Caso aconteça essa segunda opção, então todas as experiências e realizações não serão levadas a termo senão como expressão da “VIDA” segura de “si mesma” e consideradas, por isso, como organizáveis. Por princípio, não há nenhuma experiência que pudesse colocar o homem algum dia para além de si mesmo em meio a um âmbito inexplorado, a partir do qual o homem de até aqui poderia se tornar questionável. Isto, a saber, aquela segurança de si, é a essência mais íntima do “liberalismo” que, ao que parece, quer se desenvolver livremente precisamente por isto e que pode prescrever para si o progresso por toda a eternidade. Por isto, “visão de mundo”, “personalidade”, “gênio” e “cultura” são as peças desse grande aparato e os “valores”, que de um modo ou de outro precisam ser realizados. [tr. Casanova; GA65: 19]
O domínio sobre as massas que se tornaram livres (isto é, que perderam o solo e se tornaram egoístas) precisa ser instituído e mantido com os grilhões da “organização”. Será que o assim “organizado” pode crescer uma vez mais em meio aos seus fundamentos originários, não apenas abafando o massificado, mas também transformado-o? Será que essa possibilidade ainda tem em geral uma perspectiva em face da “artificialidade” crescente da VIDA, que facilita e mesmo organiza aquela “liberdade” das massas, a acessibilidade arbitrária de tudo para tudo? O vir ao encontro do desenraizamento incessante e o fornecer apoio não devem ser subestimados por ninguém, eles são a primeira coisa que precisa acontecer. Mas será que eles permitem àqueles que agem assim precisamente os meios necessários mesmo para a transformação do desenraizamento em enraizamento? É necessário aqui ainda um outro domínio, um domínio velado e retraído, durante muito tempo particularizado e tranquilo. Aqui, os que estão por vir precisam estar preparados, eles precisam criar os novos postos no próprio ser, postos esses a partir dos quais acontece uma vez mais apropriadoramente uma constância na contenda entre terra e mundo. [tr. Casanova; GA65: 25]
Será que a decisão é capaz de trazer consigo mais uma vez a fundação dos sítios instantâneos para a fundação da verdade do seer ou será que tudo se desdobrará ainda como “luta” em torno das puras condições do prosseguimento da VIDA e do esgotamento da VIDA em dimensões gigantescas, de tal modo que a “visão de mundo” e a “cultura” não se mostrarão mais senão como apoios e como meios de luta desse “combate”? O que se prepara, então, por meio daí? A transição para o animal tecnicizado, que começa a substituir os instintos que já se tornaram mais fracos e mais toscos pelo gigantismo da técnica. Nessa direção de decisão, não é característica a tecnicização da “cultura” e a imposição da “visão de mundo”, mas sim o fato de a “cultura” e de a “visão de mundo” se tornarem meios da técnica de luta para uma vontade, que não quer mais nenhuma meta; pois conservação do povo não é nunca uma meta possível, mas apenas condição do estabelecimento de uma meta. Se a condição, porém, se transforma em algo incondicionado, então ganha o poder o não querer da meta, o seccionamento de toda meditação que venha a emergir da origem. Desaparece, então, completamente a possibilidade do conhecimento de que “cultura” e “visão de mundo” são já estacas de uma ordem do mundo, que deve ser supostamente superada. “Cultura” e “visão de mundo” não perdem o seu caráter por meio do fato de elas serem colocadas a serviço da política; quer elas sejam consideradas como valores “em si” ou como valores “para” o povo, a cada vez a meditação, se é que ela é efetivamente uma tal meditação, está firmemente encravada no não querer as metas originárias, isto é, a verdade do seer, na qual se decide pela primeira vez sobre a possibilidade e a necessidade de “cultura” e “visão de mundo”. [tr. Casanova; GA65: 45]
A decisão e a necessidade como manejos do jogado – do jogador. A decisão e a contenda. A decisão e a viragem. Tudo parece como se a decisão entre ser ou não ser já fosse sempre decidida em favor do ser, uma vez que, de qualquer modo, a “VIDA” é: querer ser. Portanto, não há absolutamente nada aqui para ser decidido. Mas o que significa aí “VIDA” e até que ponto a “VIDA” é aqui concebida? Como impulso de autoconservação. Mesmo o comum e baixo, o massificado e confortável têm o impulso para se conservar e precisamente esse. Ao mesmo tempo, a questão acerca da decisão não pode ser colocada a partir de tais considerações. [tr. Casanova; GA65: 48]
A ressonância da verdade do seer e de sua essenciação mesma a partir da indigência do esquecimento do ser. O alçar essa indigência a partir de sua profundidade enquanto ausência de indigência. O esquecimento do ser não sabe nada sobre ela, ele pensa estar junto ao “ente”, junto ao “efetivamente real”, próximo da “VIDA” e seguro do “vivenciar”. Pois ele conhece apenas o ente. Todavia, desse modo, em tal presentação do ente, esse ente é abandonado pelo seer. O abandono do ser, porém, é o fundamento do esquecimento do ser. No entanto, o abandono do ser do ente traz para o ente a aparência de que esse ente mesmo seria, então, sem qualquer necessidade de um outro, apto para ser pego e utilizado. O abandono do seer, contudo, é o ser exposto e a proibição do acontecimento apropriador. É a partir do abandono do ser que a ressonância precisa soar e ter início com o desdobramento do esquecimento do ser, no qual o outro início ressoa e, assim, o seer. [tr. Casanova; GA65: 55]
A longa hesitação da verdade e das decisões é uma recusa da via mais curta e dos maiores instantes. Nessa era, “o ente”, aquilo que se denomina o “efetivamente real”, “a VIDA” e “os valores”, é desapropriado do seer em meio ao acontecimento. [tr. Casanova; GA65: 57] [Viven-ciar] Referir o ente enquanto re-presentado em direção a si como o meio de referência e, assim, vinculá-lo “à VIDA”. Por que o homem como “VIDA” (animal rationale) (ratio – re-presentação!). Só o viven-ciado e o viven-ciável, aquilo que penetra na esfera do viven-ciar, aquilo que o homem consegue trazer para si e para diante de si, pode viger como “ente”. [tr. Casanova; GA65: 63]
