Corresponde, no entanto, a uma freqüente transferência do devir para o ser, o fato de que a formação (Bildung) (assim também a palavra “Formation” dos nossos dias) designa mais o resultado desse processo de devir do que o próprio processo. A transferência, aqui, é bastante compreensível, porque o resultado da formação não se produz na forma de uma finalidade técnica, mas nasce do processo interno de constituição e de formação e, por isso, permanece em constante evolução e aperfeiçoamento. Não é por acaso que, nesse particular, a palavra formação se iguala à palavra grega physis. Formação não conhece, como tampouco a natureza, nada exterior às suas metas estabelecidas. (Será mantida a desconfiança que a palavra e o assunto “meta de formação” merece, por ser, como tal, uma formação secundária. No fundo, formação não pode ser meta, não pode ser, como tal, desejada, a não ser na temática refletida do educador.) É justamente nisso que o conceito de formação supera o mero cultivo de aptidões pré-existentes, do qual ele deriva. O cultivo de uma aptidão é o desenvolvimento de algo já existente, de maneira que o exercício e a manutenção dela é um mero meio para o fim. Assim, o material de ensino de um manual lingüístico é um simples meio, e não, um fim. Sua aquisição serve apenas à perícia lingüística. Na formação, ao contrário, no que e através do que alguém será instruído, pode também ser inteiramente assimilado. Nesse sentido, tudo que ela assimila, nela desabrocha. Mas na formação aquilo que foi assimilado não é como um meio que perdeu sua função. Antes, nada desaparece na formação adquirida, mas tudo é preservado. A formação é um conceito genuinamente histórico, e é justamente o caráter histórico da “preservação” o que importa para a compreensão das ciências do espírito. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 1.
O conjunto da ética humana se distingue essencialmente da natureza através do fato de que nela não atuam simplesmente capacidades ou forças, mas pelo fato de que o homem vem a ser tal como veio a ser, somente através do que faz e de como [318] se comporta, isto significa, porém: sendo assim, se comporta de uma maneira. Aristóteles opõe o ethos à physis, como sendo um âmbito, no qual não é que não seja comandado por regras, mas que não conhece as leis da natureza, a não ser a mutabilidade e regularidade limitada das posturas humanas e de suas formas de comportamento. VERDADE E MÉTODO SEGUNDA PARTE 2.
Logo que Heidegger se deu conta disso, assumiu os riscos do pensamento radical de Nietzsche. Não encontrou outros caminhos a não ser os Holzwege (Sendas perdidas), que depois da curva do caminho esbarravam no intransitável. Mas terá só a linguagem da metafísica o que sustentou esse feitiço paralisante do idealismo transcendental? Heidegger extraiu as últimas conseqüências de sua crítica ao vazio ontológico da consciência e à autoconsciência abandonando a idéia da fundamentação metafísica. Essa virada e esse abandono, não obstante, continuaram sendo uma luta permanente com a metafísica. Para preparar sua superação era preciso não só pôr em evidência o subjetivismo moderno destruindo seus conceitos indemonstrados, mas resgatar à luz do conceito, como elemento positivo, a experiência primordial grega do ser, por trás do auge e do domínio da metafísica ocidental. O retorno de Heidegger à experiência do ser nos inícios pré-socráticos, partindo do conceito aristotélico de physis, foi na realidade um extravio aventureiro. De certo, Heidegger sempre teve presente o objetivo último, embora ainda muito vago: repensar o início, o inicial. Aproximar-se do início significa sempre dar-se conta de outras possibilidades abertas no percurso de retorno do caminho percorrido. Aquele que se situa no começo deve escolher o caminho, e aquele que retorna ao começo percebe que desde o ponto de partida poderia ter escolhido outros caminhos — assim como o pensamento oriental percorreu outros caminhos. Quem sabe se esse último ocorreu à margem da livre escolha, como é o caso da opção ocidental. Deve-se, antes, às circunstâncias que fizeram com que a ausência de uma construção gramatical de sujeito e objeto não levasse o pensamento oriental a desembocar numa metafísica de substância e acidente. Por isso, não surpreende que, em seu regresso ao começo, o próprio Heidegger tenha experimentado certo fascínio pelo pensamento oriental, buscando em vão nele aprofundar-se com a ajuda de visitantes japoneses e chineses. Não é fácil sondar as línguas, sobretudo a base comum de todas as línguas do próprio círculo cultural. Na verdade, mesmo na história das próprias origens é impossível encontrar realmente o começo. O começo retrocede sempre ao incerto, como ocorre ao viajante costeiro na célebre descrição da regressão no tempo, feita por Thomas Mann no início de sua A montanha mágica: por detrás do último relevo aparece sempre outro novo, num processo interminável. Correspondentemente, Heidegger acreditou encontrar a experiência inicial do ser em Anaximandro, em Heráclito, em Parmênides e por fim de novo em Heráclito, sucessivamente, testemunhos da [364] mútua pertença entre desvelamento (Entborgenheit) e velamento (Verbergung). Em Anaximandro acredita encontrar a presença mesma e a permanência de seu ser, em Parmênides o coração sem palpitações da aletheia, em Heráclito a physis que ama esconder-se. Mas tudo isso acaba sendo válido como indicação das palavras que assinalam para o intemporal, mas não para o discurso, quer dizer, para a auto-exposição do pensamento que encontramos nos textos primitivos. Heidegger pôde reconhecer sua própria visão do ser sempre apenas no nome, na força nominativa das palavras e em seus labirintos intransitáveis como artérias de ouro: esse “ser” não deveria ser o ser do ente. Os próprios textos mostraram sempre de novo não serem o último relevo no caminho que abria a visão para a clareira do ser. VERDADE E METODO II OUTROS 25.