{{4.1 Introdução}}
A atitude fenomenológica e as ideias centrais que orientam a fenomenologia abriram um caminho fecundo para o estudo do comportamento concreto do homem, é assim que ela influenciará o pensamento de Max Scheler que procurará estudar a simpatia e o ressentimento; de Sartre que fará um esboço sobre a teoria das emoções; de Karl Jaspers que escreverá uma psicopatologia geral sob a sua inspiração; de Koffka para reformular a psicologia, escrevendo sobre o Gestaltismo; Minkowski, Van den Berg e Binswanger no campo da psiquiatria e psicanálise; Alfred Schutz no campo da sociologia; M. Ponty, P. Ricoeur e M. Muller no campo da filosofia da linguagem e da filosofia da história.
O pensamento moderno afastou-se da experiência original pela qual o homem, pelo simples fato de existir na realidade, ilumina esta realidade, revela o seu significado. Esse pensamento moderno quis interpretar esta revelação como uma aptidão ao conhecimento, não quis reconhecer a familiaridade com o real instaurado pelo simples fato do homem existir nela. O pensamento moderno se voltou para o conteúdo da experiência, objetivando-a para poder dominá-la e transformá-la pela técnica. Se isso é legítimo, se esta é a missão da ciência e da técnica, podemos dizer porém que não é a única forma de acesso à realidade, e que ela não é a revelação exaustiva da realidade.
A ciência e a técnica são instrumentos de dominação que devem ser dominados e devem possibilitar o acesso ou a restauração da convivência original com as coisas e os outros. A ciência e a técnica são uma explicação ôntica da realidade que nos permitirá ingressar no ontológico dessa mesma realidade.
Vemos assim que a experiência original passa por um processo dialético de regressão e progressão, processo este que deve ser explicitado pela filosofia e que será a intenção da filosofia de Ricoeur.
A fenomenologia para Husserl, segundo Eugene Fink, tem a sua última palavra no ver, na presença disto que é visado – e nisto consiste a evidência original. Mas por que o ente do homem é capaz de ver o outro como outro, isto é, um ente capaz de uma abertura, de acolhimento do outro? – Isso supõe que a estrutura do ser humano consiste em “ser compreensão de ser”, em ser acolhimento do OUTRO.
Isso implica ainda que o ser nos apareça sempre através de um ente; que nós não podemos atingi-lo diretamente, que nós nos esforçamos por descobri-lo, revelá-lo, e que a linguagem tentará exprimi-lo, mas que ela será sempre este esforço, para significar além dela mesma, já que ela tende para a compreensão do ser, embora ela se origine na compreensão do ente.
Para o empirismo e o intelectualismo a palavra era o centro da linguagem. Mas nós sabemos (a psicologia depois da gestalt comprova), que a linguagem é essencialmente frase, estilo, isto é, maneira pela qual o sujeito se comporta diante da realidade.
O pensamento portanto se dirige para a sua expressão, deve ser pensamento formulado. Há um fenômeno na palavra e o nosso trabalho da reflexão se apoia sobre significações que são nascidas de atos anteriores e expressões 1.
O que Merleau-Ponty nos quer mostrar é que, além do revestimento convencional e arbitrário da linguagem, “há um sentido gestual, que é essencial, por exemplo, na poesia”. . . elas são as diferentes maneiras para o corpo humano celebrar o mundo e vivê-lo.
Assim o nascimento da linguagem é feito nesta “gesticulação emocional” que permite ao homem fazer da realidade dada um mundo segundo ele mesmo, um mundo expresso, que se faz expressão, que adquire forma.
A palavra é um caso particular da expressão humana.
{{4.2 Fenomenologia e Psicanálise}}
Em geral, os adeptos da filosofia na Franca (Sartre, M. Ponty, Simone de Beauvoir, Francis Jeanson) ou na Bélgica (Vergotte, De Waelhens, Ladrière, Van Breda) vêem a fenomenologia como tendo tarefa a elucidar as relações vividas e efetivas entre o homem e o mundo.
O importante nesta experiência é o ENCONTRO, encontro entre as coisas e o meu eu, entre o meu eu e o outro; este encontro, esta união, só surge graças â medição do Corpo, conforme, aliás, já mostrara a filosofia de Merleau-Ponty. Só nos encontramos no encontro com as coisas e os outros; as coisas e os outros só se encontram, só se definem no encontro com o meu eu.
Esta tese da medição do corpo é a mesma da psicanálise, é graças a ela que o sentido se instaura e se manifesta. E nisto consiste, em suma, a função da linguagem; fazer com que um sentido seja manifestado. Para a psicanálise todos os atos humanos são significativos de nós mesmos. Estas significações são captadas em primeiro lugar no nosso corpo. Para a psicanálise o sentido manifestado não é nunca exaustivo daquilo que nós dizemos. Já na linguagem sabemos que ela não se esgota na palavra dita, e que há uma linguagem falada e outra pelo que eu sou pelo meu comportamento. Tanto a fenomenologia como a psicanálise querem nos esclarecer sobre a relação homem e mundo. Esta relação no entanto não se faz sem o mediador corpo que é ao mesmo tempo eu-mesmo e mundo.
”Desde o momento que se admite que o homem é um ser necessariamente revelador de sentido, como também o ser absolutamente engajado e em primeiro lugar no corpo, é necessário concluir que todo comportamento significativo do sujeito não se reduz a um pensamento visando uma coisa pensada. O sujeito, antes de ser um ser de conhecimento, é uma potência geral de viver e sentir, isto é, uma maneira de participar, pelo corpo e no corpo, do conjunto da realidade em vista de a significar.” 2
O relacionamento pela mediação corporal, implicando o sexual, é uma maneira de nos engajarmos diante do real; o sexual não seria a única maneira possível e nem todos os outros relacionamentos a ela se reduzem (como o trabalho, a arte, a religião, etc).
Alguns relacionamentos que iremos analisar:
1) O corpo como mediador para o surgimento do significado;
2) A fenomenologia do encontro; e
3) O problema da interpretação ou da Hermenêutica.
1) O corpo é a dimensão do nosso ser que se acha voltada para o exterior, como se fôssemos algo fora de nós mesmos. O corpo não é um órgão, não é um instrumento. O meu eu corporal é capaz de dar sentido às coisas exteriores sem jamais dar uma significação exaustiva.Ao mesmo tempo ele instaura o diálogo, o encontro com o outro, pois é a outro que eu falo ao falar das coisas.
A concepção da sexualidade, segundo M. Ponty, envolve as seguintes perspectivas:
a) reduzi-la a um conjunto de processos biológicos;
b) toda manifestação do meu ser como determinada pelas pulsões sexuais; e
c) a sexualidade integrada à existência como um modo, um tipo de expressão.
Nessa expressão, o que se verifica é a dialética do eu e do outro onde se aceitou não ser mais para si mesmo mas para outro; esta perda de si mesmo tem de ser restauradora do meu eu, pois, se não houver outro que se oponha a mim, o outro deixa de existir. Isto significa que a Alteridade é ultrapassada constituindo uma subjetividade comum, um nós. Mas, esta nova subjetividade instaurada, como qualquer subjetividade, deve ser expressiva, deve constituir História, deve nos relacionar com o mundo e os outros.
Neste sentido, a sexualidade, como pretendem os psicanalistas, está presente em tudo, pois ela é um modo de existir capaz de instaurar a relação eu-outro, é um modo de ser como o outro. Isto não significa, porém, que a sexualidade seja necessariamente e sempre vivida nesta forma dialética, capaz de instaurar esta inter-subjetividade subjetiva.
