Usualmente se diz: Dasein é um termo substituto para o Homem. Indica o ente chamado Homem, caracterizando o seu modo diferencial de ser, ao distingui-lo dos entes que não têm o modo de ser próprio do Homem. Nesse sentido se usa o advérbio e adjetivo daseinsmässig (-er, -e, -e) para referir-se ao humano e nicht-daseinmässig (-er,-e,-es) para referir-se ao não humano (Deus, anjos, animais, plantas, coisas naturais e artificiais). Essa colocação usual, em referência à compreensão do termo Dasein da fenomenologia não é propriamente fenomenológica. Para poder ser fenomenológica deve estar intimamente comprometida com a assim chamada repetição da questão do sentido do ser. Sem esse comprometimento o termo Dasein apenas indica a diferença ôntica, i. é, diferença entre ente e ente e não a diferença ontológica, i. é, entre ente e Ser i. é, diferença que existe entre as diferenças ônticas entre ente e ente com suas entidades e o sentido do ser das diferentes entidades que constituem o ente no seu ser.
Tentemos em repetição, captar o que acima dissemos de modo o mais claro possível, tentemos ter presente todos os entes ocorrentes atuais e possíveis diante, ao redor, acima e abaixo, dentro e fora de nós. E isso nos seus infinitamente inumeráveis modos típicos de ser. Temos assim, o que costumamos denominar de o ente no seu todo. Dentre todos os entes que se nos tornam ou podem se tornar presentes, há um ente todo típico denominado homem que se apresenta de modo duplicado, ora uma vez como um ente entre outros entes, outra vez, ora como um ente que pensa o “ente no seu todo” inclusive a si mesmo como aquele que ocorre também entre outros entes e como aquele que se apercebe de, pensa, atua, abrange o todo do ente (leia-se: em sendo) em incontáveis ações dos outros atos como p.ex. em imaginação, volição, intenção, objetivação, planejamento, sistematização, aniquilamento, recepção, doação etc. Se agora tentarmos tematizar essa dinâmica de entificação, na qual o homem é ao mesmo tempo sujeito e agente de todos esses atos e da sua efetuação como entes objetivados e ele mesmo objeto, percebemos que em tudo isso, nesse “o ente no seu todo” se dá um “anterior”, um “apriori” a modo de uma pré-sença, cuja caracterização poderia ser “visualizada” como amplidão imensa, profundidade abissal e liberdade transbordante inesgotável e insondável, a qual pré-sença todas as nossas captações, explicações, esclarecimentos, tudo chega tarde demais para apreendê-la, por ser ela a absoluta condição da possibilidade de ser e conhecer. Essa ab-soluta aprioridade pré-sente ao tempo e ao ser, ora aparece entificada como Deus, como Natureza, como História, como Homem, e o Homem por sua vez como Substância, como Sujeito, e o Sujeito na sua objetivação como Capital, como Produção, como Trabalho, como Poder, Cálculo e Asseguramento da funcionalidade da sua autonomia. Costumamos denominar essa pré-sença apriori de Ser e tudo que de alguma forma está referido a ela de ente.
A pergunta que busca, procura o que é o Ser, jamais, por princípio pode captar o Ser, se ela permanecer ‘dentro ou fora’ da presentificação apriori do Ser, pois “dentro e fora do Ser” só pode ser e ser compreendido a partir e na possibilidade da pré-sença apriori que de antemão determina o que é dentro, fora, Ser e não-Ser. Essa impossibilidade quando nos atinge a fundo a raiz e a origem do nosso ser e conhecer, pode nos estalar a modo de implosão para dentro de nós mesmos, a ponto de, do tinir da impossibilidade saltar o vislumbre de que o Ser enquanto presença ab-soluta apriori não é a priori, mas sim a posteriori, i.é, já é lançado do salto originário como condição da possibilidade do ser do mundo, constituindo o fundo a partir e sobre o qual se ‘estancia’ o ente no seu todo, de-finindo o que deve ser tido por Ser e ente. Essa ‘estância’ no fundo aposteriori dado como apriori absoluto faz com que o salto jamais seja salto, no sentido próprio do salto a não ser no sentido do Ser no ente e do ente no Ser constituído pelo salto como entidade ‘apriorizada fundamental’ aposteriori. A liberdade do salto no salto ab-soluto da liberdade não se dá, se retrai, e no empuxo do retrair-se abre-se como ausculta e recepção do toque da possibilidade do sentido do ser, pro-vocando o vislumbre da necessidade e da possibilidade de colocar, ou melhor, recolocar a questão do sentido do ser. A percepção da necessidade e da possibilidade de recolocar ou repetir a questão do sentido do ser, porém, é salto, não uma intencionalidade para frente, uma flecha, mas um toar e entoar da repercussão, um tornar-se próprio na prenhez da apropriação do mesmo: o Ereignis. Esse tornar-se, esse ter que ser, esse ser em sendo pré-sente cada vez e de novo é o Da-sein. [Dossiê Harada]