Desse modo, a própria autocompreensão hermenêutica da escola histórica, que tivemos ocasião de rastrear em Ranke e Droysen, encontra sua fundamentação última na ideia da história universal. Por outro lado, a escola histórica não podia aceitar a fundamentação hegeliana da unidade da história universal através do conceito do espírito. A ideia de que o caminho do espírito rumo a si mesmo se consuma na plena autoconsciência do presente histórico, espírito este que perfaz o sentido da história, não é mais do que uma auto-interpretação escatológica que, no fundo, subsume a história no conceito especulativo. Em lugar disso, a escola histórica se viu encurralada rumo a uma compreensão teológica de si mesma. Se não quisesse suspender a sua própria essência, a de pensar-se a si mesma como uma investigação progressiva, teria de referir seu próprio conhecimento finito e limitado a um espírito divino, para o qual as coisas seriam conhecidas em sua consumação. É o velho ideal da compreensão infinita, que aqui se aplica propriamente ainda ao conhecimento da história. É o que diz Ranke: “A divindade — se me é permitido ousar essa observação — , assim eu penso, contempla toda a humanidade histórica em seu conjunto e considerando-a, toda ela, valiosa por igual, já que antes dela não há tempo algum. 1150 VERDADE E MÉTODO SEGUNDA PARTE 1.
Na época do romantismo, quando Schleiermacher e seus seguidores conformaram a hermenêutica numa “arte” universal destinada a legitimar a peculiaridade da ciência teológica, equiparando sua metodologia ao círculo das ciências, isso significou um passo decisivo no desenvolvimento da hermenêutica. Schleiermacher, possuidor de um dom natural da intuição compreensiva do próximo e a quem podemos chamar o amigo mais genial de uma época em que a cultura da amizade alcançou um valor elevado, sabia perfeitamente que a arte da compreensão não se podia limitar à ciência. Segundo ele, essa arte desempenha um papel de destaque na vida interpessoal. E sempre que nos defrontamos com palavras de uma pessoa dotada de profundidade, buscando compreender seu sentido, de imediato inacessível, lançamos mão constantemente dessa arte. Tentamos captar, segundo ele, algo entre as palavras do interlocutor espiritual, do mesmo modo que fazemos quando lemos entre as linhas. Não obstante, é justamente em Schleiermacher onde aparece a pressão que o conceito moderno de ciência exerce na autocompreensão hermenêutica. Ele distingue entre uma hermenêutica em sentido amplo e uma prática mais estrita da hermenêutica. A práxis em sentido amplo parte do pressuposto de que, ante as afirmações do outro, a reta compreensão e o mútuo entendimento constituem a regra, e o mal-entendido a exceção. A práxis estrita, ao contrário, parte do pressuposto de que o mal-entendido é a regra e que só com um esforço técnico se pode evitar o mal-entendido e alcançar uma compreensão correta. É evidente que essa distinção afasta a tarefa da interpretação do contexto consensual onde se alterna constantemente a verdadeira vida da compreensão. Agora ela deve superar um estranhamento total. O emprego de um recurso artificial destinado a descobrir o estranho e apropriar-se dele toma o lugar da faculdade comunicativa que permite a convivência dos seres humanos e onde se relacionam com a tradição que os sustenta. VERDADE E MÉTODO II OUTROS 22.