2) Buytendijk no seu livro sobre a fenomenologia do encontro diz, logo na primeira página, que em cada encontro se constitui o segredo do outro que só pode ser objeto de experiência nos gestos, na atitude, na mímica, no olhar, em suma de todas as manifestações corporais.
Husserl tentou revelar o fenômeno do encontro partindo da consciência transcendental. Mas Heidegger, Sartre e Buytendijk mostrarão que o fenômeno do encontro só pode ser interpretado numa estrutura existencial. O ponto de partida do fenômeno-encontro está numa consciência engajada. O mundo, o estar-no-mundo, é estar-com-outro, é um mundo “inter-humano”.
Poderíamos exemplificar esta afirmação dizendo que, para se efetuar um encontro, é preciso que escolhamos a realização desse encontro, pois se passarmos ao lado, não há encontro.
Esta escolha do encontro não é livre de modo absoluto; há condicionamento no encontro pela história e pelo sentido do que é encontrado. Pela história, pois cada homem tem a sua história própria, individual, e participa da estrutura histórica, da comunidade a qual está inserido. Pelo sentido do que é encontrado, já que a significação não é inteiramente projetada pelo homem (no sentido kantiano), mas que, a um projeto humano se acrescenta uma significação já dada. O que precisamos é “ir ao encontro do encontro e mais precisamente do ser, de suas manifestações”, isto é, o encontro é um re-encontro recíproco.
A percepção já é uma forma de encontro, como dirá M. Ponty. “Para que nós percebamos as coisas é necessário que nós a vivamos.” Isto quer dizer, que o que o homem percebe inicialmente são as situações que nos impressionam, tais como, por exemplo, um piano desafinado, a luz aparecendo numa obscuridade, a subida de preços das mercadorias, etc. “A coisa se oferece à comunicação perceptiva como um rosto familiar cuja expressão é logo em seguida compreendida” 3.
”Esta expressão é a linguagem das coisas que se dirige a nós”, que se oferece no encontro conosco. Esse encontro não se faz sem esforço e muito menos sem luta. O sentido original do encontro é movimento contra, contrário.
3) Alguns filósofos contemporâneos tentam aproximar Freud, Marx, Nietzsche, através do problema comum da linguagem e da Hermenêutica.
Para compreender tal convergência seria necessário preliminarmente nos aproximarmos do seu quadro conceituai que envolve essa problemática comum.
Os símbolos que estão em jogo para uma melhor avaliação do pensamento dos outros, que a essa problemática se aplicam a elucidar, são os seguintes:
a) a entidade mitológica de Prometeu, já incorporada à psicanálise como símbolo de esforço, labor e progresso, sempre às custas de imenso sacrifício, é o símbolo da pessoa humana – ou da civilização – que vive em função do trabalho, mas de trabalho que pressupõe dor e luta;
b) o símbolo de Narciso vem opor-se ao mito de Prometeu, enquanto tendência humana de pretender satisfação pessoal através de introversão, por meio daquilo que o indivíduo pensa que é ou quer ser;
c) Orfeu, símbolo que estabelece a ordem, harmoniza a tendência individual e a ordenação necessária à obtenção do desejo e da satisfação;
d) Eros, compreendido no seu sentido hedônico de prazer, tal como interpretado pela antiga escola filosófica de Epicuro. Toda a potencialidade do homem se põe em função da criatividade, em seus múltiplos e variados aspectos;
e) a esse Eros, chamado por Freud “Instinto da vida”, se opõe o “Thanatos” por Freud denominado “o instinto da morte”, uma vez que exerce função repressiva sobre o Eros – então sufocado em sua motivação criadora;
f) surge, por último, o símbolo de Édipo, talvez o mais trágico dos mitos gregos, também incorporado à psicanálise e aí significando a revolta do indivíduo e da comunidade de irmãos contra o pai, símbolo do opressor e arquétipo da dominação sobre a individualidade;
g) a compreensão de um último aspecto faz-se mister. Trata-se da conceituação de termos nitidamente psicanalíticos, em todo o tempo envolvidos no próprio cerne de certas obras: id, ego e superego.
g1) o primeiro seria o inconsciente, estrutura mental responsável pelos impulsos instintivos, com a função de procurar satisfazer às necessidades básicas da vida humana, dentro da maior liberdade possível. Em outras palavras, vincula-se necessidade com liberdade. O id corresponde à realização do princípio do prazer, oposto ao princípio da realidade. A substituição do primeiro pelo segundo viria a constituir o grande acontecimento traumático no desenvolvimento do homem.
O princípio do prazer pressupõe, evidentemente, a existência de um objeto capaz de satisfazer às necessidades humanas, a proporcionar gratificações.
Convém não confundir o objeto da gratificação com a gratificação propriamente dita, alcançada à medida em que são satisfeitas as necessidades reais da criatura humana.
Essa diferenciação é muito importante para que se possa distinguir as falsas gratificações, as quais, por não atenderem às necessidades instintivas, vão se constituir em falso objeto de gratificação – embora possam proporcionar satisfação.
g2) O segundo conceito psicanalítico corresponde ao ego, que responderia ao chamado “princípio de realidade”, é responsável pela estruturação do “eu”. Tal estrutura, não sendo toda ela já dada no indivíduo, é capaz de movimentar-se, de ser ação e de desenvolver novas bases, que poderão ou não alterar as estruturas preestabelecidas. Trata-se, por assim dizer, de uma estrutura estruturada e estruturante, no sentido de dinamismo e ação. é o “eu”, portanto, capaz de criar sua história, de fazer a história e de fazer-se história, como já disse Sartre.
g3) Resta, por fim, na análise da estrutura psicológica, a definição do superego, atuante fora da ação do id e dominando o ego, que representa um mecanismo de introjeção, capaz de receber de fora condicionantes que tentará assumir. O superego é, evidentemente, responsável pelo aparecimento da cognominada “consciência moral”, cuja função dentro da psicanálise, seria a de facilitar a relação do ego com o mundo. O superego, por assim dizer, deveria ser aquele elemento de mediação entre o eu e o meio exterior, não para sufocar ou reprimir o ego, senão para dar-lhe condições de recriar o mundo e realizar-se a si próprio. Sua função, pois, não é a de alienar o ego do meio ambiente, nem de transformá-lo numa “consciência infeliz”, como disse Hegel 4.
Tal teoria não pretende eliminar a função repressiva do super-ego, anteriormente apontado por Freud e de grande importância para a psicanálise. Essa função, deve, no entanto, ser inserida no contexto do desenvolvimento e na dinâmica de estruturação do ego. Somente assim ela pode ter valor: quando serve para orientar, canalizar ou transformar a força libidinosa, sob forma de criação e de cultura.
Na construção da personalidade, o instinto de destruição manifesta-se com maior nitidez na forma de superego. Ele tem o papel defensivo contra os impulsos “irrealistas” do id.
Isso demonstra a capacidade que tem o superego, seja para dotar o ego de condições indispensáveis à sua realização, seja como fator de destruição – função do Thanatos para tornar-se o responsável pela morte ou pela deformação do ego (que não conseguiria manifestar-se sob nenhuma de suas formas originais).
Cabe aqui um parênteses. No estudo da obra de Freud, assim como de outros autores, cujo trabalho intelectual vai se fazendo e se desenvolvendo, pode-se facilmente constatar essa estrutura estruturada-estruturante acima referida.
