Kierkegaard (P) – ousar decidir

nossa tradução

Pode haver algo na vida que tenha poder sobre nós que pouco a pouco nos cause esquecer tudo que era bom? E pode isto jamais acontecer para alguém que ouviu a chamada da eternidade bem clara e fortemente?

Se isto jamais pode ser, então deve-se buscar uma cura contra isto. Louvado seja Deus que tal cura exista — ”calmamente tomar uma decisão”. Uma decisão nos junta ao eterno. Traz o que é eterno para dentro do tempo. Uma decisão nos eleva, com um choque, do torpor da monotonia. Uma decisão quebra o encantamento mágico do costume. Uma decisão quebra a longa fila de pensamentos cansativos. Uma decisão pronuncia sua benção mesmo sobre o mais fraco início, enquanto é um início real. Decisão é o despertar do eterno.

Se poderia dizer que tudo isto é muito simples. É somente uma questão de momento, tomar uma decisão e tudo está bem. Ouse como um nadador corajoso mergulhar no mar, e ouse acreditar que o peso do nadador irá para a meta contra todas as correntes oponentes.

No entanto, nossa abordagem deve começar diferentemente disto. Primeiro, devemos rejeitar a teia de ilusão do diabo. Tomar decisões é frequentemente perigoso, ou melhor, falar sobre elas é. Antes de aprender a caminhar deves aprender a engatinhar de quatro; tentar voar, logo em seguida a caminhar, é uma armação perigosa. Certamente devem haver grandes decisões, mas mesmo em conexão com elas a coisa importante é ir adiante com tua decisão. Não voar tão alto com tuas decisões que esqueças que uma decisão é somente um começo.

Quão desgraçado e miserável é achar em uma pessoa muito boas intenções mas poucas bons feitos. E há outros perigos também, perigos do pecado. Com todas tuas boas intenções, não deves esquecer teu dever, nem deveria esquecer de fazê-lo com alegria. E lute por portar tuas cargas e responsabilidades de uma maneira submissa. Se não, há um perigo de perder sua capacidade de decisão; de ir através da vida sem coragem e extinguindo-se na morte.

Então, o que se tem sobre a decisão, que antes de mais nada era tão bem intencionada? Um caminho bem iniciado é uma batalha já meia vencida. A coisa importante é ter um começo e prosseguir. Nada há mais maléfico para tua alma do que se preservar e não se mover.

O caminho de uma lutador honesto é difícil. E quando o lutador se enfraquece, no crepúsculo de sua vida, isto ainda não é desculpa para se aposentar em jogos e distrações. Quem permaneça fiel a sua decisão, se dará conta que toda sua vida é uma luta. Tal pessoa não cai na tentação de orgulhosamente contar aos outros o que fez com sua vida. Nem falará sobre as «grandes decisões» que tomou. Ele sabe muito bem que em momentos decisivos tem de renovar sua resolução de novo e de novo e que apenas isto é bem tomar a decisão e faz a decisão boa.

No final, o arque inimigo da decisão é a covardia. A covardia está constantemente em ação tentando quebrar o bom acordo da decisão com a eternidade. Quando o ministro prega um sermão contra o orgulho, ele tem muitos ouvintes. Mas se quer avisar seus ouvintes contra a covardia, as coisas parecem muito diferente. Seus ouvintes olham a volta para ver se há tal miserável entre eles. Uma alma covarde — além do mais, isto é a coisa mais miserável que se pode imaginar, isto é algo que não se pode simplesmente suportar. Podemos aguentar aquele que está corrompido ou decadente de uma maneira ou outra, mesmo se ele é orgulhoso, mas somente se ele não é um covarde.

E no entanto a separação da covardia e do orgulho é algo falso, pois estes dois são realmente um e o mesmo. A pessoa orgulhosa sempre quer fazer a coisa certa, a grande coisa. Mas porque ele quer fazê-la com sua própria força, ele está lutando não com o homem, mas com Deus. Ele quer ter uma grande tarefa estabelecida diante dele mesmo e levá-la a cabo de seu próprio acordo. E assim ele está muito satisfeito com seu lugar. Muitos tomaram o primeiro salto de orgulho na vida, muitos aí param. Mas o próximo salto é diferente.

