As pesquisas que se seguem tentam cumprir essa exigência, entrelaçando o mais estreitamente possível, o questionamento histórico-conceitual com a exposição objetiva de seu tema. A conscienciosidade da descrição fenomenológica, que Husserl nos tornou um dever, a abrangência do horizonte histórico, onde Dilthey situou todo o filosofar, e, não por último, a compenetração de ambos os impulsos, cuja iniciativa recebemos de Heidegger há décadas, assinalam o paradigma sob o qual se colocou o autor, e cujo comprometimento, apesar de toda imperfeição da execução, gostaria que ficasse claro. VERDADE E MÉTODO Introdução
Enquanto estudante em Friburgo, para onde tinha ido devido ao seu interesse pela interpretação de Aristóteles feita por Heidegger, Gadamer assistiu a várias conferências em 1923 (incluindo uma sobre a Hermenêutica da facticidade e outra sobre o Livro VI da Ética a Nicômaco) antes de acompanhar Heidegger a Marburgo, onde se tornou seu assistente, continuando a assistir às suas conferências, que o marcaram para sempre: “A técnica sutil dos pequenos exercícios conceituais acadêmicos”, confidenciará mais tarde, ‘pareceu-nos subitamente infantil’ (Les Chemins de Heidegger, p. 82).
É a partir deste ensinamento que a sua obra recebe as suas grandes orientações, assumindo um caráter próprio: regressando a uma hermenêutica das ciências humanas, Gadamer pretende estabelecer que a interpretação das obras tem a marca das estruturas de existência identificadas em Ser e Tempo e mostrar que cada pessoa é precedida por aquilo que lhe permite ter um projeto. Em 1960, em Verdade e Método, Gadamer reabilita a tradição que considera importante desenvolver, mantendo uma continuidade que provém, em última instância, de uma linguagem da qual é impossível libertar-se. Considera que a eficácia da história exerce os seus efeitos sem que possamos escapar à sua eficácia: ela determina antecipadamente o que consideramos digno de exame, pelo que não podemos pretender uma compreensão livre de todos os pressupostos, sendo a rejeição do preconceito, ela própria, um preconceito historicamente situado. De Heidegger, Gadamer retém que toda a compreensão tem uma estrutura circular e antecipa o que deve ser compreendido, guiando-se pela expectativa de um sentido determinado. A interpretação de uma obra pertencente ao passado baseia-se, assim, nas questões atuais colocadas pelo intérprete, que a leitura da obra confirmará ou invalidará: podemos, portanto, falar de uma fusão dos horizontes do passado e do presente, o passado tornando-se presente num diálogo vivo com a tradição. Gadamer diz que Heidegger lhe deu o modelo deste diálogo em Marburgo, quando, relendo Aristóteles, liberando-o “das camadas escolásticas e deformadoras da leitura”, permitiu ao filósofo grego “falar como um contemporâneo” (Les Chemins de Heidegger, p. 161). A [?phronesis], que está no centro do Livro VI da Ética a Nicômaco, aparece-lhe como a virtude hermenêutica por excelência, na medida em que se aplica a uma situação particular sem impor normas fixas.
Por muito frutuosa que seja esta leitura, ela faz algumas deslocações, pois Heidegger mostra que a phronesis (do verbo phronein, pensar sabiamente, da mesma raiz que phrontizô, cuidar) é sobretudo um modo de ser que tem como fundamento a preocupação de cuidar das possibilidades mais elevadas do ser humano. No curso dado em Marburgo em 1924-1925, que é dedicado ao Sofista de Platão, mas que se centra em grande parte no livro VI da Ética a Nicômaco, Heidegger mostra que ser significa menos manter a continuidade de um presente constante do que recolher o [?kairos], apreendendo num piscar de olhos, a partir de uma longa experiência, o caráter único de uma situação recolhida num instante decisivo (Platão: O Sofista, GA19, 164). É precisamente este fenômeno do instante, em que se mantêm unidas as três dimensões do tempo, cuja interação recíproca pressupõe uma unidade, que a hermenêutica de Ser e Tempo põe em evidência, e que é ocultado pela concepção do tempo que o representa como composto por momentos sucessivos. Enquanto esta compreensão comum do tempo se baseia no privilégio ontológico concedido ao presente pelos gregos (e pelo próprio Aristóteles na Física), o renascimento da tradição ocidental de pensamento visa menos manter a sua continuidade do que libertar-nos da sua eficácia através de um processo de desobstrução, a fim de abrir um futuro genuíno.
Florence Nicolas [LDMH]