Freud, segundo alguns especialistas, apresentaria, pelo menos, quatro etapas diversas onde as possibilidades de compreensão do id, ego e superego poderiam basear-se. Numa primeira fase, por exemplo, haveria continuidade nos três elementos que constituem a estrutura mental. Numa fase final, uma interpretação mais dinâmica surge, afirmando que tais estruturas são descontínuas. Isto é, o id precisaria estar de todo desenvolvido para se estruturar e fazer surgir o ego. Poderia haver uma descontinuidade, já que o id è atemporal, como diz Freud e, como tal, seria a libido constante em todos os tempos e presente em todos os espaços.
A teoria do antagonismo entre princípio de prazer e princípio de realidade gerou uma série de debates e de correntes diversas, sendo rejeitadas por muitos revisionistas freudianos.
Para alguns autores, tal antagonismo está a serviço da engrenagem mental da chamada “sociedade afluente . Em outras palavras, o princípio da realidade e o princípio do prazer são desenvolvidos unicamente em uma direção, como se o homem fosse unidimensional, estando a serviço da própria sociedade. E o que aí importa é a repressão a serviço de uma dimensão do homem, repressão essa que vai gerar “o movimento de mais repressão”. Tal situação degeneraria em rebelião total e generalizada, não fosse a forma pela qual essa sociedade sabe proporcionar meios para a satisfação das necessidades, necessidades essas que entretanto, não são autênticas.
Essa é, por exemplo, a satisfação existente em certas classes operárias, preconizadas por Marx como propulsoras da ação revolucionária.
Convém recordar que o princípio de realidade exerce várias funções. Suas atribuições não consistem, apenas, em estruturar o “eu”, senão a dar a esse “eu” condições indispensáveis ao seu pleno funcionamento. São, portanto, funções de síntese, defensivas, de ordenação, coercitivas, cognoscitivas, afetivas, funções pragmáticas e muitas outras.
Ainda a título introdutório da problemática, cabe uma referência ao método analítico, ou seja, aquele que a psicanálise emprega, muito próximo da “analítica experimental”, proposta pelos filósofos da Escola da Fenomenologia.
Através da análise, a memória tenta reinterpretar uma série de fatos e fases da vida passada, reprimidos pela racionalidade, seja porque foram desagradáveis, seja porque perderam o interesse. A análise, ao permitir, por assim dizer, que a memória se reavive, oferecendo condições para que a regressão ao passado re-experimente os acontecimentos traumáticos, descobrindo-lhe os motivos verdadeiros que causaram a repressão, fornece os elementos indispensáveis à interpretação da existência pessoal no presente. Assim, pois, a função precípua da análise seria a de re-descobrimento de impulsos que marcaram as imagens censuradas pelo superego. Tais imagens refreadas, como dizem os psicanalistas, à medida em que ressurgem são portadoras de conteúdos significativos e capazes de libertar uma série de condicionamentos que obstruem a vida humana. A análise procura libertar o homem. Só que a libertação psicanalítica não tenta acomodar o indivíduo ao seu estado atual, nem ao seu meio ambiente. É, antes de tudo, uma libertação que carrega consigo projeto de vida, uma base para o futuro. E uma liberação com o futuro.
Nesse sentido, há, pois, um processo regressivo e uma função progressiva dentro do método analítico, que transforma e revoluciona, completamente, o conceito que se tinha do homem. Convém recordar, a propósito, a ideia imperante à época de Freud – daí sua genialidade – segundo a qual a pessoa humana possuía uma estrutura psicológica já dada, e que, nessas condições, todos os fatores educativos, políticos, sociais, etc, deveriam unicamente criar circunstâncias favoráveis ao seu desenvolvimento. Sabe-se que os fundamentos dos direitos universais do homem foram estabelecidos sob a perspectiva desses conceitos, conhecidos como “teoria da pré-formação”.
Freud, entretanto, não aceita essa opinião da época e introduz, embora de maneira não muito explícita, a chamada “teoria da epigênese”, baseada na constituição de estruturas que se formariam através do ser. Manter-se-ia uma estrutura já dada, capaz de desenvolver-se em vários sentidos, mas cada estrutura seria, até certo ponto, na sua situação e no seu momento histórico, responsável pela própria estruturação da personalidade, da sociedade ou da Nação. Tal conceito transforma, por assim dizer, o conceito antigo da antropologia filosófica.
O presente trabalho pretende ser uma análise de certas questões à luz dos problemas referentes à possibilidade de compreender-se o homem dentro desta filosofia da psicanálise.
A Psicanálise como a fenomenologia da linguagem, pretende descobrir, além dos fenômenos conscientes e racionais, as formas inconscientes das manifestações humanas. Pretende fazer com que essas formas inconscientes sejam reencontradas e sirvam para interpretar manifestações conscientes.
Visa, em outras palavras, estabelecer a ligação entre o desejo – chamada instintiva que deve ser revelada – e a linguagem manifestada sob a forma imaginária e relacionada com um desejo, o qual, contido e reprimido, agora se revela pleno de conteúdo e significação.
A relação existente entre desejo e linguagem é uma das questões comuns da fenomenologia filosófica e da psicanálise. Os modelos apresentados sob forma onírica permitem que se chegue às leis universais e comuns da linguagem e expressam, através dos símbolos, as chamadas realidades instintivas. Por meio desses modelos inconscientes descobre-se o fundamento do modo de ser de cada um. Convém assinalar que esse modo de ser individual, projeta-se na conduta universal ou da civilização, sempre que tais manifestações individuais inconscientes ocultem os modelos fundamentais da já mencionada “estrutura estruturada”.
Tais modelos seriam a forma pela qual se poderia encontrar o fundamento da comunicação ou da chamada intersubjetividade, e isso porque à medida em que são encontradas as formas universais e a base do inconsciente, fica estabelecida a origem da comunicabilidade e o fundamento do diálogo. O inconsciente passa a ser o ponto de encontro entre o “ego” e o “alter”, o traço de união entre a natureza e a cultura. Através enfim, do inconsciente, chega-se às estruturas comuns a todos os homens, civilizados ou primitivos, quaisquer que sejam suas épocas e situações históricas.
O acima exposto vem recordar as teorias de Lévi-Strauss. O antropólogo francês, na verdade, afirma que de formas conscientes, vai-se à busca de modelos inconscientes-estruturados, os quais conduzem, através das formas constitucionais dos modelos inconscientes, ao ponto de comunicação acima mencionado.
O inconsciente estruturado permite a compreensão do que alguns filósofos chamariam “o pensamento já constituído”. Sabe-se, contudo, que o pensamento embora não esteja totalmente estruturado, tem capacidade para uma evolução contínua, de pensamento que se constitui.
Muitos filósofos afirmam que a consciência, no sentido cartesiano de “Cogito”, não deve ser reconhecida como consciência ou autoconsciência. Antes de mais nada, ela é inconsciente, ou seja, sempre é, inicialmente, consciência de alguma coisa sobre algo, ou se refere a alguém, o que implica ser a “consciência de si” um segundo movimento. Nesse sentido, portanto, a consciência é, primariamente, inconsciência de si. Por isso afirmou Sócrates que o difícil papel da filosofia seria o de dar condições ao ser humano para ter consciência de si próprio. A consciência, pois, que se apresenta, inicialmente como inconsciente, para ir-se tornado consciente, constitui o que Ricoeur chamaria “o primado do irrefletido sobre a reflexão”. 5
Conclui-se, do enunciado acima, a anterioridade do involuntário com relação ao voluntário e do invisível – como queria Merleau-Ponty – sobre o visível.
A consciência lógica, ou consciência refletida capaz de constituir-se em cultura, trabalho e civilização é a consciência operante, “consciência dominadora”.
Seria essa a função do “logos”: reunificar os dados de um determinado limite e, nessa reunificação, tentar dominar o que está sendo reunido. Esse processo exige, como é óbvio, o desenvolvimento de todos os aspectos operacionais e lógicos da razão e do “logos”.
