Eu mesmo preciso afirmar, contra Heidegger, que não há uma linguagem da metafísica. Já expus esse ponto de vista na publicação em homenagem a Löwith. Existem apenas conceitos da metafísica, cujo conteúdo ganha determinação no emprego das palavras, como ocorre com todas as palavras. Tanto os conceitos, onde se movimenta o pensamento, quanto as palavras do uso cotidiano de nossa linguagem não estão dominados por uma regra rígida, com uma posição prefixada. A linguagem da filosofia, mesmo (12) sobrecarregada pelo peso da tradição, como é o caso da metafísica aristotélica traduzida para o latim, busca, sobretudo e sempre de novo, tornar fluentes as produções de linguagem. Pode até trazer para o latim e renovar antigas direções semânticas, capacidade que de há muito admiro no gênio de Nicolau de Cusa. Essa reformulação não precisa necessariamente ser feita pelo método e no estilo da dialética de Hegel ou no modelo agressivo e veemente da linguagem de Heidegger. Os conceitos que emprego em meu contexto definem-se de maneira nova pelo seu uso. Também não se trata dos conceitos da metafísica aristotélica clássica, como foram redescobertos pela ontologia de Heidegger. Pertencem muito mais à tradição platônica. Expressões como mimesis, methexis, participação, anamnesis, emanação, que uso com algumas pequenas modificações — como por exemplo no caso de re-presentação (Repräsentation — são conceitos cunhados por Platão. Em Aristóteles, eles desempenham algum papel apenas no nível da crítica, não fazendo parte do acervo conceitual da metafísica, no que se refere à configuração escolástica fundada por Aristóteles. Remeto novamente para a meu tratado acadêmico sobre a idéia do bem, onde, pelo contrário, procuro demonstrar que o próprio Aristóteles era mais platônico do que se costuma admitir, e que o projeto aristotélico da ontoteologia é apenas uma das perspectivas que Aristóteles extraiu de sua física e que se encontram reunidas nos livros da metafísica. VERDADE E MÉTODO II Introdução 1.
Com isso, toco no ponto de um verdadeiro desvio do pensamento de Heidegger, a que dedico grande parte de meu trabalho, e refiro-me em especial aos meus estudos de Platão. (Tive a satisfação de ver que justamente estes trabalhos significaram alguma coisa para o Heidegger dos últimos anos de sua vida.) A mim parece que não se pode ler Platão como o precursor da ontoteologia. Mesmo a Metafísica de Aristóteles possui dimensões diferentes do que as que foram reveladas por Heidegger em seu tempo. Para isso penso poder apelar, dentro de certos limites, para o próprio Heidegger. Penso sobretudo na predileção de Heidegger pela “famosa analogia”. É assim que ele costumava dizer na época de Marburgo. A doutrina aristotélica da analogia entis foi para ele desde o princípio um recurso contra o ideal da fundamentação última, como Husserl num estilo semelhante a Fichte havia assumido. Seguindo um distanciamento cuidadoso da auto-interpretação transcendental de Husserl, encontramos em Heidegger freqüentemente a expressão “co-originariedade” — uma ressonância da “analogia” e uma versão au fond fenomenológico-hermenêutica. Não foi, portanto, somente a crítica aristotélica à idéia do bem que levou Heidegger do conceito de phronesis para seu próprio caminho. Ele recebeu também um impulso do próprio núcleo da metafísica de Aristóteles, e principalmente da Física, como mostra seu artigo sobre a Physis, muito rico em perspectivas. A partir dali fica claro por que atribuí um papel tão central à estrutura de diálogo da linguagem. O que aprendi de Platão, o mestre do diálogo, ou melhor, dos diálogos de Sócrates, compostos por Platão, é que a estrutura de monólogo da consciência científica jamais permitirá, de modo pleno, ao pensamento filosófico alcançar seus intentos. A minha interpretação do excurso à 7a Carta parece-me estar acima dos questionamentos críticos sobre a autenticidade desse fragmento. É só a partir daqui que podemos compreender por que a linguagem da filosofia, desde então, desenvolve-se constantemente no diálogo com sua própria história — antes disso, comentando, corrigindo e criando variações, e com o surgimento da consciência histórica, numa duplicidade nova e cheia de tensão entre a reconstrução histórica e a transposição especulativa. A linguagem da metafísica é e permanece sendo o diálogo, mesmo que esse se dê na distância de séculos e milênios. Por este motivo, os textos de filosofia não são propriamente textos ou obras, mas contribuições a um diálogo que dura através dos tempos. VERDADE E MÉTODO II Introdução 1.