9) O desdobramento do rigor de uma ciência realiza-se em meio aos modos de avanço (da assunção de uma perspectiva sobre a região de objetos) e de procedimento (de execução da investigação e da apresentação), no “método”. Esse avanço traz o âmbito do objeto respectivamente para o interior de uma determinada direção da explicabilidade, que já assegura de maneira principial a inevitabilidade de um “resultado”. (Algo sempre vem à tona). O modo fundamental do procedimento em toda explicação é a persecução e a disposição antecipativa de séries e cadeias particulares de relações incessantes de causa-efeito. A essência maquinacional do ente, apesar de não ser reconhecida enquanto tal, não apenas justifica, mas exige uma elevação sem limites desse pensar seguro dos resultados em termos de “causalidades”, que, consideradas rigorosamente, não são senão ligações “se-então” sob a forma do quando-então (ao que também pertence, por isso, a “estatística” da física moderna, que não supera de maneira alguma a causalidade, mas a traz simplesmente à luz em sua essência maquinacional). Achar que se pode conceber antes com essa causalidade aparentemente “livre” o vivente revela apenas a convicção secreta fundamental de que um dia também se colocará o vivente sob a jurisdição da explicação. Esse passo encontra-se tanto mais próximo, uma vez que, do lado da região contrária à natureza, na história, predomina o método puramente “historiológico” ou “pré-historiológico”, que pensa completamente em termos de causalidade e torna acessível a “VIDA” e o “vivenciável” ao computo causal e vê tão somente aí a forma do “saber” histórico. O fato de se admitir na história o “acaso” e o “destino” como codeterminantes atesta com maior razão o domínio único do pensamento causal, na medida em que, sim, “acaso” e “destino” só representam as ligações de causa-efeito não exata e inequivocamente calculáveis. O fato de, em geral, o ente histórico poder possuir um modo de ser completamente diverso (fundado no ser-aí), nunca pode se tornar passível de ser sabido pela historiologia, porque ela nesse caso precisaria abdicar, então, de si mesma. Pois enquanto ciência ela tem como seu âmbito de transcurso de antemão fixado o autoevidente, aquilo que é incondicionadamente consonante com uma inteligibilidade mediana, inteligibilidade essa que é exigida a partir da essência da ciência como a instituição de correções no interior do domínio e da direção de tudo o que é objetivo a serviço da utilização e do cultivo. [tr. Casanova; GA65: 76]
Caso deixemos de pensar essa tarefa do outro início (a questão acerca do “sentido” do seer na fórmula de Ser e tempo), então também fica claro que todas as tentativas, que reagem à metafísica, a qual é por toda parte idealista – mesmo como positivista são justamente re-ativas e, com isso, fundamentalmente dependentes da metafísica e, assim, elas mesmas são uma metafísica. Todos os biologismos e naturalismos, que expõem a “natureza” e o não racional como o elemento de sustentação, do qual tudo advém, como a VIDA total, na qual tudo borbulha, como o noturno em contraposição à luz etc., permanecem inteiramente no solo da metafísica e precisam dela, ainda que apenas para entrar em atrito com ela, a fim de que ainda estale e venha à tona uma faísca do que é passível de ser sabido e dito e do que é para esses “pensadores” passível de ser escrito. [tr. Casanova; GA65: 85]
A história está tão decididamente cindida que em geral não pode vigorar nenhuma região comum da diferenciação. Nessa decisão da transição não há equilíbrio e nenhum entendimento, mas longas solidões e os mais calmos encantamentos na fornalha do seer, ainda que o seer permaneça completamente reprimido por meio da palidez da aparência artificial do “ente” vivenciado de maneira maquinacional (a “realidade efetiva próxima da VIDA”). [tr. Casanova; GA65: 89]
Mesmo lá onde Nietzsche leva a campo contra o “ser” (entidade) o devir, isso acontece sob a pressuposição de que a “lógica” determina a entidade. A fuga para o interior do “devir” (“VIDA”) é metafisicamente apenas uma saída, a última saída no fim da metafísica, que porta por toda parte o sinal daquilo que Nietzsche mesmo reconheceu bem cedo como a sua tarefa: a inversão do platonismo. [tr. Casanova; GA65: 91]
2) O idealismo alemão é aquele que, prelineado por meio de Leibniz e com base no passo transcendental kantiano para além de Descartes, procurou pensar o ego cogito da apercepção transcendental de maneira absoluta e que concebeu ao mesmo tempo o absoluto na direção da dogmática cristã, de tal modo que essa dogmática alcança nessa filosofia a sua verdade propriamente dita, verdade essa que chegou a si mesma; e isto significa, cartesianamente (!), a mais elevada certeza de si. O equívoco desse idealismo alemão, se é que podemos julgar nesses âmbitos dessa forma, não reside no fato de que ele se achava “distante da VIDA”, mas, ao contrário, no fato de que ele se movimenta total e completamente na via da existência moderna e do Cristianismo, ao invés de colocar a questão do ser para além do “ente”. O idealismo alemão estava próximo demais da VIDA e propiciou de certa maneira a não filosofia do positivismo que o remiu e que agora festeja seu triunfo biologista. [tr. Casanova; GA65: 103]
5) A interpretação do ón como ousia e dessa como idea (koinon, gene) concebe a entidade do ente e, com isso, o eivai do ón (o ser, mas não o seer). Na entidade (ousia), o einai, o ser, é pressentido como aquilo que de algum modo é diverso, que não se preenche plenamente na ousia. É por isso que se busca, prosseguindo pelo mesmo caminho, isto é, pelo caminho da apreensão da presentação, ir além da entidade: epekeina tes ousias. Mas como a questão só se encontra voltada para o ente e para a sua entidade, ela nunca tem como se deparar com o seer mesmo e se dar a partir dele. O epekeina só pode ser determinado, portanto, como algo que caracteriza desde então a entidade enquanto tal em sua ligação com o homem (eudaimonia), como o agathon, o que é válido, o que fundamenta toda validade, ou seja, como condição da “VIDA”, da psyche e, com isso, de sua própria essência. Com isso, dá-se o passo em direção ao “valor”, ao “sentido”, ao “ideal”. A questão diretriz acerca do ente enquanto tal já está em seus limites e ao mesmo tempo no lugar em que ela recai uma vez mais, não concebendo mais a entidade de modo mais originário, mas apenas a a-valiando, de tal forma que a valoração mesma é exposta como o que há de mais elevado. [tr. Casanova; GA65: 110]
14) A idea não tem em vista mais agora o universal como tal no sentido grego do eidos da presentação, mas o perceptum concebido no percipere do ego, “perceptio” na ambiguidade de nossa palavra “re-presentação”; considerado com essa amplitude, também o particular e o mutável são precisamente um perceptum, idea como perceptum: a ideia no reflexo; idea como eidos: a ideia no brilho da presentação. E somente na interpretação da idea como perceptio, o platonismo transforma-se em “idealismo”, isto é, a entidade do ente torna-se agora (esse = verum esse = certum esse = ego percipio, cogito me cogitare) representidade, o ente é pensado “idealisticamente”, e, de acordo com isso, em Kant, então, as “ideias” são salvas, mas como representações e princípios da “razão” como razão humana. A partir daqui o passo para o idealismo absoluto. O conceito das “ideias” em Hegel, o aparecer absoluto para si mesmo do absoluto como saber absoluto. Com isso, a possibilidade de conceber Platão de maneira nova e estabelecer a filosofia grega como o estágio da imediatidade. O conceito hegeliano da ideia e a primeira possibilidade de uma história filosófica da filosofia a partir de seu primeiro fim. Nesse conceito estão contidas originariamente consumadas todas as determinações essenciais de sua história: 1) Ideia como aparição. 