Tradução
Um elemento importante de Ser e Tempo é a crítica de Heidegger da divisão da filosofia moderna de eu e mundo em sujeito e objeto, onde a objetividade denota “fatos” independentes do eu e o sujeito racional denota a distância reflexiva da mente dos envolvimentos e práticas comuns, uma distância que enquadra os métodos e princípios de ordenação que permitem a constituição de fatos objetivos. Em outras palavras, objetividade e subjetividade modernas são ambas moldadas por um desligamento das maneiras pelas quais o eu humano se encontra, em primeiro lugar, no mundo vivido. A fenomenologia de Heidegger visa estabelecer a prioridade desse “primeiro” mundo, que, portanto, não pode ser entendido objetiva ou subjetivamente no sentido moderno: “sujeito e objeto não coincidem com Dasein e mundo” (Heidegger SZ, 60). 1
A “eu-dade” do Dasein não é originalmente uma consciência interior em oposição a um mundo objetivo, mas uma estrutura unitária de ser-no-mundo. O eu não é um “o quê”, mas uma maneira de ser (Heidegger SZ, 117). Dasein, em sua existência cotidiana, está em sua maior parte imerso em práticas, envolvimentos e relacionamentos não reflexivos; Dasein é “lançado” em seu mundo, em vez de ser uma entidade consciente autoconsciente. Dasein está “em” seu mundo na maneira de habitar, de estar em casa em meio ao seu ambiente, que Heidegger designa como [14] “morada” (SZ, 54). O ser do Dasein é o sentido de seu mundo, sua importância para as atividades e preocupações táticas do Dasein.2 O que importa para o Dasein em seu mundo é o alcance e a importância de suas possibilidades, suas tarefas e projetos que moldam preocupações presentes com propósito futurístico. Portanto, o “eu” do Dasein não é uma entidade discreta, mas um movimento temporal em direção a um futuro informado por um passado herdado (lançado); nem Dasein é simplesmente uma “mente”, mas sim um agente engajado em um ambiente prático; nem Dasein é simplesmente um eu individual, uma vez que estar com outros Daseins é uma característica essencial do ambiente vivido.
O conceito organizador para a eu-dade do Dasein como ser-no-mundo é a cura (Sorge), que, à sua maneira, captura os dois sentidos da diferença ontológica mencionada anteriormente. Em alemão, Sorge carrega um duplo significado de preocupação e preocupação ansiosa. A cura, para Heidegger, é um fenômeno único com essa estrutura dupla (SZ, 199), que reúne tanto o ser-no-mundo preocupado do Dasein quanto o humor primal de ansiedade que revela a finitude radical do ser-para-a-morte, a exposição do Dasein à falta de sentido no âmago da existência. Consequentemente, o ser do Dasein é um projeto temporal de sentido que também está saturado com o lapso de sentido. É por isso que a eu-dade do Dasein não pode ser representada como um ente, uma coisa, um objeto ou qualquer condição de presença, porque sua existência é um movimento temporal limitado por e impregnado de ausência. Se o ser-no-mundo finito do Dasein é caracterizado como uma temporalidade engajada e não fundamentada, podemos destacar a crítica de Heidegger à filosofia moderna, que pode ser marcada com duas ocultações básicas da finitude: (1) sua ontologia de presença constante e um princípio epistemológico da certeza, que esconde uma temporalidade abissal e as contingências da vida; e (2) sua bifurcação de eu e mundo em um sujeito destacado e objetos externos, que oculta o engajamento existencial.
A major element of Being and Time is Heidegger’s critique of modern philosophy’s division of self and world into subject and object, where objectivity denotes “facts” independent of the self and the rational subject denotes the mind’s reflective distance from ordinary involvements and practices, a distance that frames the methods and ordering principles allowing the constitution of objective facts. In other words, modern objectivity and subjectivity are both shaped by a disengagement from the ways in which the human self first and foremost finds itself in the lived world. Heidegger’s phenomenology aims to establish the priority of this “first” world, which therefore cannot be understood objectively or subjectively in the modern sense: “subject and object do not coincide with Dasein and world” (Heidegger SZ, 60).2
Dasein’s “selfhood” is not originally an interior consciousness over against an objective world, but a unitary structure of being-in-the-world. The self is not a “what” but a way of being (Heidegger SZ, 117). Dasein in its everyday existence is for the most part immersed in non-reflective practices, involvements, and relationships; Dasein is “thrown” into its world, rather than being a self-originating conscious entity. Dasein is “in” its world in the manner of inhabitation, of being at home amidst (bet) its environment, which Heidegger designates as [14] “dwelling” (SZ, 54). Dasein’s being is the meaning of its world, its mattering to Dasein’s tactical activities and concerns.3 What matters to Dasein in its world are the range and import of its possibilities, its tasks and projects that shape present concerns with futurial purpose. So Dasein’s “self’ is not a discrete entity but a temporal movement toward a future informed by an inherited (thrown) past; nor is Dasein simply a “mind,” but rather an engaged agent in a practical environment; nor is Dasein simply an individual self, since being-with other Daseins is an essential feature of the lived environment.4
The organizing concept for Dasein’s selfhood as being-in-the-world is care (Sorge), which in its own way captures both senses of the ontological difference mentioned earlier. In German, Sorge carries a twofold meaning of caring-about and anxious worry. Care, for Heidegger, is a single phenomenon with this twofold structure (SZ, 199), which gathers both Dasein’s concernful being-in-the-world and the primal mood of anxiety that discloses the radical finitude of being-toward-death, the exposure of Dasein to meaninglessness at the heart of existence. Accordingly, Dasein’s being is a temporal project of meaning that is also saturated with the lapse of meaning. This is why Dasein’s selfhood cannot be rendered as a being, a thing, an object, or any condition of presence because its existence is a temporal movement bounded by, and infused with, absence. If Dasein’s finite being-in-the-world is characterized as an ungrounded, engaged temporality, we can spotlight Heidegger’s critique of modern philosophy, which can be tagged with two basic concealments of finitude: (1) its ontology of constant presence and an epistemological principle of certitude, which conceal an abyssal temporality and the contingencies of life; and (2) its bifurcation of self and world into a detached subject and external objects, which conceals existential engagedness.
- Eu sou usando a paginação padrão do texto alemão indicado marginalmente nas traduções e em GA2.[↩]
- I am using standard pagination of the German text indicated marginally in translations and in GA2.[↩]
- That the world matters to Dasein is all that is meant by the notions of “mineness” and “for the sake of itself,” which therefore do not connote anything egoistic, but simply a challenge to the priority of impersonal (third person) models of being (Heidegger SZ, 41–43).[↩]
- The subject-object split in modern thought is well indicated in the problem of skepticism, particularly in terms of radical doubt about the existence of the external world. In section 43 of Being and Time, Heidegger takes up the problem of skepticism, particularly in terms of the presumed division of self and world into subject and object, an internal conscious mind and things external to the mind. He critiques skepticism, not on its own terms, not by showing how the existence of the external world can be proven, but by dismissing radical skepticism as a problem that needs to be solved. Since Dasein is not originally an internal consciousness over against an external world, but rather is being-in-the-world, then involvement with its world-environment is constitutive of Dasein’s being. The very notion that subjective consciousness must pursue a demonstration that its environment exists shows that reflection has disengaged from a prior mode of being that makes it possible to pose such a question in the first place (see Heidegger SZ, 202, 205).[↩]