Como? A pessoa orgulhosa, ironicamente, começa olhando a volta por pessoas de mesma mentalidade que querem se bastar a si mesmas em seu orgulho. Isto é porque qualquer um que fique só por qualquer tempo logo descobre que não há um Deus. Tal realização é algo que ninguém pode suportar. E assim se torna covarde. Certamente, covardia nunca se mostra como tal. Não faz grande alarido. Não, é bastante oculta e quieta. E no entanto junta todas as outras paixões a ela, porque a covardia é bastante confortável e aberta à associação com outras paixões. Ela sabe muito bem como fazer amizade com elas.

A covardia acomoda-se profundamente em nossas almas como névoa ociosa sobre águas estagnadas. Dela elevam vapores não saudáveis e fantasmas enganadores. A coisa que a covardia mais teme é a decisão; pois a decisão sempre dissipa a névoa, pelo menos por um momento. A covardia assim encobre o pensamento que gosta mais entre todos: a muleta do tempo. A covardia e o tempo sempre encontram uma razão para não se apressar, para dizer: «Não hoje, mas amanhã», enquanto Deus no céu e o eterno dizem: «Faça-o hoje. Agora é o dia da salvação». O eterno refrão da decisão é: «Hoje, hoje». Mas a covardia retém, detém-nos. Se somente a covardia aparecesse em toda sua baixeza, se poderia reconhecê-la pelo que é e enfrentá-la imediatamente.

A covardia quer prevenir o passo de tomar uma decisão. Para conseguir isto toma para si uma variedade de nomes gloriosos. Em nome da precaução a covardia abomina qualquer excesso de precipitação. É contra fazer algo antes que o tempo esteja maduro. Além do mais, «Não é melhor falar de um empreendimento contínuo, que é de longe o ato superior, ao invés de uma decisão súbita?» Ah, nenhuma decisão, mas luta contínua, empreendimento contínuo; que expressão gloriosa. Que ilusão gloriosa!

Enquanto a decisão nos lembra do fim a vir, a covardia, nos afasta da finalidade. Por conseguinte, covardia é adaptável e se orgulha em ser capaz de ir ao encontro de várias opiniões de maneiras diferentes. Se, por exemplo, a ideia de alguém é excelente, então a covardia argumentará: «Bem, tal pessoa está tão bem preparada, então porque se apressar? Por que se limitar tanto?» Que orgulho! E a coisa dela é que para tal pessoa não é que a tarefa seja tão fácil mas que é muito difícil.

Ora considere a pessoa cujas vantagens são poucas. A covardia está pronta a cantar uma nova canção: «O que tens é muitíssimo pouco para um bom começo». Isto, certamente, é particularmente estúpido. Se sempre precisamos mais para começar nunca começaremos. Mas «Deus não nos dá o espírito de covardia, mas o espírito de poder, e de amor e de auto-controle» (1Tim 1,7). A covardia não vem de Deus. Aquele que quer construir uma torre senta-se e faz uma estimativa de quão alto pode construí-la. Mas se nenhuma decisão é jamais tomada então nenhuma torre é jamais construída. Uma boa decisão é nossa vontade de fazer tudo que podemos dentro de nosso poder. Significa servir Deus com tudo que temos, seja pouco ou muito. Toda pessoa pode fazer isso.

No final, o fracasso em decidir previne de fazer o que é bom. Nos impede de fazer esta grande coisa para qual cada um de nós está destinado pela virtude do eterno. Isto não significa que tudo está decidido uma vez uma decisão tenha sido tomada, nem significa que somente em grandes decisões se é elevado a um plano mais alto — um lugar onde agora não mais se necessite incomodar com coisas pequenas, coisinhas. Tal pensamento leva a nada mais que um belo espetáculo.

Não devemos suportar coisas altas e importantes enquanto ignorando o estofo diário, prático, da vida. De fato, a decisão é algo verdadeiramente grande; a vida da eternidade brilha sobre a decisão. Mas a luz da etenidade não brilha em toda decisão. A decisão pode ser uma vez por todas; mas a decisão ela mesma é somente a primeira coisa. A decisão genuína está sempre desejosa de trocar suas vestes e descer a questões práticas. A significância real da decisão é que nos dá uma conexão interior. A decisão nos leva a nosso caminho, e aqui não há mais coisinhas. A decisão estabelece sua mão demandante sobre nós desde o início até o fim. A covardia, por outro lado, quer somente se ocupar com o realmente importante, as grandes coisas, não a fim de conduzir algo de todo coração mas para ser elogiada por fazer algo que é nobre e grande. No entanto oculta atrás do exaltado nada se encontra senão uma escusa por não conquistar todas as coisas pequenas que se omitiu, simplesmente porque eram pequenas.

