Cognição
Só um «mim mesmo – eu» pode falar. Um animal selvagem não fala; não tem escolha. Não pode considerar sua comunicação e dizer para si mesmo, “não farei isto agora”. Deve falar, ou não pode. Um pássaro tem que dar seu grito de aviso, seu “sinal”. Portanto seu grito não é uma real comunicação, mas um reflexo, comparável a uma sequência mecânica. Com sua vértebra horizontal estendendo dentro de sua cabeça, mesmo se sua cabeça está em outro nível como é o caso na girafa, o animal “inclina-se” à atividade da terra. Não se levantou verticalmente.
No entanto nenhum ser humano estaria em pé pela natureza também. Seu levantar-se a si mesmo para a posição vertical lhe dá o mundo. Ele se firma nisto, não se deita nisto. Portanto remove-se a si mesmo disto. A palavra é ao mesmo tempo uma ponte e uma divisão, uma espada de dois gumes. Só o homem tem expressões para alegria e sofrimento. O animal é alegria ou sofrimento, é o mundo.
Para o homem, tudo — o mundo, coisas, seu próprio corpo, a vida a morte, assim como a palavra que fala — tem significado. Mas o animal é tudo isto.
O homem, por conseguinte, tem algo a comunicar. Ele comunica, compartilha o que cognosceu — mesmo quando mente — e o que cognosceu, o que é comunicável, é o mundo.
O mundo consiste inteiramente de palavras, de comunicabilidade. Mesmo o indizível se torna comunicável. O mundo é um mundo falante, transparente. Fala: céu azul, nuvem, cedro, sapo, poço, chuva. Mas fala isto em muitas línguas. Qual então é a palavra real, por ex. para céu? Himmel, cielo, njebo? Se quero me fazer compreendido por um japonês e não sabemos nenhuma língua comum, aponto para o céu, dizendo “céu”, e pergunto a ele com um gesto como “isto” é chamado em sua língua. Ele me compreende e fala sua palavra. O que ele compreende, o que temos em comum? Aponto para isso, o céu, e ele compreende esse isto que é o céu — não o ar, não o azul, etc. Compreendemos um ao outro sem palavras: ele apreende o que eu apontava e isto que já era palavra, além de qualquer língua particular. Ele apreendeu a palavra real, pura compreensão, da qual todo sinal, toda palavra falada, é somente uma indicação. Tal compreensão sem palavras torna possível a tradução. Faz uma coisa uma coisa. Esta palavra sem palavra não é um “nome” exterior associado a uma coisa, é a coisa. Alguém que não tem o conceito “livro” verá talvez somente papel. É a palavra, i.e. o conceito, a função, que torna algo em uma coisa. As palavras, como representativas terrestres da Palavra, não significam uma coisa, que existiria até sem seu conceito, mas a coisa advém através da palavra. Primeiro a ideia da faca, então a faca, mesmo quando é vista; vejo a faca pela primeira vez quando sua ideia alvorece em mim.
Mas não há somente conceitos de coisas perceptíveis, “palavras de percepção”. As seguintes não designam percepções obtidas através dos órgãos de sentido, mas são “palavras de relacionamento”, como por exemplo: é — ser — como, porque, então também, outrossim, de novo, bastante, forte, etc. “Não há nada no intelecto que não tenha estado primeiro nos sentidos”.
Nenhuma simples palavra, nenhum conceito nesta sentença corresponde a seu conteúdo posto que nenhum deles origina em uma percepção sensorial.
Palavras de relacionamento dão a estrutura real, o alicerce, de nosso mundo; e este alicerce é então preenchido com nossos conceitos das coisas perceptíveis. Referem-se a coisas ou fenômenos que ganham sua existência — sendo assim, sendo aquilo — através da palavra, do conceito. O discurso terrestre não é simplesmente dado ao homem em seu nascimento físico. Através de seu segundo nascimento — o nascimento da alma — o homem obtém a habilidade de falar sob a influência do meio humano. Sem os seres humanos ao seu redor, não ficaria de pé. Sem sua postura de pé, suas mãos teriam que carregar seu corpo; não estariam livres para a expressão da alma, que nasce em se expressando a si mesma. Apontar, indicar, apreender e querer apreender são a primeira aparição do discurso e são, ao mesmo tempo, todo o discurso. Quem quer que seja capaz de apontar algo, fala, e tem tudo que é necessário para falar: Eu, Tu, Isso (Eu-Tu): Cognição.