2) Ideia como a determinação do que é passível de ser sabido enquanto tal (do efetivamente real). 3) Ideia como a universalidade do “conceito”. 4) Ideia re-presentada no re-presentar, pensar do “absoluto”; Philo, Agostinho. 5) Ideia o que é sabido no cogito me cogitare (autoconsciência) (Descartes). 6) Ideia como perceptio, o representar que se desdobra gradualmente, unificada com a vontade, perceptio e appetitus (Leibniz). 7) Ideia como o incondicionado e como o “princípio” da razão (Kant). 8) Todas essas determinações originariamente unificadas na essência do saber absoluto que media a si mesmo, que se sabe como consumação não apenas de toda e qualquer figura da consciência, mas mesmo da filosofia até aqui. 9) O que vem depois de Hegel é, visto filosoficamente, por toda parte recaída e decadência no positivismo e na filosofia da VIDA ou ontologia escolástica, e, visto cientificamente, difusão e posicionamento correto de muitos conhecimentos sobre a ideia e sua história; mas mesmo nessa perspectiva erudita continuam sempre diretrizes, ainda que com frequência quase não se tenha como tomar conhecimento disso, pontos de vista hegelianos, sem que eles consigam desdobrar a sua força metafísica de suportação. A partir dessas fontes turvas, então, a “filosofia atual” haure os seus “conceitos”-“ideias”. 10) Uma vez que Hegel reuniu com essa fundamentação da “ideia” enquanto realidade efetiva do efetivamente real toda a história da filosofia até aqui, mesmo a pré-platônica, e uma vez que esse saber se concebeu como um saber de si mesmo absoluto em seus estágios e na série de seus estágios, ele alcançou a posse de uma necessidade emergente da essência da entidade (ideia), de acordo com a qual os níveis da história das ideias precisaram se nivelar. Em outras palavras, sua história da filosofia vista a partir de sua questão foi a primeira história filosófica da filosofia, o primeiro questionamento apropriado da história, mas também a última e ao mesmo tempo a última possível desse tipo. O que sucede aqui na totalidade é um trabalho importante de eruditos, mas, no fundo, isto é, filosoficamente, não passa de um balbuciar incessante e disperso, que só se refere à sua unidade a partir da sequência dos filósofos e de seus escritos ou “problemas”. O que pertence ao conceito do “idealismo”: 1) idea como presentação do quid e sua constância (isso, porém, recai sem ser concebido em esquecimento e é mal interpretado como o ens entium enquanto aeternum!); 2) O noein (logos), mas ainda não fixado no “eu”, mas psyche, zoe; 3) Não obstante, com isso prelineado: o perceptum, o re-presentado, aquilo que pode ser trazido para diante de si, o que se presenta, de um percipere, que é ego percipio como cogito me cogitare; o se co-representar como aquilo para o que algo é representado; em sua visão e face, o aspecto a-parece; 4) Ter sido representado como caráter daquilo que se encontra contraposto (objetualidade) e como certeza de “si mesmo” (eu) como fundamento do caráter do que se encontra contraposto (objetualidade), isto é, da entidade (ser e pensar). [tr. Casanova; GA65: 110]
21) Os últimos prolongamentos e consequências do platonismo no presente: a) Tudo o que se denomina “ontologia” e quer ou não quer ser tal “ontologia”; mesmo a adversariedade, por exemplo, a adversariedade sobre a base de um kantismo, permanece no mesmo âmbito das condições para “ontologias”. b) Toda metafísica cristã e a-cristã. c) Todas as doutrinas, que têm por meta “valores”, “sentido”, “ideias” e ideais; e, de maneira correspondente, as doutrinas que negam isso, o positivismo e o biologismo. d) Todos os tipos de “filosofia da VIDA”, para as quais a questão do ser permanece alheia até mesmo sob a forma autêntica da questão diretriz até aqui (Dilthey). e) Por completo aquelas direções, que misturam tudo o que foi previamente citado, que ensinam ideias e valores e, ao mesmo tempo, acentuam a “existência” em termos de uma filosofia da “VIDA”. Aqui, a mais extrema confusão é elevada ao nível do princípio e se abandona todo pensar e questionar autênticos. f) Por fim, a filosofia de Nietzsche que, precisamente porque se concebe como inversão do platonismo, recai nesse platonismo pela porta dos fundos. Mesmo onde Nietzsche é voltado por fim para fora do platonismo e de sua inversão, não se chega a uma formulação originariamente superadora da questão acerca da verdade do seer e acerca da essência da verdade. [tr. Casanova; GA65: 110]
A ramificação mais extrema e ao mesmo tempo mais fatídica do “idealismo” se mostra lá onde ele aparentemente é abandonado, sim, até mesmo combatido (quando, por exemplo, se contesta e se nega ao Idealismo alemão a proximidade com a VIDA). Esse idealismo tem a figura do biologismo, que é e quer ser segundo sua essência necessariamente plurissignificativo. Pois com o ponto de partida na “VIDA” enquanto realidade efetiva fundamental (“VIDA” como vida-de-tudo e, ao mesmo tempo, como VIDA humana) é possível assegurar de imediato duas coisas: VIDA como ação e como fazer é um ir além e um prosseguir e se acha assim dirigida para além de si rumo ao “sentido” e ao “valor”, ou seja, “idealismo”: mas, é assim que se pode revidar imediatamente, não da forma de VIDA da representação e da “consciência”, mas do vivenciar e do efetivamente atuar, VIDA e vivência; tudo isso soa “realista”, mas também pode se permitir, se necessário, ser considerado também e precisamente como o mais elevado idealismo. Essas ambiguidades dão a aparência de amplitude e de profundidade, mas são apenas a consequência de uma falta completa de fundamento desse “pensar”, que é completamente superficial e intencionalmente cego para a sua origem histórica, de tal modo que ele falsifica ao extremo o que é mais palpável com a duvidosa vantagem de encontrar imediatamente concordância. [tr. Casanova; GA65: 110]
Por mais certamente que a história do fim prossiga e, medida a partir dos dados presentes, por mais que ela se mostre mais “viva” e “mais rápida” e confusa do que nunca, a própria transição permanecerá o que há de mais questionável e antes de tudo o que há de mais desconhecido. O homem, em pequeno número e sem conhecer a si mesmo, se preparará em meio ao campo de jogo temporal do ser-aí e se reunirá em uma proximidade com o seer, proximidade essa que precisa permanecer estranha para todos aqueles que se encontram “próximos da VIDA”. A história do seer conhece em longos espaços de tempo, que são para ela apenas instantes, acontecimentos apropriadores raros. Os acontecimentos apropriadores enquanto tais: o remetimento da verdade ao seer, a precipitação da verdade, a solidificação de sua inessência (da correção), o abandono do ser do ente, a entrada do seer em sua verdade, o atiçar do fogo da lareira (da verdade do seer) como o sítio solitário do passar ao largo do último deus, o reluzir da unicidade única do seer. Enquanto a destruição do mundo até aqui enquanto autodestruição alardeia em meio ao vazio o seu triunfo, a essência do seer se reúne em sua mais elevada vocação: enquanto acontecimento da apropriação do âmbito de decisão sobre a divindade dos deuses, apropriar-se do fundamento e do campo de jogo temporal, isto é, do ser-aí, na unicidade de sua história. [tr. Casanova; GA65: 116]
