr. Casanova:GA24MAC:443-445)