O fato de que a contradição do profano e do sagrado se mostra como relativa, sob as nossas premissas, é algo que está perfeitamente em ordem. Basta nos lembrarmos do significado e da história do conceito da profanidade. Profano é o que está posto frente ao santuário. O conceito do profano e o conceito da profanação, que dele deriva, está sempre pressupondo a sacralidade. De fato, o oposto do profano e do sagrado no mundo da antiguidade, de onde procede, só pode ser relativo, já que o âmbito total da vida é ordenado e determinado pelo sagrado. Somente a partir do cristianismo torna-se possível compreender a profanização num sentido restrito. Porque somente o Novo Testamento desdemonizou de tal maneira o mundo, que se abriu espaço para a oposição pura e simples entre o profano e o religioso. A promessa da salvação da Igreja significa que o mundo é apenas ainda “este mundo”. A peculiaridade dessa reivindicação produz, ao mesmo tempo, a tensão entre a Igreja e o Estado, que conduz à ruína do mundo antigo, e, com isso, o conceito da profanidade alcança a sua verdadeira atualidade. Como se sabe, a tensão entre a Igreja e o Estado dominou toda a história da Idade Média. O aprofundamento espiritual do pensamento da igreja cristã acaba liberando o estado secular. E o significado histórico-mundial da alta Idade Média que forma o mundo profano, de tal maneira que dá sua cunhagem amplamente moderna ao conceito do profano. Mas isso não muda nada no fato de que a profanidade permaneceu um conceito jurídico-sacral e que só pode ser determinado a partir do sagrado. A profanidade consumada é um não-conceito. [Gadamer Verdade e Método I]