“A VIDA” é um “modo” da entidade (seer) do ente. A abertura inicial do ente para ela em meio ao resguardo do si mesmo. O primeiro obscurecimento no resguardo do si mesmo funda a perturbação do vivente, na qual toda excitação e excitabilidade se realizam, assim como os diversos níveis do escuro e de seu desdobramento. [tr. Casanova; GA65: 154]
Cristalização e recaída da VIDA da abertura do começo. De acordo com isso, também nenhum fechamento, na medida em que o vivente não é levado consigo – “terra” (pedra, planta, animal). Pedra e corrente não sem planta, animal. Como se acha e como se toma a decisão em relação à “VIDA”? A meditação sobre o “biológico”. [tr. Casanova; GA65: 154]
Aqui, porém, nesse elemento extremo, a palavra precisa da violência, e essenciação não deve denominar algo que ainda se acha muito para além do seer, mas algo que dá voz ao seu interior, o acontecimento apropriador, aquele contramovimento de seer e ser-aí, no qual os dois não se mostram como polos presentes à VIDA, mas como a pura oscilação mesma. [tr. Casanova; GA65: 164]
O estar ausente neste sentido em primeiro lugar, onde se dá o ser-aí. Ausente: o afastamento, o alijamento do seer, aparentemente apenas do “ente” para si. Nisso ganha voz por outro lado a ligação essencial do ser-aí com o seer. Nós somos na maioria das vezes e em geral ainda no estar ausente, precisamente na “proximidade com a VIDA”. Essa “explicitação” poderia ser facilmente apresentada como um caso exemplar de como se “filosofa” aqui a partir de meras “palavras”. Mas trata-se do oposto: o estar ausente transforma-se na denominação de um modo essencial de o homem se comportar em relação a e de se manter em relação com o ser-aí, e, em verdade, necessariamente; e esse ser-aí mesmo experimenta com isso uma determinação necessária. [tr. Casanova; GA65: 177]
A Crítica da razão pura de Kant, na qual se dá uma vez mais desde os gregos um passo essencial, precisa pressupor esse contexto, sem apreendê-lo enquanto tal e sem poder trazê-lo mesmo a um fundamento (a ligação na viragem entre ser-aí e ser). E como esse fundamento não foi fundado, a crítica permaneceu sem fundamento e precisou conduzir ao ponto em que logo se prosseguiu para além dela e, em parte, com os seus próprios meios (o questionamento transcendental) em direção ao saber absoluto (Idealismo alemão). Como o espírito se tornou aqui absoluto, ele precisou conter a destruição do ente e a completa repressão da unicidade e do estranhamento do seer, acelerando a recaída no “positivismo” e no biologismo (Nietzsche) e calcificando-a cada vez mais até bem pouco tempo. Pois a “confrontação” atual com o Idealismo alemão, se é que ela merece ser chamada assim, é apenas “reativa”. Ela absolutiza “a VIDA” em toda a indeterminação e confusão que pode se esconder por detrás desse nome. A absolutização não é apenas o sinal para o ser determinado pelo adversário, ela é antes de tudo a indicação para o fato de que se chega ainda menos do que com ele a uma meditação sobre a questão diretriz da metafísica. [tr. Casanova; GA65: 193]
Aqui se encontra também o fundamento para o fato de que a questão da verdade, que Nietzsche formula aparentemente a partir de uma força originária de questionamento e de decisão, não é precisamente nele formulada, mas, completamente a partir da posição fundamental na “VIDA”, é antes explicada biologicamente como asseguramento da VIDA, e isso a partir de um embasamento na interpretação tradicional do ente (como constância e presentidade). [tr. Casanova; GA65: 193]
Se, então, o representar é completamente inserido na “VIDA”, então acontece o completo velamento do caráter originário de ser-aí do re-presentar. Esse representar mesmo só continua sendo avaliado segundo a sua utilidade e valor, e, em tal avaliação, também lhe é atribuída a interpretação, que ele só pode requisitar como “saber” em face do ato. [tr. Casanova; GA65: 193]
O ser-aí, concebido como ser do homem, já se encontra na conceptualidade prévia. A questão relativa à sua verdade continua sendo como o homem, se tornando mais essente, se recoloca no ser-aí, fundando-o, assim, a fim de se expor, com isso, à verdade do seer. Mas esse colocar-se e sua constância se fundam no acontecimento da apropriação. Por isto, é preciso perguntar: Em que história o homem precisa se encontrar, para que ele se torne pertinente ao acontecimento da apropriação? Ele não precisa ser empurrado de antemão para o interior do aí, cujo acontecimento se torna manifesto para ele como jogado? O caráter de jogado só é experimentado a partir da verdade do seer. Na primeira indicação prévia (Ser e tempo), ele ainda permanece passível de uma interpretação falsa no sentido de uma ocorrência casual do homem sob o outro ente. Em direção a que poder, terra e corpo são desdobrados a partir daqui. O ser do homem e a “VIDA”. Onde estaria o impulso para pensar em direção ao ser-aí senão na essência do próprio seer. [tr. Casanova; GA65: 194]
Só a partir do ser-aí é possível conceber a essência do povo e isso significa ao mesmo tempo saber que o povo nunca pode ser meta e fim e que tal opinião não é senão uma ampliação “populista” da ideia “liberal” de “eu” e da representação econômica da conservação da “VIDA”. A essência do povo, porém, é sua “voz”. Precisamente essa voz não fala com a assim chamada verborragia imediata do “impessoal” vulgar, natural, inculto e inexplorado. Pois esta testemunha assim conclamada é já muito espoliada e não se movimenta mais há muito tempo nas ligações originárias com o ente. A voz do povo fala raramente e apenas em poucos, e será que eles ainda estão em condições de deixá-la ressoar? [tr. Casanova; GA65: 196]