Mas pressupõe, também, para o seu próprio exercício, a consciência do pré-reflexivo ou do anterior a esse reflexivo.
É por demais sabido que a primeira função do mito – com relação à civilização – consiste, exatamente, em querer transformar-se em “logos”. Com isso a civilização pretende atribuir ao mito função de explicação objetiva da realidade, transformando-o numa realidade física.
Isso representa a primeira forma de dominação do “logos” sobre o símbolo, isto é, que se impeça sua transformação em valor objetivo, não deixando que o “logos”, tirando-lhe o valor de mito, possa transformá-lo num texto compreensivo pela lógica.
A desmistificação, pois, exerce função quase profética na atual civilização, que transforma técnica, ciência e cultura em valores que esmagam o homem e o impedem de manifestar livremente sua criatividade.
Surge daí o antagonismo entre o princípio de prazer e o princípio de realidade, antes apontado.
Na linha da desmistificação impõe-se o estabelecimento de critérios que visem á avaliação do valor e os limites do simbólico e sua interpretação atual, é claro que a interpretação do símbolo obedece a critérios do seu momento histórico, variando com o correr dos tempos. O problema se põe com especulação e reflexão que, através do mito, reencontra-se símbolos primários e objetiva alcançar os símbolos finais, até chegar ao ser humano em si, seu modo de ser, sua situação, sua integração em determinados contextos.
Conclui-se que os símbolos não podem ser substituídos, nem devem ser traduzidos. Corresponde-lhes ser, simplesmente, reveladores, pois exercem a função, como diria Heidegger, de “abrir horizontes”.
Isso conduz à problemática da hermenêutica, vinculada não apenas à exegese de textos bíblicos e religiosos, à literatura ou à história, mas com implicações nos campos da filosofia e da psicanálise. Nesse último aspecto, cabe-lhe a redução das ilusões, reintroduzindo-lhes o valor simbólico dos mitos, anteriormente esmagados, traduzidos ou transformados.
É mister acentuar que esse aspecto é posto em relevo também por Ricoeur, em cuja obra é sublinhada a importância da desmistificação e da redução das ilusões, como diria Freud, da genealogia da moral de acordo com Nietzsche e da teoria das ideologias, segundo Marx.
Impõe-se, assim, a observação de como a dialética funciona na teoria das ilusões, expostas por Freud, e o que significa a redução dessas ilusões, seja como hermenêutica, seja como teoria da interpretação. Em outras palavras, resta analisar o problema da dialética dentro da teoria freudiana das ilusões e verificar como a redução dessas ilusões funciona como método de interpretação.
A importância e a interpretação dos mitos no pensamento de Freud foram examinados acima.
Ficou evidenciado, outrossim, a importância de os símbolos serem interpretados e não destruídos, porquanto o símbolo não pode ter valor meramente alegórico.
O problema, pois, no que se refere â interpretação, se resume na hermenêutica, que deve respeitar o enigma originário e suscitar a indagação do homem, visando resolver a questão simbólica e problemática já referida.
Segundo Paul Ricoeur, e como já foi dito anteriormente, há dois métodos de interpretação: o primeiro é aquele que procura manifestar e restaurar o sentido do que é dado sob a forma de mensagem. O segundo é o chamado “método de desmistificação ou redução das ilusões”. Para Ricoeur, este último é próprio da metodologia hermenêutica, proposta por Nietzsche em sua obra “Redução das Ilusões”, ao desenvolver a genealogia da moral, justamente porque aí ’a vontade de poder assume caráter de desmistificação e de tentativa de redução de ilusões. Acredita Ricoeur, todavia, que tal linha de pensamento é encontrada também em Marx – Teoria da Ideologia – e em Freud – Teoria das Ilusões 6.
Necessário, pois, para a análise do nosso problema, o conhecimento da dialética na Teoria das Ilusões, de Freud.
Convém, antes de mais nada, ter em mente o fato de que a ética e a religião, segundo Freud, têm um tronco comum: o complexo paterno de origem edipiana. Em outras palavras, a representação do pai, como símbolo do poder e do prazer, daquele que introduz a noção do proibido e impede a realização plena da liberdade, impondo a renúncia dos filhos.
Tal imagem gerou, evidentemente, conflito na primeira comunidade existente, porquanto só o pai poderia usufruir os bens da liberdade, sob a forma de uso sexual da única mulher possível naquela sociedade, que era a mãe.
A forma de conquistar a liberdade absoluta e todos os demais bens consistiria na destruição do pai, morto por Édipo.
Evidentemente o clã fraternal, ou a comunidade, passou a querer usufruir, em conjunto, daquele mesmo bem que o pai possuía e reconheceu visando a uma maior harmonia entre seus membros, a necessidade que certa legislação viesse a ser estabelecida. Passou a ser desejado, então, um certo “contrato social”, como diria Rousseau, dando origem, desta forma, ao domínio social e político institucionalizado, sob a forma de leis e normas criadas pelo grupo e impostos à comunidade.
Nessas condições, é a lei que vai permitir o aparecimento do fato cultural e transformar-se no primeiro monumento da civilização.
Ainda segundo Freud, tais normas e princípios, que seriam origem da cultura, podem tornar-se fontes de nevroses – no momento em que são negadas ou demonstradas incapazes de produzir ou criar algo.
Esta é a dinâmica da história da civilização, em perfeita interrelação com a história da mente humana.
A primeira consequência do mito paterno será, com relação à ética, considerar esta como fator de repressão, ou antes, como setor que tenta ensinar o indivíduo a proceder segundo a regra de conduta instituída pelo código social. A ética passa, portanto, a ser relacionada com a problemática do IDEAL, quer dizer, do superego, adotando-se, evidentemente, a interpretação freudiana. Atingir esse ideal, através do consenso do grupo e da comunidade, é função específica da ética.
O princípio ético exerce poder de libertação e de cerceamento, à medida em que canaliza a necessidade de poder e regula, sob forma de cultura, as necessidades libidinosas que tendem a se manifestar constantemente e sem nenhuma repressão.
O outro tronco que emerge do relacionamento do superego com o mito paterno e de Édipo, é a religião, é nesta que se situa de maneira inequívoca, a problemática e a dialética aplicadas à teoria da ilusão.
A ilusão, origem de toda consciência falsa (consciência falsa ou produto da consciência ilusória se diz em contraposição à consciência verdadeira que é capaz de permitir que o princípio da realidade diferencie, exatamente, aquilo que é ilusório daquilo que é real) funciona dando ao ser humano a projeção para certa transcendência, sobretudo no que diz respeito à imagem paterna. Em outras palavras, por causa do sentido de finitude, de limitação frente ao poder e à dominação, o homem “vê” o “pai” como aquele que o transcende, criando assim a “ilusão da chamada transcendência”.
Para Marx, a transcendência serve, indubitavelmente, como forma de alienação, ou seja, afasta o homem de si mesmo e o faz projetar-se em outro ser, com o que sua personalidade deixa de ter consciência nela própria, para realizar-se no outro ser que o transcende.
A alienação tem sido encontrada em todas as religiões, de vez que estas são utilizadas como meio para responder àquilo que o homem não pode alcançar no mundo, isto é, um meio de chegar â plena realização de suas necessidades. A psicanálise acredita que as religiões projetam um ideal transcendente, um céu onde haveria o paraíso terrestre primitivo e uma beatitude futura onde seria reencontrado o Éden. Em outras palavras, a transitória situação dos homem no mundo, entre dois instantes em si paradisíacos: o momento inicial, sob a forma do paraíso perdido, e o momento final, como um céu compensador. Dessa forma, porquanto projeta toda canalização da força libidinosa, para trás ou para diante, mas nunca numa realização aqui-e-agora, a religião é uma alienação que serve para afastar o homem de sua precípua tarefa de trabalhar na sociedade e de recriar o mundo. Lembre-se, por exemplo, que, em várias épocas históricas, a sociedade tem sido caracterizada como lugar de pecado e, por isso mesmo, o ideal proposto pelas religiões foi o afastamento do mundo.
