BERLIN, Isaiah. Concepts and Categories. Edited by Henry Hardy. Princeton: Princeton University Press, 2013, 217-218.
nossa tradução
O professor Oppenheim faz a distinção geralmente atribuída a Hume entre julgamentos descritivos e de valor e aponta para a existência de um abismo através do qual nenhuma ponte lógica pode ser lançada. Ele sustenta, se eu o entendo corretamente, que o predicado ‘racional’ pode legitimamente ser usado para descrever apenas julgamentos ou crenças sobre questões de fato ou relações lógicas – por exemplo, sobre fatos ou eventos, incluindo questões como se um determinado meio é adequado para o cumprimento de um determinado objetivo ou se uma determinada política é compatível com alguma outra política seguida pelo mesmo agente e similares. Mas o termo “racional” não pode, eu acho, ser aplicado aos fins; esses não são racionais nem irracionais, pois os valores não são o tipo de entidade à qual a concepção de racionalidade é aplicável.
Tenho muita simpatia por essa visão, que eu mesma costumava sustentar. Mas parece-me que podem ser produzidas instâncias negativas que falsificam a proposição de que essa diferença entre meios e fins é logicamente intransponível. Deixe-me sugerir um.
Suponha que eu encontre um homem que tem o hábito de alfinetar outras pessoas. Eu pergunto a ele por que ele faz isso. Ele diz que isso lhe dá prazer. Pergunto-lhe se é o fato de ele causar dor que lhe dá prazer. Ele responde que não se importa se causa dor ou não, pois o que lhe dá prazer é a sensação física de enfiar um alfinete no corpo humano. Pergunto se ele é consciente que suas ações causam dor. Ele diz que é. Pergunto se ele não sentiria dor se outros fizessem isso com ele. Ele concorda que sim. Pergunto se ele permitiria que isso acontecesse; ele diz que procuraria evitá-lo por todos os meios que ele pudesse comandar. Pergunto-lhe se ele não acha que os outros devem sentir dor quando ele alfineta eles, e se ele deve fazer com os outros o que ele tentaria impedir que fizessem com ele. Ele diz que não entende: alfinetes nele lhe causariam dor e ele deseja evitar isso; alfinetadas dele a outros não lhe causam dor, mas, pelo contrário, prazer, e, portanto, ele deseja continuar a fazê-lo. Pergunto-lhe se o fato de ele causar dor a outras pessoas não lhe parece relevante para a questão de saber se é desejável ou não alfinetar as pessoas. Ele diz que não enxerga para onde estou dirigindo a questão: que possível diferença entre dor causada aos outros, ou a ausência dela, pode trazer para o desejo de ter prazer da maneira que ele procura? Pergunto o que é que lhe dá prazer nessa atividade específica. Ele responde que gosta de pôr alfinetes em corpos resilientes. Pergunto se ele obteria o mesmo prazer ao aplicar alfinetes em, digamos, bolas de tênis. Ele diz que sim, que aquilo em que ele põe alfinetes, humanos ou bolas de tênis, faz pouca diferença para ele – o prazer é semelhante e ele está bastante preparado para substituir por bolas de tênis, se é isso que eu quero; ele não consegue entender minha estranha preocupação – que diferença pode fazer se seus alfinetes perfuram humanos vivos ou bolas de tênis?
Nesse ponto, começo a suspeitar que ele esteja de alguma forma perturbado. Não digo (com Hume): ‘Aqui está um homem com uma escala ou valores morais muito diferentes dos meus. Os valores não são suscetíveis de argumento. Posso discordar, mas não raciocinar com ele ‘, como devo dizer sobre um homem que acredita em hara-kiri ou genocídio. Eu me inclino bastante à crença de que o alfinetador que está intrigado com minhas perguntas deve ser classificado junto com lunáticos homicidas e deve ser confinado em uma clínica e não em uma prisão comum. Faço isso porque um homem que não consegue ver que o sofrimento da dor é uma questão de grande importância na vida humana – que importa – que não consegue entender por que alguém deseja saber – menos ainda – se a dor é causada ou não , desde que ele próprio não sofra, está virtualmente fora do alcance da comunicação do mundo ocupado por mim e meus semelhantes. Todo o seu padrão de experiência está distante do meu; a comunicação é tão inatingível quanto acontece com um homem que pensa que é Júlio César ou que está morto ou que é uma maçaneta, como os personagens das histórias de E. T. A. Hoffman. Isso me parece mostrar que o reconhecimento de alguns valores – ainda que gerais e poucos – entra na definição normal do que constitui um ser humano são. Podemos descobrir que esses fins não permanecem constantes se olharmos longe o suficiente no tempo e no espaço; no entanto, isso não altera o fato de que humanos totalmente carentes de tais fins dificilmente podem ser descritos como humanos; ainda menos racional. Nesse sentido, então, a busca ou a falta de busca por certos fins podem ser encarados como evidência de – e em casos extremos parte da definição de – irracionalidade.