Expelidos dessa verdade e cambaleando no abandono do ser, nós não sabemos senão muito pouco sobre a essência do si mesmo e sobre os caminhos para o saber autêntico. Pois por demais tenaz é o primado da consciência “egoica”, sobretudo porque essa consciência pode se esconder em múltiplas figuras. As mais perigosas são aquelas, nas quais o “eu” sem mundo teria aparentemente abdicado de si e se entregue a um outro, que seria “maior” do que ele e ao qual ele é atribuído de maneira parcial e parte a parte. A dissolução do “eu” na “VIDA” como povo: aqui, a superação do “eu” é viabilizada a partir do abandono da primeira condição de tal superação, a saber, a meditação sobre o ser-si-mesmo e sobre sua essência, que se determina a partir da atribuição apropriadora e da sobreapropriação. [tr. Casanova; GA65: 197] [O projeto e o ser-aí] Ele é primeiro o entre, em cuja abertura o ente e a entidade são diferenciáveis; e isso de tal modo, com efeito, que só o ente mesmo (isto é, justamente velado, ele enquanto tal e, com isso, de acordo com a sua entidade) é de saída experimentável. A mera transição para a essência como idea desconhece o projeto do mesmo modo que o recurso à necessária dação prévia do “ente”. Como é, porém, que o projeto e sua essenciação enquanto ser-aí permanecem encobertos pelo predomínio da re-presentação? Como a representação se transforma na relação sujeito-objeto e na “consciência” de que eu-represento? E como, em contrapartida, então, a VIDA é acentuada? Essa re-ação, por fim, em Nietzsche é a prova da não originariedade de seu questionamento. [tr. Casanova; GA65: 203]
A certeza, porém, enquanto certeza do eu, aguça a interpretação do homem enquanto animal racional. A consequência desse processo é a “personalidade”, da qual muitos ainda hoje acreditam e gostariam de fazer crer, que ela seria a superação da egocidade, lá onde ela só pode ser de qualquer modo o seu encobrimento. O que significa isso, porém, o fato de, ainda em Descartes, se tentar justificar a própria certeza como lumen naturale a partir do ente supremo como creatum do creator? Que forma assume esse nexo mais tarde? Em Kant como doutrina dos postulados! No Idealismo Alemão como a absolutidade do eu e da consciência! Tudo isso é apenas com base no transcendental de formas posteriores, estabelecidas mais profundamente, do curso de pensamento cartesiano: ego, ens finitum, causatum ab ente infininito. Por esta via, a humanização de início pré-determinada do ser e de sua verdade (eu – certeza racional) é alçada ao nível do absoluto e, assim, aparentemente superada de maneira própria; e, contudo, tudo isso é o contrário de uma superação, a saber, o enredamento mais profundo no esquecimento do ser. E até mesmo aquele tempo, que surge depois da metade do século XIX, não tem nem mesmo um saber sobre esse empenho da metafísica, mas mergulha na técnica da “teoria da ciência” e se reporta aí, não completamente sem razão, a Platão. O Neokantismo, que também afirma a filosofia da “VIDA” e da “existência”, porque os dois, por exemplo, Dilthey da mesma maneira que Jaspers, permanecem sem nenhuma ideia daquilo que propriamente aconteceu na metafísica ocidental e que precisa se preparar como a necessidade do outro início. [tr. Casanova; GA65: 212]
Nietzsche não chega, porém, a uma posição livre em sua meditação sobre a “verdade”, porque ele: 1) Refere a verdade à “VIDA” (de maneira “biológico”-idealista) como asseguramento da VIDA. “A VIDA” é estabelecida simplesmente como realidade efetiva fundamental e lhe é atribuído o caráter universal do devir. 2) Ao mesmo tempo, porém, Nietzsche concebe o “ser” como o “constante”, completamente no sentido da mais antiga tradição platônica; e como esse elemento constante, visto a partir da VIDA e com vistas a ela, ele é o fixado e assim respectivamente “verdadeiro”. 3) Este conceito de verdade erigido com vistas à “VIDA” e determinado a partir do conceito tradicional de ser está, além disso, completamente na via da tradição, na medida em que a verdade é uma determinação e um resultado do pensamento e da re-presentação. O ponto de partida dessa opinião corrente em Aristóteles. Tudo isso assumido sem questionamento impede uma pergunta mais originária acerca da essência da verdade. [tr. Casanova; GA65: 234]
Na medida em que a essência da verdade se encontra em meio às suas últimas meditações (cf a sua sentença sobre a relação entre a verdade (do saber) e a arte; cf a doutrina da perspectiva dos impulsos), tudo conquista uma nova vitalidade, que, porém, não deve nos iludir quanto ao caráter fragmentário das bases – sobretudo não, quando se leva em conta o fato de que Nietzsche quer superar o platonismo à sua maneira. Com efeito, porém, apesar de tudo, Nietzsche parece ter vinculado uma vez mais a essência da verdade com a VIDA. Mas será que ele chegou a ter clareza quanto à verdade desse ponto de partida “da VIDA” e, com isso, da vontade de poder e do eterno retorno do mesmo? À sua maneira, com certeza, pois ele compreende esses projetos do ente como uma tentativa que fazemos com a “verdade”. Essa filosofia deve ser um asseguramento da “VIDA” enquanto tal; de tal modo, com efeito, que ele a libere em suas possibilidades inexcedíveis. E reside supostamente aqui um passo no pensamento nietzschiano, cuja dimensão nós ainda não temos como mensurar, porque nós estamos próximos demais dele e, por isso, somos obrigados a ver tudo ainda por demais no campo de visão (“da VIDA”), que Nietzsche no fundo queria superar. Tanto mais necessário será para nós perguntar de maneira mais originária e, assim, não decair precisamente na opinião equivocada de que o questionamento nietzschiano estaria com isso “resolvido”. [tr. Casanova; GA65: 234]
O que sobrecarrega tanto e quase chega mesmo a bloquear o pensamento mais próprio de Nietzsche é a intelecção do fato de que a essenciação da verdade significa: ser-aí, isto é, encontrar-se em meio à clareira do que se encobre e haurir daí o fundamento e a força do ser humano. Pois, apesar das ressonâncias do “perspectivismo”, a “verdade” continua enredada na “VIDA” e a VIDA mesma, de maneira quase coisal, um centro de vontade e de força, que quer sua elevação e superelevação. [tr. Casanova; GA65: 234]
Da maneira mais profunda possível, Nietzsche parece levar a pergunta até o cerne da essência da verdade, lá onde ele acolhe a questão “o que significa toda vontade de verdade?” e onde ele designa o saber em torno dessa questão como “o nosso problema” (VII, 482). Sua solução é: vontade de verdade é vontade de aparência e isso necessariamente como uma vontade de poder, como asseguramento da VIDA; e essa vontade em sua dimensão mais elevada na arte, razão pela qual a arte tem mais valor do que a verdade. Mas a vontade de “verdade” é, de acordo com isso, ambígua: ela é enquanto fixação uma contrariedade em relação à VIDA e, enquanto vontade de aparência, enquanto transfiguração, elevação da VIDA. O que é que essa vontade quer entre nós é a questão de Nietzsche. E, contudo, mesmo essa questão e esse saber em torno dessa questão não são originários (abstraindo-se completamente do ponto de partida da “VIDA” e da interpretação do “ser”). Pois Nietzsche toma como definido o que a verdade é; ele considera suficientemente fundada a interpretação que ele dá da essência, a fim de acolher, assim, imediatamente a questão aparentemente mais aguda e mais originária (porque ligada à “vontade de poder”). Todavia, o que é a verdade e, antes de tudo, a partir de onde nós sabemos o que é a verdade? A questão acerca do que a verdade é já não pressupõe a verdade? E que tipo de pressuposição é essa e como é que nós a resgatamos? [tr. Casanova; GA65: 234]