A origem histórica desse comportamento vamos encontrá-la em Platão, para quem o corpo é o aprisionamento da alma, obstacularizando o desenvolvimento do espírito.
Em algumas civilizações, o princípio acima exposto foi apresentado pelas correntes religiosas como sendo o ideal vinculado à moral. Pretendia-se fazê-lo reencontrar a salvação espiritual. Desnecessário ressaltar que o desprezo do corpo caracterizou e caracteriza muitas civilizações.
Os conceitos acima enunciados foram combatidos por Freud, Marx, e muitos outros filósofos, que denunciaram e desmistificaram essa forma de conceber a religião como uma alienação.
Resta, ainda, esclarecer que outra forma de alienação consiste em projetar-se e por a transcendência ao seu próprio alcance e serviço. Em outras palavras, o homem cria um ser transcendente que teria a função de protegê-lo e ao qual poderia recorrer em horas de necessidade (projeta uma transcendência que, transformada num objeto, pode ser usada pelo indivíduo, a seu inteiro prazer).
Evidentemente, tudo isso levanta uma série de problemas, que vem atingir certa fé religiosa – uma fé que talvez precisasse ser demolida, para transformar-se em fé autêntica e não apenas em mito, projeção ou arremedo de fé.
A teoria freudiana não vai se preocupar com a origem do complexo de Édipo. Freud procura, apenas, liberar o homem desse complexo, acreditando que isso se faz pela destruição da imagem do pai dominador.
”De forma mais moderna, ver-se-ia nessa interpretação o problema da “MORTE DE DEUS”, já levantada por Nietzsche e analisado por Sartre, estudado também em termos teológicos por algumas religiões cristãs, no sentido de morte aos mitos, às ilusões, a um deus criado pelo próprio homem e origem de traumas, neuroses e obsessões.
Toda a problemática vinculada a esse mito apresenta extraordinário valor simbólico para os nossos dias, implicando, inclusive, em relacionamento com o problema político, em termos de luta pelo poder, e da evidente necessidade de um acordo nos diversos níveis de classes sociais, o qual deve ser feita para que não haja interdevoramento.
A meta desejada e desejável – a destruição do ideal ou poder que existe – sob forma de dominação – só poderia ser alcançada se todas as facções se pusessem de acordo.
Do enunciado acima se depreende que o símbolo adquire caráter de História, não no sentido de narração de fatos, mas como raiz do futuro, daquilo que é o vir-a-ser do homem. Em outras palavras, o símbolo não se esgota no presente, pois diz algo do que será ou do que deve ser.
Os símbolos freudianos ensinam que a imaginação mítico-poética, rica de intencional idade, é, por outro lado, cheia de imagens que precisam ser interpretadas. São os símbolos que precisam ser trabalhados em cada período para que possam dizer o que significam nas respectivas épocas.
Essa a necessidade que pretende ser satisfeita, se manifesta não como necessidade pura, mas como necessidade de algo. Revela-se, desde sua origem, como sendo intencionalidade, ou seja, como desejo de ser o que não é, esforço para obter algo do qual não dispõe.
Nessas condições, vê-se claramente que a necessidade está instaurada na própria estrutura do id, na relação mesma do ser e do não-ser.
Em outras palavras, o ser da necessidade não é pleno em si próprio, pois lhe falta algo para ser alcançado – traduzido sob forma de desejo e, por isso mesmo, do não-ser. é esse não-ser o que motiva o ser a buscar aquilo que ele deve ser. Tais são, em resumo, os pólos da dialética: o ser e o não-ser.
Existe, na própria estrutura do ser-id, algo que busca, que é carência e se traduz sob a forma de desejo. Há, portanto, um elemento positivo e outro negativo, em contínuo relacionamento, o que, em psicanálise, significa o desejo de ser aquilo que não se é. (na dialética os três momentos não possuem o mesmo valor; será a negatividade mais importante do que a positividade, na medida em que, negando o positivo, ela não se esgota nesse único momento da sua negatividade; ela introduzirá um terceiro momento, a negação da negação, produzindo um novo momento positivo; assim, a negatividade caracteriza-se fundamentalmente pela sua força criadora)
Convém recordar que tais elementos se incorporam no momento da síntese – de acordo com a terminologia hegeliana sem, contudo, se anularem. Incorporam-se numa estrutura nova, o que significa que a relação id-ego-superego existe dentro da estrutura dialética.
O problema do ser, do não-ser e da sua relação dialética é a mola fundamental para a compreensão do relacionamento dessa estrutura que é a consciência no seu id, ego e superego.
A figura paterna, já equacionada em termos de luta individual e social, em termos de id, ego e superego, dentro de uma estrutura dialética 7 transforma-se em uma espécie de ídolo, que deve ser admirado ou renegado, de vez que, diante de um ídolo, somente caberiam atitudes de adoração ou de repúdio.
Freud demonstra que ambas as posturas são alienantes. Entretanto, a segunda – a destruição do mito – é a forma que o homem tem para libertar-se, ao reconhecer nesse mito uma força opressora. Tal destruição, por sua vez, revela-se como processo que implica em sofrimento e que se manifesta, por isso mesmo, como forma de agressão. Segundo Freud, tal posição tem, pelo menos, o mérito de não ser acomodativa. Portanto, entre as duas atitudes: positiva e negativa, há uma que é produtiva: a da negatividade. A primeira postura manifesta-se de várias formas, como modelo e ideal a ser atingido, seja como um ser transcendente, seja sob a forma de um modelo social a ser proposto. Trata-se de uma proposição do ideal, em termos de acomodação.
Segundo Freud, no entanto, a atitude acima exposta tem menos valor do que a que pretende destruir a figura paterna.
O negativo é, nessas condições, mais importante que o positivo, por ser capaz de criticar, condenar e abolir ilusões. Além disso, a negatividade introduz um elemento positivo. A simples negação, ou destruição do ídolo, não conduziria a nada. Mas como é algo que quer construir, embora fora do esquema e do modelo propostos, é um comportamento que vai se opor à negatividade da civilização. E sem passar por essa fase de destruição, não se poderia criar algo novo.
Tal forma de destruição vem permitir, em linguagem psicanalítica, o ressurgimento do símbolo. Este surge como bandeira de um ideal e divisa de um novo mundo a ser instaurado e recriado.
Os mitos, nesse sentido, pretendem falar ao homem uma linguagem existencial, sem o que não teriam, na realidade, maior importância. Daí o interesse que desperta o mito de Édipo, revelador, em síntese, de uma situação existencial. Não basta mostrar, apenas, o sentido histórico da existência de Édipo, se não se analisa sua presença em todas as civilizações e em cada ser humano.
O homem de nossa civilização é um ser doente. A nossa civilização criou uma sociedade de enfermos. Nietzsche, Marx e Freud acreditam que a característica principal da situação do homem e seu comportamento no mundo é a perda paulatina de sua força criadora, que o faz alienar-se sob as mais diversas ilusões – ilusões criadas pelo próprio ser humano ou pela sociedade, sob forma de bens de produção que devem ser adquiridos, etc.
A doença da civilização, na realidade, traduz-se pelo desejo, cada vez maior, de posse de bens, esquecendo ou sufocando as formas de criação.