Portanto, não seja enganado. Pode muito bem ser que com as grandes decisões outros se maravilharão contigo. Ao mesmo tempo, perdes a única coisa que é necessária. Podes ser honrado nesta vida, lembrado pelos monumentos estabelecidos em tua honra, mas Deus dirá para ti: «Tu infeliz. Porque escolheste o melhor caminho? Confesse tua fraqueza e enfrente-a».

Talvez justamente nesta fraqueza Deus te encontrará e virá em tua ajuda. Isto é certo: a maior coisa que cada pessoa pode fazer é dar a si mesma a Deus, completamente e incondicionalmente — fraquezas, medos e tudo. Pois Deus ama a obediência mais que as boas intenções ou oferecimentos secundários, que frequentemente são feitos sob o disfarce de fraquezas.

Portanto, ouse renovar tua decisão. Te elevará de novo a ter confiança em Deus. Pois Deus é um espírito de poder e amor e auto-controle, e é diante de Deus e para ele que toda decisão é tomada. Ouse agir pelo bem que jaz enterrado dentro de teu coração. Confesse tua decisão e não ande envergonhado com olhos abatidos como se tivesses trilhando terreno proibido. Se estás envergonhado de tuas próprias imperfeições, então abaixe teus olhos diante de Deus, não do homem. Melhor ainda, em fraqueza decida e vá em frente!

Versão em inglês

Can there be something in life that has power over us which little by little causes us to forget all that is good? And can this ever happen to anyone who has heard the call of eternity quite clearly and strongly?

If this can ever be, then one must look for a cure against it. Praise be to God that such a cure exists – to quietly make a decision. A decision joins us to the eternal. It brings what is eternal into time. A decision raises us with a shock from the slumber of monotony. A decision breaks the magic spell of custom. A decision breaks the long row of weary thoughts. A decision pronounces its blessing upon even the weakest beginning, as long as it is a real beginning. Decision is the awakening to the eternal.

One could say that all this is very simple. It is just a matter of moments, make a decision and all is well. Dare like a bold swimmer to plunge into the sea, and dare to believe that the weight of the swimmer will go to the goal against all opposing currents.

Yet, our approach must begin differently from this. First, we must reject the devil’s web of deception. Making decisions is often dangerous, or rather, talking about them is. Before you learn to walk you have to crawl on all fours; to try to fly right before walking is a dangerous set-up. Certainly there must be great decisions, but even in connection with them the important thing is to get under way with your decision. Do not fly so high with your decisions that you forget that a decision is but a beginning.

How wretched and miserable it is to find in a person many good intentions but few good deeds. And there are other dangers too, dangers of sin. With all your good intentions, you must not forget your duty, neither should you forget to do it with joy. And strive to carry your burdens and responsibilities in a surrendered way. If you don’t, there is a danger of losing your decisiveness; of going through life without courage and fading away in death.

So what about the decision, which was after all meant so very well? A road well begun is the battle half won. The important thing is to make a beginning and get under way. There is nothing more harmful for your soul than to hold back and not get moving.

The path of an honest fighter is a difficult one. And when the fighter grows cool in the evening of his life this is still no excuse to retire into games and amusement. Whoever remains faithful to his decision will realize that his whole life is a struggle. Such a person does not fall into the temptation of proudly telling others of what he has done with his life. Nor will he talk about the “great decisions” he has made. He knows full well that at decisive moments you have to renew your resolve again and again and that this alone makes good the decision and the decision good.

In the end, the archenemy of decision is cowardice. Cowardice is constantly at work trying to break off the good agreement of decision with eternity. When the minister preaches a sermon against pride, he has many listeners. But if he wants to warn his listeners against cowardice, things look very different. His listeners look around to see if there is any such miserable fellow among them. A cowardly soul – after all, that is the most miserable thing one can imagine, that is something one simply can’t endure. We can put up with one who is spoiled or decadent in some way or another, even if he is proud, but only if he is not a coward.

And yet the separation of cowardice and pride is a false one, for these two are really one and the same. The proud person always wants to do the right thing, the great thing. But because he wants to do it in his own strength, he is fighting not with man but with God. He wants to have a great task set before himself and to carry it through on his own accord. And then he is very pleased with his place. Many have taken the first leap of pride into life, many stop there. But the next leap is different.