Verdade é, para Nietzsche, uma condição da VIDA, que é ela mesma contra a VIDA. De acordo com isto, a VIDA necessita desse contra-o-que (o que se anuncia aqui? A ligação não experimentada a partir do fundamento e trazida para o espaço livre, assim como não fundada em representação e pensamento, com o “ente” enquanto tal?). Mas como “a VIDA” já é a realidade efetiva no sentido do maximamente plurissignificativo idealismo, que prescreveu para si o positivismo, a verdade precisa ser estabelecida de antemão como mera condição, vinculada à VIDA. Por isto, a questão última e aparentemente originária permanece a questão acerca de seu “valor”: em que sentido, degradante, apaziguador, coassegurador ou elevador, ela é condição da “VIDA”. Como é, porém, que se chega em geral ao critério de medida do “valor” para a VIDA? A VIDA mesma não exige decisões sobre as suas condições? Que VIDA? E se ela exige algo assim, então há a questão de saber como as próprias condições e as decisões sobre isso pertencem à “VIDA” e o que, então, significa “VIDA”. [tr. Casanova; GA65: 234]
Se a vontade de poder é o querer-para-além-de-si e, dessa maneira, o chegar-a-si-mesmo, então a verdade se revela, naturalmente compreendida de maneira diversa da de Nietzsche, como a condição da vontade de poder. O para-além-de-si, se não é apenas uma elevação numérica, mas abertura e fundação, exige a abertura do tempo-espaço. Visto assim, a verdade não é apenas como vontade de verdade uma condição da VIDA, mas o fundamento de sua essentia como vontade de poder. Com certeza, mostra-se aqui toda a plurissignificância da “VIDA” e resta a questão de saber se e como aqui uma ordem hierárquica é passível de ser estabelecida, por exemplo, em correspondência à doutrina leibniziana da mônada. [tr. Casanova; GA65: 234]
Ora, mas em que se baseia a determinação da essência da verdade como encobrimento clareador? Em uma parada junto à aletheia. Mas quem foi que imaginou a aletheia algum dia normativamente, e de onde provém o direito a esse elemento tradicional, e, contudo, ao mesmo tempo esquecido? Como é que podemos conceber um estado na essência da verdade, sem que todo “verdadeiro” permaneça apenas um engodo? Por meio de uma fuga em direção ao cerne da realidade efetiva próxima à VIDA de uma “VIDA” bastante questionável, não há como conquistar nada aqui. É natural tentar descobrir se, na questão “por que é a verdade?”, a verdade não se deixa desdobrar como o fundamento do porquê e, assim, determinar em sua essência. Mas a questão já parece presa a um saber em torno da “verdade”, de maneira bastante indeterminada, confusa e habitual, para tornar uma vez mais questionável se um recurso a tal saber e opinar resiste. Para onde andamos de maneira cambaleante, quando nos libertamos da aparência e do visado? O que aconteceria se, apesar disso, nós alcançássemos a proximidade do acontecimento apropriador, que pode ser obscurecido em sua essência, mas, de qualquer modo, ainda mostra o fato de que entre nós e o seer um entre se essencia e que esse entre mesmo pertence à es-senciação do seer. [tr. Casanova; GA65: 236]
A essência do povo está fundada na historicidade dos que se pertencem a partir do pertencimento ao deus. Do acontecimento apropriador no qual esse pertencimento se funda historicamente emerge pela primeira vez a fundamentação da razão pela qual “VIDA” e corpo, geração e gênero, estirpe, dito na palavra fundamental: a terra, pertencendo à história e recolhendo ao seu modo em si uma vez mais a história, e, em tudo isso, sendo útil à contenda entre terra e mundo, é sustentada pelo mais íntimo pudor de ser a cada vez algo incondicionado. Pois sua essência é, porque ela é íntima da contenda, ao mesmo tempo próxima do acontecimento apropriador. [tr. Casanova; GA65: 251]
Os que estão por vir do último deus recontestarão na contestação dessa contenda o acontecimento apropriador e, no mais amplo olhar retrospectivo, se lembrarão do que de maior foi criado como a unicidade preenchida e como a singularidade do ser. Ao lado daí, o elemento massificado liberará todas as intrigas de sua fúria e decantará tudo o que há de incerto e de parcial, tudo aquilo que se consola com o que se tinha até aqui. Será que, então, o tempo dos deuses se dissipará e a recaída na mera VIDA de seres pobres de mundo começará, seres esses para os quais a terra restará apenas como o explorável? [tr. Casanova; GA65: 252]
Desde Descartes, contudo, o a priori não é “subjetivo”, mas precisamente “objetivo”, ele é aquilo que sustenta a objetividade do objeto, o caráter contraposto do que se contrapõe no re-presentar e para o que re-presenta. Somente quando o sujeito é falsamente interpretado como a coisa egoica presente à vista particularizada e o re-presentar, ao invés de permanecer em sua essência, é degradado e transformado em uma propriedade que ocorre, é que o “apriorístico” (a entidade no sentido do caráter do que se encontra contraposto) pode ser mal compreendido subjetivisticamente como o “meramente” subjetivo. Por maior que possa ter sido o passo dado por Kant, por maior que possa permanecer a diferença entre o idealismo absoluto da filosofia pós-kantiana e Kant, por mais confusamente que tudo possa ter decaído em um elemento parcial e árido característico da interpretação “lógica” e “biológica” do a priori e ainda venha à tona dessa forma em Nietzsche, todas essas diferenças não podem ocultar a uniformidade simples de toda a história desse questionamento acerca do ser (acerca da entidade, sob a forma da questão o que é o ente). A história dessa questão acerca do ser é a história da metafísica, do pensar, que pensa o ser como ser do ente a partir desse e com instas a ele. O fato de essa questão acerca do ser não ser apenas apoderada em seu início pelo ente (o que se mostra como o fundamento da despotencialização da physis e da aletheia); o fato de esse primado do ente atravessar a história da metafísica, como essencial para ela, se mostra da maneira mais impressionante possível lá onde desde os gregos a questão do ser foi levada a termo da maneira mais pura possível: em Kant. Juntamente com a descoberta do transcendental temos o estabelecimento da experiência como o único âmbito normativo do ente. A entidade como “condição de possibilidade” do objeto da experiência e essa experiência mesma é, por sua parte, condicionada pelo primado do ente na dotação de medida para aquilo que deve vigorar como ser. O ente no questionamento transcendental kantiano, a “natureza”, é, com efeito, visto à luz da física newtoniana, mas ele é visado metafisicamente (histórico-metafisicamente) no sentido do physei ón e, por fim, da physis. Todavia, o idealismo absoluto parece superar o primado do ente. Pois a determinação exclusiva do objeto a partir da objetualidade (isto é, o afastamento da “coisa em si”) não significa, de qualquer modo, outra coisa senão o erigir do primado