O sentido primitivo da palavra Ética (do grego Ethos) indica, simplesmente, o modo de ser do homem: a maneira pela qual este se sente à vontade. Ethos era a pátria do homem, sua família e sua cidade. Pouco a pouco foi significando o modo de o homem se situar em família, na cidade e no mundo.
é nesse comportamento que o seu “Ethos” se manifesta. Não haveria, na verdade, nenhum conteúdo a priori proposto a seu modo de ser; será este quem lhe dirá como ele se sentirá à vontade ou não, no mundo.
Isso mostra que temos um modo de ser como indivíduo e outro incorporado, agregado pela civilização. Esta última está transformando o homem em ser doente, o faz perder a possibilidade de vida que só se manifesta através do Eros. É o instinto da Morte ou de “Thanatos”, que se sobrepõe ao instinto da vida, trucidando-o pela acomodação.
A doença da civilização tem sido encarada e analisada sob vários pontos de vista. Marx, por exemplo, a verá sob o ângulo exclusivo da desordem econômico-política. O mal consiste, segundo Marx, na existência de uma política econômica que conduz o homem à alienação, visto que o trabalho deixa de ser criação para ser objeto de venda. O trabalho passa a ser medido pelo seu produto, pelo seu valor de produção. Assim, a sociedade alheia o homem, canalizando-o, exclusivamente, para uma maior produtividade.
Na dialética do mestre e do escravo, Hegel havia apontado tal fato, dizendo ser esta uma forma de desvalorização do trabalho. A consciência, que produz o trabalho, seria por aquele que usufrui os bens do trabalho: o senhor. Os conceitos hegelianos são aceitos por Marx ao descrever a sociedade capitalista, cujas imperfeições teriam suas causas na estrutura econômico-social em que se baseia. A transformação do trabalho, em forma de dominação, é assim denunciada e censurada por Nietzsche e por Freud.
Em resumo, o homem seria um ser doente: um alienado, como diria Nietzsche; um enfermo sócio-econômico, segundo Marx; um ser que se aliena nas ilusões que cria, de acordo com Freud.
Todo o problema se resume no fato de que o Ethos, que é a maneira de ser do homem no mundo, está sendo, pouco a pouco, transformado por condicionamentos impostos e alheios ao seu modo de ser originário.
Esse Ethos originário deve buscar sua realização no dinamismo do Eros contra “Thanatos” e não, na predominância deste, que se impõe em seus modos, ideais, conteúdos.
Jean Brun 8, analisando a sociedade contemporânea, diz o seguinte: “A técnica do século XX pode se prestar a uma interpretação de esperança de salvação para o homem, o qual põe toda a sua fé no futuro que virá, numa espécie de escatologia que curará o homem de si mesmo.”
Isso faz crer que o novo mito que o homem está plasmando não é mais o mito escatológico de uma bem-aventurança eterna vir de um paraíso perdido. O que se assiste é a transformação da técnica em mito e ideal, capaz de proporcionar ao homem a beatitude do Éden. é a técnica a serviço da salvação do homem.
Evidentemente, se a técnica não pode ser salvação no sentido de nova ilusão, poderia, no entanto, vir a ser criação, desde que não se transformasse em bens de uma minoria, em detrimento da maioria. Desde que não fosse imposta, mas pudesse chegar a ser fruto da criação humana.
O problema escatológico, na sociedade contemporânea, vem sendo abordado mesmo por aqueles que se dizem positivistas. Assim, por exemplo, diz-se que o nascimento e a preexistência na vida intra-uterina são caracterizados por uma espécie de beatitude. Todas as ações e todas as formas pelas quais o homem tenta superar a catástrofe de ter nascido e de existir, essa força que o leva em direção à morte, patente em todas suas ações, constituem o desejo de voltar à felicidade intra-uterina. Determinada escola psicanalítica interpreta o mesmo problema escatológico sob a forma de uma existência pré-natal, onde a beatitude era dada e onde todas as ações do homem estavam baseadas no desejo de voltar a essa felicidade. Com a morte, a individualização do homem se perderia e ele reencontraria ou adquiriria a beatitude numa terra prometida.
”A existência se desdobra de um Paraíso Perdido a uma Terra Prometida, (. . .) sendo reduzida a ser negação de si mesma, um falso estar – lá migrador, errando de um nada increado a algo semelhante ao Nirvana de Schopenhauer” 8.
Essas são algumas consequências de interpretações não apenas religiosas, mas evidentemente originárias da própria ciência.
A compreensão da existência, como negação de si mesma, porquanto encarada como uma migração do homem em busca do Nirvana perdido é amplamente combatida pela filosofia.
Se há um modo de ser que revela caráter de negação, esta não pode ser absoluta. Tem que ser uma negação, como na dialética de Hegel, instauradora do desejo de ser, de querer atingir o horizonte de uma plenitude “in-alcançável”. Uma negação que entranhe dinamismo.
Do que foi dito, destaca-se a tendência de expansão do poder autocriador do homem. A Filosofia da História não mais se preocupa com o futuro, mas é encarada como revelação. Passa a ser história que se revela, e se manifesta na sua apresentação.
A história não é, apenas, um momento que culminará num ideal a vir-a-ser, pois, ao realizar uma fase, propulsiona nova etapa. A dialética não se traduz numa espécie de ciclos sucessivos como pressupunha a dialética de Hegel que nos leva a interpretação cíclica da História, como propunham os filósofos da antiga Grécia.
A dialética de Hegel pretende ter um início e fechar o círculo, no final do qual, começaria um novo círculo mas dentro do primeiro.
Em outros termos, ter-se-ia da História a interpretação cíclica e a interpretação linear.
A dialética da História, como sendo fechada, é exemplificada em Hegel, é linear em Marx.
A mais importante característica do esquema dialético de Hegel não se refere à tríade dos momentos já mencionados, senão ao valor atribuído à negação capaz de fazer emergir o aspecto criador próprio do momento subsequente. A negação assim considerada tem poder inovador: não destrói, nem anula.
A dialética de Hegel recorda, pela analogia de suas diversas fases, a estrutura do id, ego e superego, atuantes dentro da mesma dinâmica. O esquema proporcionaria condições de criação sem o atrofiamento das relações de suas três estruturas.
A libido não comporta em sua estrutura nenhum aspecto de negatividade; esta só é encontrada no “eu” pela ação da consciência e da razão.
Se a negatividade entranha alguma tentativa de destruição da libido, deve ser desmascarada e condenada. Sua função não se esgota na destruição, mas deve indicar aquilo que, na consciência ética, se constitui em valor.
A consciência, portanto, dentro da dimensão dialética, estaria situada na chamada consciência ética, vinculada, por sua vez, ao superego, não como algo que viesse a limitar a ação do ego ou da libido.
Isso conduz à afirmação de que a consciência não pode subordinar-se aos valores impostos ou pré-determinados. Coloca-se na própria existência. Daí se depreende o conflito entre libido e ego, desejo e valor negativo, o que dá como resultado a criação e o aparecimento de uma dimensão da consciência moral e situado entre a dialética de desejo e da razão.
Esta deveria ser, sem dúvida, uma consciência responsável por próprios valores e que desse condições de se falar de um valor moral, no qual a autenticidade adquiriria nova grandeza.
Falta analisar, ainda, o que vem a ser a necessidade que busca, a necessidade de algo que não se tem, que falta, de que o ser humano se sente desprovido. O amor, por exemplo, é sempre amor de algo ou de alguém. O ser se afirma na falta de ser, no desejo de ser; é nisto que reside a estrutura do esforço, do Conatus. De uma moral da obrigação (moral do dever), passa-se a uma ética do desejo de existir. Assim, o símbolo do dominador, essa figura do Pai, essa imagem que se transforma em ídolo sofrerá um processo regressivo da sua destruição para ressurgir como um símbolo.
