O mero ver, o mero ouvir são abstrações dogmáticas, que reduzem artificialmente os fenômenos. A percepção abrange sempre o significado. É por isso um formalismo ao avesso, que, além disso, não pode se reportar a Kant, no sentido de procurar, tão-somente na sua forma, a unidade da configuração estética, em oposição ao seu conteúdo. Kant, com o seu conceito da forma, tinha em mente algo bem diferente. Não contra o conteúdo significativo de uma obra de arte, mas contra o mero estímulo sensorial do que seja material, o conceito de forma de Kant designa a construção da configuração estética. O chamado conteúdo objetivo não é, de forma alguma, matéria à espera de uma conformação posterior, mas encontra-se sempre vinculada, na obra de arte, à unidade da forma e do significado. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 1.
Porém, uma tal descrição da compreensão que separa, significa que a configuração das ideias que procuramos compreender como discurso ou como texto não é compreendida com referência ao seu conteúdo objetivo, mas como uma configuração estética, como obra de arte ou “pensamento artístico”. Se afirmarmos isso entenderemos por que aqui não se trata da relação com a coisa (em Schleiermacher “o ser”). Schleiermacher segue as determinações fundamentais de Kant, quando diz que o “pensamento artístico” “somente se distingue pelo maior ou menor prazer”, e é propriamente “só o ato momentâneo do sujeito”. A esta altura, é naturalmente a pressuposição, pela qual se colocou pela primeira vez a tarefa da compreensão que faz com que este “pensamento artístico” não seja um simples ato momentâneo, mas que se exterioriza. Schleiermacher vê no “pensamento artístico” momentos especiais da vida, nos quais dá-se um prazer tão grande que eles irrompem em exteriorização, mas mesmo assim — e, por mais que suscitem prazer nas “imagens originais das obras de arte” — continuam sendo um pensamento individual, livre combinação, não vinculada pelo ser. É exatamente isso que distingue os textos poéticos dos científicos. Schleiermacher quer dizer com isso, certamente, que o discurso poético não se submete ao padrão de entendimento sobre a coisa em causa, descrito acima, porque o que nele se diz não é dissociável do “como”, da maneira de ser dito. Por exemplo, a guerra de Troia está no poema homérico — quem se volta para a realidade histórica da coisa em causa lê mais Homero como discurso poético. Ninguém [192] quereria afirmar que o poema tenha ganho algo de realidade artística através das escavações dos arqueólogos. O que se deve compreender aqui não é precisamente um pensamento comum da coisa em causa, mas um pensamento individual, que, por sua essência, é combinação livre, expressão, livre exteriorização de uma essência individual. VERDADE E MÉTODO SEGUNDA PARTE 1.