Gadamer (VM): elemento hermenêutico

Se isso for correto, o que descrevemos inicialmente como a postura de nosso mundo moderno da indústria e do trabalho, fundado pela ciência, espelha-se sobretudo no plano da linguagem. Vivemos numa época de nivelamento crescente de todas as formas de [231] vida. Trata-se de um imperativo da necessidade racional de conservação da vida em nosso planeta. O problema da alimentação da humanidade, por exemplo, só será resolvido se contermos o grande desperdício que se dá no cultivo da terra desde antigamente. É impossível impedir que o universo industrial das máquinas atinja também a vida do indivíduo como uma espécie de esfera de perfeição técnica, e hoje, quando ouvimos casais de namorados conversando, perguntamo-nos se o que dizem são realmente palavras com as quais se entendem ou marcas de propagandas e expressões técnicas, tiradas da linguagem dos signos do mundo industrial moderno. Não existem meios de impedir que as niveladoras formas de vida da era industrial não exerçam sua influência também na linguagem, como é o caso do crescente e espantoso empobrecimento do vocabulário da linguagem e a consequente aproximação da linguagem a um sistema técnico de signos. As pessoas que usam a preposição trotz (apesar de) ainda com dativo, como ainda faço, em breve vão ser peça de museu. Esse tipo de tendência ao nivelamento é difícil de ser detido. E apesar disso a construção do próprio mundo continua se dando sempre e simultaneamente na linguagem, sempre que queremos dizer-nos algo uns aos outros. O que constitui uma autêntica associação entre as pessoas é o fato de cada um ser primeiramente uma espécie de círculo de linguagem para si. Só então esses círculos se tocam e vão fundindo-se cada vez mais. Nesse caso o que fica de pé é sempre de novo a linguagem, com seu vocabulário e gramática, como antes e agora, e jamais sem a infinitude interna do diálogo que está em curso entre o que fala e seu interlocutor. É a dimensão fundamental do elemento hermenêutico. A tarefa comum dos homens é criar uma linguagem autêntica, que tem algo a dizer e por isso não dá sinais previsíveis, mas procura palavras pelas quais possa alcançar o outro. Criar essa linguagem autêntica é uma tarefa especial para quem busca trazer à fala uma tradição escrita, como o teólogo, por exemplo, que está encarregado de comunicar uma mensagem escrita. VERDADE E MÉTODO II OUTROS 17.

Também a retórica testemunha verdadeiramente a estrutura universal da linguagem universal. Em outro sentido, essa estrutura constitui a base essencial para o elemento hermenêutico, representando [234] para a arte da interpretação da linguagem algo assim como o positivo para o negativo. Os nexos relacionais entre retórica e hermenêutica, que mencionei em meu livro, podem ser ampliados em muitos aspectos como mostram as excelentes contribuições e correções feitas por Klaus Dockhorn no Gottingischen Gelehrten-Anzeigen. Mas a estrutura de linguagem está tão profundamente inserida na sociabilidade do ser humano que mesmo o teórico das ciências sociais deve ocupar-se com o direito e os limites da problemática hermenêutica. Assim o próprio Habermas confrontou recentemente a hermenêutica filosófica com a lógica das ciências sociais, avaliando-a a partir dos interesses cognitivos desta. VERDADE E MÉTODO II OUTROS 18.