O que está sendo representado diante de cada um é para eles tão destacado dos moldes usuais de mundo e tão concentrado num núcleo de sentido independente, que não motiva ninguém a sair daí para qualquer outro futuro ou realidade. O receptor é remetido a uma distância absoluta, que lhe veda qualquer participação que tenha uma finalidade de cunho prático. No seu verdadeiro sentido, essa distância para o olhar, que possibilita a participação genuína e sob todos os ângulos, daquilo que está sendo representado diante dele. Ao auto-esquecimento estático do espectador corresponde, por isso, a sua continuidade consigo mesmo. Justamente a partir daquilo em que ele, como espectador, se perde, é que lhe é exigida a continuidade do sentido. É a verdade do seu próprio mundo, do mundo religioso e do ético, no qual vive, que está sendo representada diante dele e na qual se reconhece. Tal qual a parusia, o absoluto presente caracterizou o modo de ser do ser estético e, não obstante, uma obra de arte continua sendo a mesma, por toda parte onde quer que ocorra um tal presente, assim também o momento absoluto, em que se encontra o espectador é, ao mesmo tempo, auto-esquecimento e intermediação consigo mesmo. O que arranca de tudo, devolve-lhe, concomitantemente, o todo do seu ser. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 2.
Nessa função anagógica do belo, que Platão descreve de forma inolvidável torna-se visível um momento ontológico da estrutura do belo e também uma estrutura universal do próprio ser. Evidentemente que o que caracteriza o belo, face ao bom, é que se mostra por si mesmo, que se torna transparente diretamente em seu próprio ser. Com isso ele assume a função ontológica mais importante que pode haver, a da mediação entre a idéia e o fenômeno. Ela é a cruz metafísica do platonismo, que se cristaliza no conceito da participação (methexis) e é concernente tanto à relação do fenômeno com a idéia como à das idéias entre si. Como o Fedro mostra, não é casual que Platão goste de ilustrar essa problemática relação da “participação” com o exemplo do belo. A idéia do belo encontra-se verdadeiramente presente naquilo que é belo, indiviso e inteiro. Por isso, o exemplo do belo permite tornar patente a “parusia” do eidos a que se refere Platão, mostrando a evidência da coisa, face às dificuldades lógicas da participação do “devir” no “ser”. “A presença” pertence ao ser do próprio belo, de maneira plenamente convincente. Por mais que a beleza se experimente como reflexo de algo supraterreno, ela está no visível. É no modo de seu aparecer, que ela mostra como algo realmente diferente, uma essência de outra ordem. Aparece de repente, e igualmente de repente e sem transições, sem mediações, já se foi. Se se tem de falar, com Platão, de um hiato (chorismos) entre o sensível e o ideal, aqui está ele, e aqui já está também encerrado. VERDADE E MÉTODO TERCEIRA PARTE 3.