Heidegger joga nessa passagem com dois termos em alemão Fuge (junta, costura, ranhura) e Gefüge (o resultado do que foi juntado, a estrutura, o encaixe). Ao mesmo tempo, ressoa no termo as “Fugas” de Bach, o movimento incessante de saída característica de um conjunto de obras específico. Para acompanhar o sentido do original, então, optamos por acrescentar ao termo conjunto o adjetivo articulado e à palavra junção o adjetivo fugidio. (Casanova; nota GA65:§1)
(sich) fügen: concatenar(-se), conformar(-se)
einfügen: inserir, integrar
Fug (r) / Un-fug (r): concerto, conveniência (F) / des-concerto, não-conveniência (F)
Fuge(e) / Un-fuge(e): articulação, conformação (harmonia) (A)/ des-armonia, desarticulação
fugen: concertar, encaixar, articular
Gefüge (s): concatenação, estrutura
verfügbar: disponível
Verfügung (e): o dispor, o ter à disposição (gegen) (GA5BD)
Em meados da década de 1930, Heidegger passa a preferir a palavra germânica Fuge à derivada do grego System (GA15, 298s). (Fuge no sentido de ” fuga” vem do latim fuga, ” voo”. Este sentido também não pode ser excluído das utilizações de Heidegger de Fuge.) O significado básico defügen é “juntar, ajustar, articular”. Este verbo adquiriu outros sentidos: “ordenar, decretar (esp. do destino ou acaso)”, e, na forma reflexiva, sich fügen, “adaptar-se a, obedecer, submeter-se a, aceitar (p.ex., destino)”. Forma compostos: (sich) einfügen, “encaixar, inserir em, convir, adaptar(-se)”; verfügen (über), “decretar; ter sob sua responsabilidade, à sua disposição”. Gerou: Fuge, “ajuste, articulação, junção”, expressão usada metaforicamente, como em “o mundo está desajustado”; Fug, “aquilo que convém, o conveniente” , que agora sobrevive apenas em mit Fug und Recht, “com todo direito”; Fügung, “articulação, construção, dispensação (do destino, providência)”; Befugnis, befugt, “ordem, autoridade”, “autorizado”; füglich, “conveniente(mente), ajustado(amente)”; e fügsam, “obediente”. Unfug, “atos inconvenientes”, agora significa “dano, dano”. Heidegger recupera a sua ligação com Füg(e) ao escrever Un-fug, “o que não convém”. Na década de 1930, passou a dar preferência para Gefüge, “conjunção, estrutura, ordem”, que suplanta a palavra latina Struktur, usada em SZ (GA65, 4; GA6T2, 240).
Heidegger também descreve seu próprio pensamento como Fuge: “A filosofia é uma junção (Fuge) nos entes; é a disposição (Verfügung) da verdade do ser que se articula (sich…fügende) ao ser” (GA65, 45). Ele oferece uma “junção” do pensamento primordial (GA65, 81). O pensamento efetua certas Fügungen, “junções”, não com a ‘exatidão” do sistema matemático, mas com o “rigor” apropriado à filosofia: “a liberdade da junção das suas articulações” (GA65, 65). Temas tais como pensamento, história, linguagem, e Da-sein são como “blocos de pedra em uma pedreira, cuja pedra original foi quebrada” (GA65, 421). Precisamos reuni-las, para ver se formam uma Donte, para reconstruir a inerente junção ou articulação do próprio ser (GA65, 81, 436). (DH)
Heidegger vale-se acima de um jogo de palavras. Na verdade, a palavra alemã Fuge significa tanto “junta” quanto “fuga”, no sentido das “fugas” de Bach. Para acompanhar minimamente esse jogo, optamos por inserir o adjetivo “livre” ao substantivo “junção” (N.T.j. (Casanova; GA66MAC:302)