Merleau-Ponty (1945/2006:182-183) – sedimentação

Ribeiro de Moura

(…) O sujeito kantiano põe um mundo, mas, para poder afirmar uma verdade, o sujeito efetivo precisa primeiramente ter um mundo ou ser no mundo, quer dizer, manter em torno de si um (182) sistema de significações cujas correspondências, relações e participações não precisem ser explicitadas para ser utilizadas. Quando me desloco em minha casa, sei imediatamente e sem nenhum discurso que caminhar para o banheiro significa passar perto do quarto, que olhar a janela significa ter a lareira à minha esquerda, e, nesse pequeno mundo, cada gesto, cada percepção situa-se imediatamente em relação a mil coordenadas virtuais. Quando converso com um amigo que conheço bem, cada uma de suas expressões e cada uma das minhas incluem, além daquilo que elas significam para todo o mundo, uma multidão de referências às principais dimensões de seu caráter e do meu, sem que precisemos evocar nossas conversações precedentes. Esses mundos adquiridos, que dão à minha experiência o seu sentido segundo, são eles mesmos recortados em um mundo primordial que funda seu sentido primeiro. Da mesma maneira, há um “mundo dos pensamentos”, quer dizer, uma sedimentação de nossas operações mentais, que nos permite contar com nossos conceitos e com nossos juízos adquiridos como com coisas que estão ali e se dão globalmente, sem que precisemos a cada momento refazer sua síntese. É assim que pode haver para nós uma espécie de panorama mental, com suas regiões demarcadas e suas regiões confusas, uma fisionomia das questões e das situações intelectuais como a investigação, a descoberta, a certeza. Mas a palavra “sedimentação” não nos deve enganar: este saber contraído não é uma massa inerte no fundo de nossa consciência. Meu apartamento não é para mim uma série de imagens fortemente associadas, ele só permanece como domínio familiar em torno de mim se ainda tenho suas distâncias e suas direções “nas mãos” ou “nas pernas”, e se uma multidão de fios intencionais parte de meu corpo em direção a ele. Da mesma forma, meus pensamentos adquiridos não são uma aquisição absoluta; a cada momento eles se alimentam de meu pensamento presente, eles me oferecem um sentido, mas eu (183) ο restituo a eles. De fato, nosso adquirido disponível exprime a cada momento a energia de nossa consciência presente. Ora ela se enfraquece, como na fadiga, e então meu “mundo” de pensamentos se empobrece e até mesmo se reduz a uma ou duas ideias obsedantes; ora, ao contrário, dedico-me a todos os meus pensamentos, e cada frase que dizem diante de mim faz então germinar questões, ideias, reagrupa e reorganiza o panorama mental e se apresenta com uma fisionomia precisa. Assim, o adquirido só está verdadeiramente adquirido se é retomado em um novo movimento de pensamento, e um pensamento só está situado se ele mesmo assume sua situação. A essência da consciência é dar-se um mundo ou mundos, quer dizer, fazer existir diante dela mesma os seus próprios pensamentos enquanto coisas, e ela prova indivisivelmente seu vigor desenhando essas paisagens e abandonando-as. A estrutura mundo, com seu duplo momento de sedimentação e de espontaneidade, está no centro da consciência, e é como um nivelamento do mundo que poderemos compreender ao mesmo tempo os distúrbios intelectuais, os distúrbios perceptivos e os distúrbios motores de Schn. (o doente Schneider), sem reduzir uns aos outros.

Original

(…) Le sujet kantien pose un monde, mais, pour pouvoir affirmer une vérité, le sujet effectif doit d’abord avoir un monde ou être au monde, c’est-à-dire porter autour de soi un système de significations dont les correspondances, les relations, les participations n’aient pas besoin d’être explicitées pour être utilisées. Quand je me déplace dans ma maison, je sais d’emblée et sans aucun discours que marcher vers la salle de bains signifie passer près de la chambre, que regarder la fenêtre signifie avoir la cheminée à ma gauche, et dans ce petit monde chaque geste, chaque perception se situe immédiatement par rapport à mille coordonnées virtuelles. Quand je cause avec un ami que je connais bien, chacun de ses propos et chacun des miens renferme, outre ce qu’il signifie pour tout le monde, une multitude de références aux dimensions principales de son caractère et du mien, sans que nous ayons besoin d’évoquer nos conversations précédentes. Ces mondes acquis, qui donnent à mon expérience son sens second, sont eux-mêmes découpés dans un monde primordial, qui en fonde le sens premier. Il y a de la même manière un « monde des pensées », c’est-à-dire une sédimentation de nos opérations mentales, qui nous permet de compter sur nos concepts et sur nos jugements acquis comme sur des choses qui sont là et se donnent globalement, sans que nous ayons besoin à chaque moment d’en refaire la synthèse. C’est ainsi qu’il peut y avoir pour nous une sorte de panorama mental, avec ses régions accentuées et ses régions confuses, une physionomie des questions, et des situations intellectuelles comme la recherche, la découverte, la certitude. Mais le mot de « sédimentation » ne doit pas nous tromper : ce savoir contracté n’est pas une masse inerte au fond de notre conscience. Mon appartement n’est pas pour moi une série d’images fortement associées, il ne demeure autour de moi comme domaine familier que si j’en ai encore « dans les mains » ou « dans les jambes » les distances et les directions principales et si de mon corps partent vers lui une multitude de fils intentionnels. De même mes pensées acquises ne sont pas un acquis absolu, elles se nourrissent à chaque moment de ma pensée présente, elles m’offrent un sens, mais je le leur rends. En fait notre acquis disponible exprime à chaque moment l’énergie de notre conscience présente. Tantôt elle s’affaiblit, comme dans la fatigue, et alors mon « monde » de pensée s’appauvrit et se réduit même à une ou deux idées obsédantes ; tantôt au contraire je suis à toutes mes pensées, et chaque parole que l’on dit devant moi fait alors germer des questions, des idées, regroupe et réorganise le panorama mental et s’offre avec une physionomie précise. Ainsi l’acquis n’est vraiment acquis que s’il est repris dans un nouveau mouvement de pensée et une pensée n’est située que si elle assume elle-même sa situation. L’essence de la conscience est de se donner un ou des mondes, c’est-à-dire de faire être devant elle-même ses propres pensées comme des choses, et elle prouve sa vigueur indivisiblement en se dessinant ces paysages et en les quittant. La structure monde, avec son double moment de sédimentation et de spontanéité, est au centre de la conscience, et c’est comme un nivellement du « monde » que nous allons pouvoir comprendre à la fois les troubles intellectuels, les troubles perceptifs et les troubles moteurs de Schn., sans réduire les uns aux autres.