Gadamer (VM): nadidade

No conceito do símbolo ressoa, porém, um pano de fundo metafísico, que se afasta totalmente do uso retórico da alegoria. É possível ser conduzido, a partir do sensorial, ao divino. Pois o sensorial não é mera nadidade e treva, mas emanação e reflexo do verdadeiro. O conceito moderno de símbolo é desprovido dessa sua função gnóstica, e não é o seu bastidor metafísico compreensível. A palavra “símbolo” só pode ser elevada da sua aplicação originária, enquanto documento, sinal de reconhecimento, senha, conceito filosófico de um misterioso sinal, indo parar, com isso, na proximidade do hieróglifo, cuja decifração só alcançam os iniciados, porque o símbolo não é adoção qualquer de um signo ou a criação de um signo, mas pressupõe uma correlação metafísica do visível com o invisível, essa “coincidência” de duas esferas, encontra-se na base de todas as formas do culto religioso. Da mesma forma, a versão encontra-se nas proximidades da estética. O simbólico, segundo Solger, caracteriza uma “existência em que, de alguma forma, a idéia é reconhecida”, portanto, a íntima unidade do ideal e do fenômeno, que é específica para a obra de arte. O alegórico, ao contrário, só deixa surgir essa unidade significante através da indicação a um outro, fora de si. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 1.

Desse modo, a tarefa da retórica deslocou-se para a hermenêutica, sem existir uma consciência expressa dessa mudança, e supostamente anterior à invenção do termo “hermenêutica”. Mesmo assim o grande legado da retórica continua influenciando em pontos decisivos no que diz respeito ao novo trabalho de interpretação dos textos. Assim como a verdadeira retórica, para o discípulo de Platão, é inseparável do conhecimento da verdade das coisas (rerum cognitio), sob pena de mergulhar numa absoluta nadidade, também para a interpretação dos textos representa o postulado óbvio de que estes contenham a verdade sobre as coisas. Isso já era uma evidência inquestionável para a primeira renovação da retórica durante a época humanista, que estava totalmente regida pelo ideal da imitatio; agora aplica-se inteiramente à nova virada rumo à hermenêutica que é o objeto de nosso estudo. Isso porque tanto em Melanchton, quanto no primeiro fundador da hermenêutica protestante, Flacius Illyrucius, a controvérsia teológica sobre a compreensibilidade da Sagrada Escritura constitui o fundamento motivador. Nesse sentido, não podemos perguntar se a arte da compreensão tem por objeto também o descobrimento do verdadeiro sentido de um enunciado errôneo. Isso só vai mudar com o incremento da consciência metodológica no século XVII — sob a influência de Sabarella — , que modifica também o apoio teórico-científico da hermenêutica. É o que observamos em Dannhauer, que faz da retórica um anexo e busca fundamentar a nova retórica na retórica aristotélica. Mas isso não significa que, do ponto de vista do conteúdo, Dannhauer não dependesse da tradição retórica, que continuava paradigmática na exposição dos textos. VERDADE E MÉTODO II OUTROS 20.