da entidade em relação ao ente. Por isto, por exemplo, é impossível pensar concomitantemente a Fenomenologia do espírito de Hegel precisamente em seu começo (“a certeza sensível”), sem que já se tenha pensado de antemão absolutamente a vinculação do objeto sensível à realidade efetiva do espírito absoluto. O que significa isso senão que o ente perdeu o seu primado diante do ser? E, contudo, reside nessa interpretação a má interpretação propriamente dita do idealismo. Também ele se retém junto ao primado do ente diante da entidade, só que ele esconde essa relação e desperta a aparência do inverso. Toda objetualidade, todo nível de objetualidade enquanto tal é, de fato, determinada a partir da objetualidade absoluta. A objetualidade enquanto tal já está, contudo, segundo a sua essência, para não falar de sua proveniência em termos da história do ser, não apenas ligada ao objeto, mas também determinada a partir do objeto como uma interpretação determinada do ente e com base no ponto de partida no ente. Por meio da suspensão no saber absoluto, a objetualidade parece desaparecer. Todavia, ela é apenas estendida em direção à autoconsciência e à razão. E precisamente isso, o fato de a entidade se fundar na subjetividade absoluta, diz, sim, que esse ente, o sujeito, como meio referencial de todo re-presentar-se, decide sobre a entidade e sobre o que pode pertencer a ela, sobre as formas essenciais e os níveis da representidade. Assim, mostra-se no idealismo absoluto até mesmo um privilégio do ente em relação à entidade, diferentemente do que acontece com os gregos, na medida em que o seer se determina a partir do sujeito e isso significa ao mesmo tempo a partir do objeto. Em termos da história do ser, essa determinação é apenas uma modulação da presentidade constante em meio ao ter-sido-colocado-diante-de-si do sujeito. Por isso, no idealismo absoluto, que parece dissolver tudo de volta no ser, realiza-se a completa despotencialização do ser em favor do predomínio indiscutível e ilimitado do ente. É somente por meio da ingenuidade filosófica da “teoria do conhecimento” e da interpretação “epistemológica” do idealismo que pôde surgir a falsa opinião de que o “idealismo” estaria distante da realidade efetiva e de que uma conversão ao “realismo” precisaria ajudá-lo nesse ponto. Ora, o “realismo” do século XIX vive inteiramente do idealismo absoluto. Nenhuma conversão pode ser levada a termo, mas apenas o degradar-se em meio à interpretação não filosófica do idealismo, interpretação essa por meio da qual, então, com certeza, a despotencialização nele velada do ser parece justificada a partir do empreendimento do ente, que precisa se salvar na ideia de valor, lá onde lhe restou ainda tanto em termos de circunspecção que ele reconhece como é que a afirmação incondicional do real e efetivo e da “VIDA” (do ente, portanto) carece de um rastro do não-ente, que não se consegue mais naturalmente saber como ser. Caso a “consideração” da história da metafísica se enrijeça nas perspectivas do “idealismo” e do “realismo”, então o “idealismo” aparecerá a qualquer momento como a postura filosoficamente mais autêntica, na medida em que, nela, o ser ainda ganha voz em face do ente. Apesar disso mantém-se o fato de que, no “idealismo”, se realiza a despotencialização filosófica (no realismo, porém, a desprovida de filosofia) do ser. Saber disso é necessário para não se interpretar de maneira equivocada imediatamente a transição da metafísica para o outro modo de questionamento acerca do ser. [tr. Casanova; GA65: 259]
Se pensarmos de maneira suficientemente decidida a essência do homem ainda que apenas na determinação há séculos habitual enquanto animal racional, então não poderemos passar ao largo da referência que há muito tempo se tornou insípida e vazia ao ser, uma referência que ainda é visada na “racionalidade” desse ser vivo. Diante da perplexidade rapidamente crescente em face da essência “metafísica” da razão, as pessoas podem buscar salvação no último processo normativo ligado a Nietzsche e “reconduzir” a “razão” (e tudo aquilo que se movimenta sob outros títulos na esfera dessa “propriedade” do ser vivo) “à” VIDA. Com o espírito do auto-evidente e do facilmente demonstrável, é possível ousar se lançar na direção de expor a razão como uma mera irradiação “da VIDA” e, com isso, como algo ulterior; é possível auxiliar esse modo de pensar de maneira tão desprovida de exceções a chegar a um caráter corrente na representação uni-versal. Apesar disso, nada se altera na consonância essencial da “razão” no sentido da apreensão do ser do ente. Todas aquelas posições ligadas à assunção de um primado “da VIDA” coincidem, sim, elas mesmas no nada, se é que aquilo que, como a razão, é “dependente” dele, portar em si mesmo e imperar, contudo, completamente sobre a essência do homem: o fato de que em meio ao ente, se comportando em relação a ele como tal, ele é um ente, sim, “o” ente, tal como a determinação moderna o concebe no sentido do “subjectum”. Por mais que essa determinação possa se reportar no tempo subsequente à “VIDA”, ela é, contudo, o atestado mais forte, que apenas vai se tornando correspondentemente cada vez mais cego, da essência metafísica do homem; esquecer-se disso e se manter no esquecimento é algo empreendido por todas as instituições “da VIDA” e por todas as construções do “mundo”. [tr. Casanova; GA65: 259]
O gigantesco desdobra-se no elemento calculador e sempre traz, assim, algo “quantitativo” à tona. Todavia, enquanto domínio incondicionado do representar e do produzir, ele mesmo é uma negação, que não se apodera de si mesma e nunca se sabe precisamente na mais elevada certeza de si, da verdade do seer em favor do “racional” e do “dado”. O gigantesco leva a termo a consumação da posição metafísica fundamental do homem, que volta para o interior da inversão de sua figura e interpreta todas as “metas” e “valores” (“ideais” e “ideias”) como “expressão” e como um aborto da mera “VIDA” “eterna” em si. Os fenômenos de primeiro plano do gigantesco devem tornar essa “origem” representável na “VIDA” da maneira o mais penetrante possível, isto é, devem con-statar historiologicamente para a era do gigantismo, e ratificar isso diante dele mesmo em sua “vitalidade”. Se os “valores” e as “metas” são substituídos pela “razão” ou se eles emergem em si a partir do “instinto” da VIDA “natural” e “saudável”, desdobra-se por toda parte aqui o “subjectum” (homem) em direção ao ponto central do ente; e isso de tal modo, em verdade, que todas as formas culturais e políticas de configuração trazem da mesma maneira e de modo igualmente necessário o gigantesco ao poder, empreendendo o cálculo historiológico com a história e a contabilização da história como encobrimento da ausência de metas e assegurando o desvio em relação às decisões essenciais por toda parte de maneira discreta e inconsciente. [tr. Casanova; GA65: 260]
