Kierkegaard (CA): o conceito de angústia

A angústia é uma qualificação do espírito que sonha, e pertence como tal à Psicologia. Na vigília está posta a diferença entre meu eu e meu outro 1; no sono, está suspensa, e no sonho ela é um nada insinuado. A realidade efetiva do espírito se apresenta sempre como uma figura que tenta sua possibilidade, mas se evade logo que se queira captá-la, e é um nada que só pode angustiar. Mais ela não pode, enquanto apenas se mostra. O conceito de angústia não é tratado quase nunca na Psicologia, e, portanto, tenho de chamar a atenção sobre sua total diferença em relação ao medo e outros conceitos semelhantes que se referem a algo determinado, enquanto que a angústia é a realidade da liberdade como possibilidade antes da possibilidade 2. Por isso não se encontrará angústia no animal, justamente porque este em sua naturalidade não está determinado como espírito.

Se quisermos considerar as determinações dialéticas da angústia, mostrar-se-á que esta justamente possui a ambiguidade psicológica. A angústia é uma antipatia simpática e uma simpatia antipática. Vê-se facilmente, penso eu, que esta é uma determinação psicológica num sentido inteiramente diferente daquela da concupiscentia. A linguagem usual o confirma inteiramente, pois dizemos: a doce angústia, a doce ansiedade, e dizemos: uma angústia estranha, uma angústia tímida, etc.

[KIERKEGAARD, Søren. [O conceito de angústia : uma simples reflexão psicológico-demonstrativa direcionada ao problema dogmático do pecado hereditário->http://93.174.95.29/main/825EE9A480E903A0682CF9983BD7CB4D]. Tr. Álvaro Luiz Montenegro Valls. Petrópolis: Vozes, 2017 (epub)]
  1. mellen mig selv og mit Andet : também se poderia traduzir como: “entre mim mesmo e meu outro” [N.T.].[]
  2. Angest er Frihedens Virkelighed som Mulighed for Muligheden. Outra tradução possível: A angústia é a realidade da liberdade enquanto possibilidade para a possibilidade [N.T.].[]