Dichtung

Dichtung, poesia, poesía, poesie, poetry

Parece que tudo se dá como se a poesia estivesse referida de maneira mais originária do que todo comportamento e postura humanos à palavra. Se é que a linguagem é pensada como a “poesia originária” da humanidade, essa ligação entre palavra e poesia é inegável. Mas essa opinião talvez seja de qualquer modo equivocada. Em sua palavra, apesar de ela só ser no “elemento” da linguagem, a poesia possui constantemente a “imagem”, o que significa aqui o elemento intuitivo, por meio do qual ela e no qual ela adensa poeticamente seu poetado. No instante do dizer poetizante, a palavra se desprende do poema, na medida em que faz desaparecer a duplicidade dos dois no poetado. A dependência da palavra é essencialmente diversa no pensar do seer; ela é mais inicial, isto é, efetivamente inicial, diferentemente da poesia. (GA71, tr. Casanova, p. 258)


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poesia
poésie
poetry

NT: Poetry (Dichtung), 16, 162, 249, 260. See also Art; Literature (BTJS)


Dichtung, de dichten, “inventar, escrever, compor versos”, que, não obstante parecer germânico, provém do latim dictare, “dizer repetidamente, ditar, compor”. Esta palavra tem um sentido mais amplo do que Poesie ou “poesia”. Aplica-se a qualquer escrita criativa, incluindo romances, não somente versos. O verbo tem um tom de “dispor, ordenar, formar”. Heidegger usa Dichtung e dichten em um “sentido amplo” e em um sentido restrito (GA12, 61/198s). No sentido amplo, dichtung significa “inventar, criar, projetar”, sendo porém distinto de “invenção livre” (UK, 60/197). “Da essência inventiva (dichtenden, criativa, projectiva) da arte decorre que, em meio aos entes, a arte ilumina um espaço aberto em cuja abertura tudo fica diferente do que era antes” (GA12, 59/197). Por isso, toda arte é em essência Dichtung em sentido amplo, e não no sentido de Poesie (Cf. GA39, 25ss).
(…)
“A própria linguagem é Dichtung no sentido essencial” (GA12, 61). Isto é, a linguagem “em primeiro lugar traz o ente como um ente ao aberto” por nomeá-lo. Ela é “saga projetiva do dizer (entwerfende Sagen)” e constitui é Dichtung: “o dizer (Sage) do mundo e da terra, (…) o dizer do desencobrimento dos entes” (GA12, 61). Destarte, “Poesie, Dichtung, em sentido restrito, é a Dichtung mais original no sentido essencial (i.e., amplo). (…) Poesie acontece na linguagem porque a linguagem guarda a essência original de Dichtung. Construção (Bauen) e formação (Bilden), pelo contrário, acontecem sempre já e sempre apenas no aberto do dizer e nomear” (GA12, 61). Poesie, arte em forma de linguagem, é anterior às outras artes — arquitetura (“construção” ), pintura e escultura (“ formação”) — porque elas operam no reino já aberto pela linguagem. Heidegger sugere que a linguagem criativa, a linguagem que nomeia as coisas pela primeira vez, em contraste com a linguagem como um meio de comunicar o que já está descoberto, é Dichtung em sentido restrito, i.e., poesia. (DH:145-146)


A poesia, Dichtung, não é “expressão de experiências emocionais” nem descrição de algo ” real”. Paira sobre o real na imaginação e só nos apresenta o real, se é que o faz, após a transformação poética. ” Quando o sinal dos deuses for, por assim dizer, construído a partir das fundações de um povo pelo poeta, (…), o ser será fundado na existência histórica (Dasein) do povo, (…). Poesia — expressão de experiências emocionais? O quão distante está tudo isso! Poesia — prolongamento dos sinais dos deuses — fundação do ser” (GA39, 33. Cf. GA65, 400,408,410). (DH)


Dichtung (poetização): O conceito heideggeriano de metafísica cunha-se em função da pergunta pelo ser. No âmbito de construção deste conceito a metafísica deriva-se de um modo específico de colocação da pergunta pelo ser que acaba por provocar a imediata assunção do ser nesta pergunta como o ente enquanto tal. Metafísica é em outras palavras o saber interessado pela determinação do ser do ente na totalidade: pela fixação do ser enquanto o ente supremo. Exatamente por isto o pensamento no interior da tradição metafísica confunde-se porém com o empenho por empreender uma tal determinação, por explicitar categorialmente a extensão de todo o plano ontológico. Se esta é por um lado a destinação essencial do pensamento no interior da tradição, esta destinação mesma precisa por outro lado alterar-se em meio à passagem para o outro começo. Esta alteração aponta para o sentido do termo “poetização”. O pensar não tem mais agora por tarefa a descrição sistemática da transcendência, mas se transforma em poetização do seer. Em ressonância de fundo com o silêncio da retração do seer, ele celebra a superfície do fenômeno e dá voz a esta superfície através do que propriamente silencia. Ele descreve assim originariamente o fazer-se linguagem da dinâmica de realização do real e é através daí poetização. (Casanova; GA67MAC:180)