Professor Oppenheim draws the distinction usually attributed to Hume between descriptive and value judgements and points to the existence of a chasm across which no logical bridge can be thrown. He maintains, if I understand him rightly, that the predicate ‘rational’ may legitimately be used to describe only judgements or beliefs about matters of fact or logical relations – for example, about facts or events, including such issues as whether a given means is adequate for the fulfilment of a given end or whether a particular policy is compatible with some other policy pursued by the same agent, and the like. But the term ‘rational’ cannot, I gather, be applied to ends themselves; those are neither rational nor irrational, since values are not the kind of entity to which the conception of rationality is applicable.
I have much sympathy with this view, which I myself once used to hold. But it seems to me that negative instances can be produced which falsify the proposition that this gap between means and ends is logically unbridgeable. Let me suggest one.
Suppose I meet a man who is in the habit of pushing pins into other people. I ask him why he does this. He says that it gives him pleasure. I ask him whether it is the fact that he causes pain that gives him pleasure. He replies that he does not mind whether he causes pain or not, since what gives him pleasure is the physical sensation of driving a pin into human bodies. I ask him whether he is aware that his actions cause pain. He says that he is. I ask him whether he would not feel pain if others did this to him. He agrees that he would. I ask him whether he would allow this to happen; he says that he would seek to prevent it by every means that he could command. I ask him whether he does not think that others must feel pain when he drives pins into them, and whether he should do to others what he would try to prevent them from doing to him. He says that he does not understand: pins driven into him cause him pain and he wishes to prevent this; pins driven by him into others do not cause him pain, but, on the contrary, positive pleasure, and he therefore wishes to continue to do it. I ask him whether the fact that he causes pain to other people does not seem to him to be relevant to the question of whether it is desirable to drive pins into people or not. He says he cannot see what I am driving at: what possible difference can pain caused to others, or the absence of it, make to the desirability of obtaining pleasure in the way that he seeks to obtain it? I ask him what it is that gives him pleasure in this particular activity. He replies that he likes driving pins into resilient bodies. I ask whether he would derive equal pleasure from driving pins into, say, tennis balls. He says that he would, that what he drives his pins into, human beings or tennis balls, makes little difference to him – the pleasure is similar, and he is quite prepared to have tennis balls substituted, if that is what I want; he cannot understand my strange concern – what possible difference can it make whether his pins perforate living men or tennis balls?
At this point, I begin to suspect that he is in some way deranged. I do not say (with Hume), ‘Here is a man with a very different scale or moral values from my own. Values are not susceptible to argument. I can disagree but not reason with him’, as I should be inclined to say of a man who believes in hara-kiri or genocide. I rather incline to the belief that the pin-pusher who is puzzled by my questions is to be classified with homicidal lunatics and should be confined in an asylum and not in an ordinary prison. I do this because a man who cannot see that the suffering of pain is an issue of major importance in human life – that it matters at all – who cannot see why anyone should wish to know – still less mind – whether pain is caused or not, provided he does not suffer it himself, is virtually beyond the reach of communication from the world occupied by me and my fellow men. His whole pattern of experience is remote from mine; communication is as unattainable as it is with a man who thinks that he is Julius Caesar or that he is dead or that he is a doorknob, like the characters in the stories of E. T. A. Hoffman. This seems to me to show that recognition of some values – however general and however few – enters into the normal definition of what constitutes a sane human being. We may find that these ends do not remain constant if we look far enough in time and space; yet this does not alter the fact that beings totally lacking such ends can scarcely be described as human; still less as rational. In this sense, then, pursuit of, or failure to pursue, certain ends can be regarded as evidence of – and in extreme cases part of the definition of – irrationality.