How? The proud person, ironically, begins looking around for people of like mind who want to be sufficient unto themselves in their pride. This is because anyone who stands alone for any length of time soon discovers that there is a God. Such a realization is something no one can endure. And so one becomes cowardly. Of course, cowardice never shows itself as such. It won’t make a great noise. No, it is quite hidden and quiet. And yet it joins all other passions to it, because cowardice is very comfortable and obliging in associating with other passions. It knows very well how to make friends with them.

Cowardice settles deep in our souls like the idle mists on stagnant waters. From it arise unhealthy vapors and deceiving phantoms. The thing that cowardice fears most is decision; for decision always scatters the mists, at least for a moment. Cowardice thus hides behind the thought it likes best of all: the crutch of time. Cowardice and time always find a reason for not hurrying, for saying, “Not today, but tomorrow”, whereas God in heaven and the eternal say: “Do it today. Now is the day of salvation.” The eternal refrain of decision is: “Today, today.” But cowardice holds back, holds us up. If only cowardice would appear in all its baseness, one could recognize it for what it is and fight it immediately.

Cowardice wants to prevent the step of making a decision. To accomplish this it takes to itself a host of glorious names. In the name of caution cowardice abhors any over-hastiness. It is against doing anything before the time is ripe. Besides, “Is it not best to speak of a continued endeavor, which is by far the superior act, rather than of a sudden decision?” Ah, not decision, but continual striving, continuous endeavor; what a glorious expression. What a glorious deception!

Whereas decision reminds us of the end to come, cowardice turns us away from finality. Hence, cowardice is adaptable and takes pride in being able to meet various opinions in different ways. If, for example, someone’s ideas are first-rate, then cowardice will argue: “Well if such a one as you is so well equipped, then why hurry? Why limit yourself so?” What pride! And the thing of it is that for such a person it is not that the task is too easy but that it is too difficult.

Or consider the person whose advantages are few. Cowardice is now quick to sing a different tune: “What you’ve got is far too little to make a good beginning.” This, of course, is particularly stupid. If we always need more to begin with we would never begin. But “God does not give us the spirit of cowardice, but the spirit of power, and of love and of self-control” (1 Tm. 1:7). Cowardice does not come from God. One who wants to build a tower sits down and makes an estimate as to how high he can build it. But if no decision is ever made then no tower is ever built. A good decision is our will to do everything we can within our power. It means to serve God with all we’ve got, be it little or much. Every person can do that.

In the end, failure to decide prevents one from doing what is good. It keeps us from doing that great thing to which each of us is bound by virtue of the eternal. This does not mean that everything is decided once a decision is made, nor does it mean that only in great decisions is one lifted to a higher plane – a place where one now no longer needs to bother about little things, petty things. Such thinking amounts to nothing more than a fine show.

We must not support high and important things while ignoring the practical, daily stuff of life. Indeed, decision is something truly great; the life of eternity shines over decision. But the light of eternity does not shine on every decision. Decision may be once and for all; but decision itself is only the first thing. Genuine decision is always eager to change its clothes and get down to practical matters. The real significance of decision is that it gives us an inner connection. Decision gets us on our way, and here there are no longer little things. Decision lays its demanding hand on us from start to finish. Cowardice, on the other hand, wants only to concern itself with the really important, big things, not in order to carry something out wholeheartedly but to be flattered by doing something that is noble and great. Yet hiding behind the exalted is nothing but an excuse for not conquering all the little things one has omitted, simply because they were little.

Therefore, don’t be fooled. It may well be that with great decisions others will marvel at you. All the same, you miss the one thing that is needful. You may be honored in this life, remembered by monuments set up in your honor, but God will say to you: “You unhappy person. Why did you not choose the better path? Confess your weakness and face it.”

Perhaps just in this weakness God will meet you and come to your aid. This much is certain: the greatest thing each person can do is to give himself to God utterly and unconditionally – weaknesses, fears, and all. For God loves obedience more than good intentions or second-best offerings, which are all too often made under the guise of weakness.

Therefore, dare to renew your decision. It will lift you up again to have trust in God. For God is a spirit of power and love and self-control, and it is before God and for him that every decision is to be made. Dare to act on the good that lies buried within your heart. Confess your decision and do not go ashamed with downcast eyes as if you were treading on forbidden ground. If you are ashamed of your own imperfections, then cast your eyes down before God, not man. Better yet, in weakness decide and go forth!