Nosso ponto de partida foi que o verdadeiro ser do espectador, que faz parte do jogo da arte, do ângulo da subjetividade, não pode ser adequadamente compreendido como uma forma de comportamento da consciência estética. Mas isso não deve significar que também não se possa descrever a natureza do espectador a partir daquele tomar-parte (Dabeisein), a que demos relevo. Tomar-parte, como um desempenho subjetivo do comportamento humano, tem o caráter do estar-fora-de-si. No seu Fedro Platão já assinalou a incompreensão com que se costuma ignorar, com base na sensatez racional, a estética do estar-fora-de-si (Aussersichsein), quando nisso se vê uma mera negação do estar-em-si (Beisichsein), portanto, uma espécie de loucura. Na verdade, o estar-fora-de-si é a possibilidade positiva de se tomar parte inteiramente em alguma coisa. Um tal tomar-parte tem o caráter de um auto-esquecimento. Perfaz a natureza do espectador, o fato de estar entregue a uma visão, totalmente esquecido de si. O auto-esquecimento é, aqui, tudo, menos um estado privativo, pois procede da dedicação à causa, o que o espectador realiza como sendo seu desempenho positivo e próprio. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 2.
Agora experimentamos, através de Aristóteles, que a representação da ação trágica causa um efeito específico no espectador. A representação atua através de eleos e phobos. A tradução tradicional dessas afecções por “compaixão” e “temor” deixa transparecer uma tonalidade demasiadamente subjetiva. Consoante Aristóteles, não se trata, de modo algum, de compaixão e nem mesmo de avaliação da compaixão, feita cada vez diferente durante esses séculos, e muito menos ainda se pode entender o temor como um estado de ânimo da interioridade. Ambas são, antes, ocorrências que surpreendem e arrastam consigo os homens. Eleos é a desolação (Jammer) que advém a alguém em face daquilo que denominamos de desolador. É assim que o destino de Édipo desola alguém (o exemplo que Aristóteles sempre tem diante dos olhos). A palavra alemã Jammer (desolação) vem a ser um bom equivalente, pelo motivo de que não significa uma mera interioridade, mas também, a sua expressão. Correspondentemente, Phobos não é apenas um estado de ânimo, mas, como diz Aristóteles, uma ducha fria, a ponto de deixar congelado o sangue e a pessoa, vítima de um calafrio. Na maneira especial com que aqui, dentro da característica da tragédia, se fala de Phobos em vinculação com Eleos, Phobos significa o espanto de tremor que se apossa de quem estamos vendo ir, às pressas, de encontro à sua ruína, e por esse alguém trememos. A desolação e o tremor são formas de êxtase, do estar-fora-de-si, que atestam o desterro daquilo que se desenrola diante de alguém. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 2.