Os símbolos Freudianos são portadores de uma intencionalidade na qual a imagem é reinterpretada simbolicamente. Os mitos falam, portanto, do drama existencial do homem e da humanidade. A existência do homem é poder-ser, é projeto, antecipação.
Id, Ego, Superego (Mundo) ligam-se numa estrutura dialética, onde o sentido é expresso como presença minha ao mundo e a mim mesmo.
Aquilo que falta, a necessidade de algo, é anterior ao próprio Édipo; ela já se manifesta como uma ausência qualificada, e por isso mesmo como LINGUAGEM. A linguagem é, por excelência, situação; situa-se entre a Presença (da necessidade) e a Ausência (do objeto que irá satisfazer a necessidade).
O tema do desejo já estava presente na filosofia de Hegel, sob a forma do desejo de reconhecimento do homem pelo homem.
Convém assinalar, dentro do espírito da filosofia de Hegel, que a dialética é concebida pelo processo da manifestação do espírito traduzido, em linhas gerais, por três momentos: o primeiro ou do espírito subjetivo, o segundo ou do espírito objetivo e o momento do espírito absoluto.
O primeiro compreende o homem com relação a si mesmo e à sua interioridade e, portanto, na sua liberdade. Hegel vai mostrar que nesse momento colocam-se outras três relações, estudadas respectivamente pela Antropologia, Fenomenologia e Psicologia.
A segunda etapa seria produto do trabalho humano e daria como relacionamento a liberdade, reconhecida desde o primeiro momento como fundamental. Assim, o segundo momento se incorporaria ao primeiro, relacionando liberdade com necessidade. Essa exteriorização da liberdade faz surgir a cultura, considerada como conjunto das Instituições Humanas através do Direito, da Moral, e da Sociedade (Família, Organizações Sociais, Estados).
O terceiro momento representaria a síntese dos momentos anteriores. Manifestar-se-ia sob a forma de arte, religião e filosofia absoluta.
Foi dito anteriormente que no esquema de Hegel a dialética conserva as oposições, não suprimidas pela síntese. Todos os momentos mantêm suas características peculiares, incorporadas nos respectivos relacionamentos, levando consigo a sua diferença em relação ao outro.
O absoluto em Hegel não tem sentido de revelação que pudesse ser feita direta e pessoalmente. Por isso mesmo, quando tomado em seu ponto de partida, conduz à projeção do terceiro momento, fazendo-o autoconsciente.
Em Hegel o que importa, sobretudo, é a dinâmica do processo dialético.
O espírito absoluto não pode ser estudado sem mediações ou os elementos que indicam o que é revelado e manifestado. Essa manifestação não pode ser confundida com a aparência, no sentido de que ela seria outra do que aquilo que transparece, já que aqui representa um dos momentos da verdade. E esse momento de verdade não deve ser entendido em seu caráter totalitário mas sim como valor de um momento no qual pode ser revelada a sua verdade.
O espírito absoluto, por outro lado, não se encerra em si próprio, porquanto necessita de exteriorização. À medida em que se projeta, torna-se estranho a si – envereda-se pelo caminho do que Hegel chama alienação – aquilo que se apresenta como estrangeiro ao Espírito Absoluto. O Espírito Absoluto, à medida em que se exterioriza, torna-se estranho a si mesmo, põe diante de si algo que não é ele, mas que dele faz parte. No processo dialético, essa alienação buscará o retorno à manifestação ideal.
Em A Fenomenologia do Espírito, Hegel descreve essa experiência do espírito que realiza a passagem do “em si “ para si”. Tal experiência seria a tomada de consciência daquilo que é o “em si” e promoveria as condições adequadas à interpretação da experiência que o espírito subjetivo vai fazendo e que, Fenomenologia do Espírito descreve.
A Fenomenologia é o logos, a razão que se faz auto-consciente no processo de experiência ao qual se submete.
Tal ciência leva a consciência individual a conhecer-se a si própria e conhecer o espírito de seu tempo, propiciando-lhe. passagem para aquilo que pretende ser o saber absoluto, ultrapassando, evidentemente, o desenvolvimento puramente temporal e formando um saber de totalidade do real.
Convém repetir que o primeiro momento representa o espírito do sujeito considerado em sua interioridade e em sua liberdade. Essa interioridade manifesta-se através de três momentos: o momento inicial, onde o sujeito ainda não é consciência de si. Seria a maneira negativa de dizer que é algo em si, mas não é consciência de si. Na linguagem hegeliana, esse momento seria o da natureza.
Mas esse em si só o é para uma consciência, que é denominado por Hegel a consciência do “em si para mim”, que corresponde ao segundo momento acima enunciado.
Os dois momentos – do “em si” e do “para si” – de vez que existem em relação de unidade, formando o todo da personalidade, fazem surgir o terceiro momento.
A consciência é, essencialmente, desejo; entretanto, por ser infinita (pela sua liberdade, que é uma potência infinita) ela não pode ser desejo apenas de objetos finitos. Seu desejo se volta sobre o infinito e este se encontra pela mediação das outras consciências, marcadas pela liberdade – potência infinita.
Isso se realiza sob a forma do desejo de reconhecimento: cada consciência deseja ser reconhecida por outra consciência, é graças a esse desejo de reconhecimento que se justifica a luta, e nela a dialética do senhor e do escravo.
Na luta, um dos combatentes é vencido e reduzido à escravidão, reconhecendo, no seu vencedor, o mestre. Mas, ser reconhecido por um escravo não é ser reconhecido por um outro igual ao senhor, por uma consciência, já que o escravo, aceitando a sua condição, aceita ser tratado como um objeto. Não temos, ainda, o reconhecimento.
O escravo tem medo do Senhor e trabalha sob ameaça. No trabalho, ele aprende a dominar a natureza e percebe, assim, que nele há uma força capaz de transformar a natureza.
Este poder é o poder de sua consciência. Assim, no escravo, o espírito se torna consciente de si, a consciência passa a ser consciência de si.
Nesse momento não há mais senhor e escravo, mas uma sociedade de igualdade, onde todos os homens se reconhecem como consciência, graças ao intermediário do trabalho.
Hegel acredita que a diferenciação entre senhor e escravo desapareceu ou é anulada pelo trabalho. Marx, nesse aspecto, discorda das teorias de Hegel, criticando-o ao dizer que, embora tal análise seja fundamental, ficou no plano do abstrato e idealista. Hegel teria posto de lado as condições materiais dentro das quais mestre e escravo estão inseridos, o que tornaria invalidas suas teorias.
O segundo momento caracteriza-se como sendo o reconhecimento da exteriorização da liberdade ou da consciência, traduzida, em última análise, sob a forma de cultura e de institucionalidade da vida social. Também esse momento compreende três subdivisões básicas: a primeira originária da noção do direito, reconhece á pessoa humana a capacidade de possuir e usufruir de bens. Seria, por assim dizer, origem do direito de propriedade, regulado e dirigido por aquilo que o legislador romano iria chamar a “função do direito”.
Essa primeira subdivisão não se isola e necessita de interiorização, processo que Hegel analisaria como algo que é do direito, mas que necessita, para seu relacionamento, ser reconhecido como aspecto da moralidade social. O direito da propriedade seria enquadrado como sendo um direito em si para alguém.
Surge, finalmente, a vida social como terceiro momento, possibilitando o entrosamento do direito e da moralidade no todo social.