Entrementes, porém, o ente se tornar cada vez mais poderoso sob a forma do elemento objetivo e do elemento presente à vista. O seer foi restrito à derradeira palidez do mais subtraído conceito universal e tudo o que é “universal” está submetido à suspeita de ser impotente e efetivamente irreal, do que é apenas “humano” e, por isso, também “alheio à essência”. Na medida em que o seer é colocado sob a máscara do que há de mais universal e vazio, ele não carece mais nem mesmo de uma rejeição expressa em favor do ente. Chega-se ao ponto de “prosseguir” sem o ser. Esse estado singular da história do homem “felizmente” quase não é reconhecido por ele, para não falar de ele ser concebido ou mesmo acolhido na vontade da história. De saída, ele impele severamente para as suas próximas consequências. Logo se prossegue agora mesmo sem o ente e se satisfaz com os objetos, isto, se encontra toda “VIDA” e toda realidade efetiva no empreendimento do elemento objetivo. De uma vez só, o procedimento e o erigir, a mediação e a expulsão se mostram como mais essenciais do que aquilo para o que tudo isso está voltado. A “VIDA” é tragada para o cerne da vivência e essa vivência mesma se eleva em direção à instituição do vivenciar. A instituição do vivenciar é a mais elevada vivência, na qual “o impessoal” se reúne. O ente só se mostra ainda como um ensejo para essa instituição, e o que pode ser nesse caso ainda o seer? Nesse ponto, contudo, o ponto decisivo da história é vislumbrado para a meditação e desperta o saber de que só na travessia pelas decisões extremas é possível salvar ainda uma história em face do gigantesco da ausência de história. Por isso, procuramos em vão pela história, isto é, por sua tradição historiológica, a fim de nos depararmos com o seer mesmo como projeto. Se é que um aceno para essa essência do seer nos tocará um dia, nós precisaremos estar já equipados para experimentar a aletheia de maneira consonante com o primeiro início. De qualquer modo, porém, o quanto estamos distantes disso e, com certeza, definitivamente distantes? [tr. Casanova; GA65: 262]
O fato, porém, de essa diferenciação poder ser denominada como a estrutura de campo da metafísica ocidental e o fato de ela precisar ser denominada sob essa forma indeterminada têm sua razão de ser na história inicial do próprio seer. Na physis encontra-se implicado o fato de que, para a representação maximamente universal (pensar), o ser é o que mais se presenta de maneira mais constante e, enquanto um tal ente que se presenta, o fato de que ele é o vazio da atualidade mesma. Na medida em que o pensamento se embrenhou no domínio da “lógica”, esse elemento atual de tudo o que se presenta (do presente à vista) se transforma no que há de mais universal, e, apesar da rejeição de Aristóteles, que afirma que ele não seria um genos, no “que há de mais genérico”. Se levarmos em consideração essa proveniência histórica da diferença ontológica a partir da própria história do ser, então o saber dessa proveniência já impõe uma distância prévia em relação ao pertencimento à verdade do ser, a experiência de que nós, sustentados pela “diferença ontológica” em todo ser do homem enquanto ligação com o ente, permanecemos expostos ao poder do seer por meio daí de maneira mais essencial do que em toda e qualquer ligação ainda “próxima da VIDA” com qualquer coisa “real e efetiva”. E isso, o ter sido inteiramente afinado do homem pelo próprio seer, precisa ser levado à experiência por meio da denominação da “diferença ontológica”; a saber, caso a questão do ser mesma tenha de ser desperta enquanto questão. Por outro lado, porém, com vistas à superação da metafísica (a conexão de jogo histórica do primeiro e do outro início), é preciso que tenha ficado clara a “diferença ontológica” em seu pertencimento ao ser-aí; visto a partir daí, ela nos volta para uma, sim, para a “estrutura fundamental” do próprio ser-aí. [tr. Casanova; GA65: 266]
A partir da lembrança de diferenciações antigas que se tornaram usuais até o seu fim em Nietzsche (ser e devir), poder-se-ia tomar a determinação do seer como acontecimento apropriador do mesmo modo como uma interpretação do ser enquanto “devir” (“VIDA”, “movimento”). Para não falar de modo algum da recaída inevitável na metafísica e da dependência das representações do “movimento”, da “VIDA” e do “devir” em relação ao ser como entidade, tal interpretação do acontecimento apropriador afastaria completamente desse acontecimento, uma vez que ela fala do acontecimento apropriador como um objeto, ao invés de deixar que essa essenciação mesma e apenas ela fale, para que o pensar permaneça um pensar do seer, que não enuncia algo sobre o seer, mas fala em meio a um dizer, que pertence ao re-dito e que alija de si todas as objetivações e falsificações em algo situativo (ou “fluente”); e isso porque se entraria imediatamente com isso no plano do re-presentar e porque a inabitualidade do seer é negada. [tr. Casanova; GA65: 267]
O apequenamento metafísico do “mundo” gera um esvaziamento do homem. A ligação com o ente enquanto tal perde no homem e com o homem toda meta, a ligação enquanto comportamento do homem só continua se ligando ainda a si mesma e ao caráter planejável de sua execução. O sentir do sentimento só sente ainda o sentir, o sentimento mesmo se torna o objeto do gozo. A “vivência” atinge o extremo de sua essência, as vivências são vivenciadas. A perdição no ente vivencia-se como capacidade de transformar a “VIDA” no turbilhão calculável da circulação vazia em torno de si mesma e de tornar essa capacidade crível como “próxima à VIDA”. [tr. Casanova; GA65: 274]
O “ente”; por que compreendemos pelo ente de saída sempre o precisamente aqui e agora presente à vista? (De onde o primado do presente?) E se o caminho para o que se encontra contra-posto não for mais nenhum caminho para o ente? E se a “natureza” for um derivado confuso da physis, que retornou ao seu início, não alcançando mais a profundidade do ente, como cujo erigir e representar ela ainda vale simplesmente para os homens de hoje? Como se a “natureza” enquanto objeto da ciência natural e como espoliação da técnica ainda tocasse de algum modo o ente ou o tocasse mesmo que apenas de tal modo que a “filosofia” poderia ser convocada para o seu complemento, ela que já se acostumou há muito tempo com a objetualidade desses objetos (epistemologicamente, ontologicamente, isto é, de acordo com a representação). Mas e se nós buscássemos a salvação em meio a um caminho de volta à intuição goethiana da natureza e, então, transformássemos mesmo a “terra” e a “VIDA” em teoria? E se o revolvimento no irracional começar e, então, com maior razão, tudo se mantiver como era até aqui, sim, se o que se tinha até aqui for, então, completamente ratificado sem restrição? Isso ainda está por vir, pois sem isso a Modernidade não alcançaria sua consumação. [tr. Casanova; GA65: 275]