Em outro plano, tal esquema aplicar-se-ia à família, à sociedade civil e, por fim, ao Estado, representando, respectivamente, o primeiro, o segundo e o terceiro momentos.
O Estado seria a síntese da necessidade e da liberdade, isto é, da família e da sociedade civil.
Do acima enunciado, chega-se a algumas reflexões sobre a teoria do Estado, possibilitando investigações sobre a Filosofia da História.
Tal estudo, feito de várias formas e em várias perspectivas, pode ser um questionar sobre a unidade do sentimento e das leis gerais da História (leis do desenvolvimento e da evolução social, das mudanças sociais, etc). Se esse sentido é compreendido como único, deve ser regido pelas “leis do desenvolvimento, da mudança e da evolução, e não por pseudo-leis de constância e de regularidade aparentes”, o que leva a violentar todas as tendências dirigentes da história 9.
Essa é uma das tentativas de filósofos inspirados pelo esquema positivista de Augusto Comte, ao interpretarem a ciência histórica através da evolução da humanidade e das leis que regem essa evolução.
O que importa, contudo, não é apenas a investigação de tais leis, mas descobrir o fio condutor da História, englobando a multiplicidade de fenômenos e fatos, até a análise do Estado e das classes dirigentes.
Para a já mencionada corrente filosófica, nada que estivesse fora dessa linha poderia ser interpretada. O suporte epistemológico dessa posição considera a verdade numa única dimensão, incapaz de mostrar o constante fluxo que enriquece os enfoques históricos. Isso seria o primeiro plano de uma filosofia onde se instala o esquema hegeliano, que afasta a possibilidade de ser interrogado o sentido intrínseco da História.
Do acima exposto chega-se à conclusão de que a origem e as condições da história encontram duas explicações básicas, de acordo com as respectivas teorias: a) ou se estuda o fundamento da história sob o prisma de que deve atender ao apelo do absoluto e transformar-se em teologia da História; b) ou é a mesma considerada como produto da própria condição do ser humano.
A segunda teoria, iniciada com o criticismo alemão desenvolvida com Heidegger, pretende mostrar no próprio homem a origem da sua historicidade.
Esta filosofia, que encara a história como um modo de ser do homem, não exclui as ciências históricas: é mais ontologia do que epistemologia. Procura a dimensão fundamental que nos permitirá de a-perceber a história corno modo de ser do homem, supra-individual, transcendental, de todos os acontecimentos históricos singulares. É a historicidade do homem quem engendra a história e não inversamente.
Ao equacionar-se a problemática da historicidade do homem, sobressai, de relance, a diferenciação existente entre ciência histórica e filosofia da história.
A primeira permite, através da análise dos fatos passados e das leis que regem a evolução, que se chegue a uma espécie de antevisão do futuro – o devenir – do homem. Possibilita, desta forma, a elaboração de projetos ou tentativas de explicação sobre o que virá.
A primeira permite, através da análise de fatos passados. Não é apenas, a memória da humanidade, a rememoração de fatos perdidos nos séculos, é uma ciência baseada no Passado, que oferece ao Presente os meios de investigar o Futuro. O objetivo da História não seria outro que poder avaliar a situação do homem-herdeiro de» um passado que lhe dá condições de viver o Presente em busca de um determinado Futuro.
Essa interpretação aproxima a História propriamente dita à Filosofia da História – que estuda a inter-relação do homem em situação, cuja historicidade será o fundamento ultimada História, permitindo assim, enriquecer e dar novas perspectivas de investigação à ciência histórica.
Para certos filósofos, de Aristóteles a Hegel, os conceitos de logos e razão confundiram-se, adquirindo função classificadora, ordenadora e dominadora.
Para eles impõe-se uma revisão desses conceitos e dessas funções, de vez que o logos, englobando tudo aquilo que seria a realidade, manifesta-se apto a mover a unidade do ser em si para si, adquirindo o sentido aristotélico de inteligência.
A inteligência, assim entendida, realizaria o pensamento puro e a síntese dos três momentos: o passado, o presente e o futuro.
Esses momentos estariam englobados dentro do mesmo círculo e o futuro não seria mais que um prolongamento do presente, daquilo que já foi dado, sempre repetido com certa ordem e harmonia.
O presente permite, por assim dizer, o desenvolvimento do círculo histórico, através do desdobramento daquilo que já estava ’ contido, sob a forma de auto-consciência ou logos.
O logos que engloba todo o movimento, pode nessas condições, ser interpretado como uma inteligência divina, da qual o homem seria co-participante, sem possuir, entretanto, as propriedades totais da natureza.
A inteligência, compreendida em seu sentido aristotélico ’ como sendo um modo de ser que faz parte da totalidade do universo, não é uma transcendência de caráter religioso, mas apenas uma maneira do ser do homem.
Hegel seria a última tentativa do pensamento ocidental na linha dos princípios aristotélicos.
Essa concepção insere-se na linha da filosofia ocidental, cujos moldes, ainda vigentes, estão a exigir reformulação nova em1 bases condizentes com a própria civilização contemporânea.
Isso requer, obviamente, que os filósofos se disponham a aceitar o desafio que lhes foi imposto, retirando ao logos a condição de dominador.
Como conclusão deste capítulo podemos dizer que a fenomenologia de Husserl não pretende praticar a psicanálise, mas ela pode ajudar ao psicanalista a descobrir como a doença mental aparece como tal. Se nós compreendemos o sentido de intropatia (Einfühlung), nós podemos colocar a questão central, do ponto de vista epistemológico, de como o médico pode ter acesso à doença mental do paciente.
Pela influência da fenomenologia, a doença mental passou a ser compreendida como uma modalidade do ser. Será, assim, a negação da patologia objetiva, e uma afirmação de que é uma forma de viver, uma realização do ser. Essa tendência vem sendo desenvolvida pelos psicoterapeutas do “Dasein-Analyse”, que buscam a conjugação dos pressupostos de uma filosofia existencial sobre a natureza do homem com o método fenomenológico, para alcançar uma melhor compreensão do doente e da doença mental.
Binswanger dirá que para compreendermos o paciente, devemos saber analisar a dimensão estrutural da existência, que consiste no seu modo de ser no mundo (In-Der-Welt-Sein). Esse conceito engloba o mundo da pessoa, as suas relações com as outras pessoas e com as coisas. Para alcançarmos a extensão e a profundidade desse “Ser no mundo”, será importante analisarmos cada uma das relações em separado.
a) “Umwelt”: é o mundo das leis naturais, dos padrões biológicos da conduta, que obedecem a um certo determinismo biológico, buscando a adaptação e o ajustamento.
b) “Eingenwelt”: é a categoria que indica a autoconsciência e auto-identidade da pessoa.
c) “Mitwelt”: é nessa realização que se realizará o encontro existencial verdadeiro, dos relacionamentos significantes através das sensações, das emoções e dos pensamentos.
Binswanger propõe quatro modos existenciais ao “Mitwelt”:
c1) modo anônimo;
c2) modo singular: refere-se a todos os modos pelos quais o sujeito se relaciona consigo mesmo; condutas de autopunição e de autogratificação.
c3) modo plural: nos relacionamentos refere-se a algo a fazer; é o uso que se faz dos outros para conquistar seus próprios objetivos, sem consideração de ordem pessoal ou emocional com o outro.
c4) modo dual: relacionamento interpessoal, mutuamente significante e gratificante.
Para esse mesmo autor a história patológica é compreendida como ocorrência de modificações da estrutura total do “In-der-welt-Sein” do paciente.
{{4.3 Fenomenologia da História}}
A análise do “Ser-no-mundo” aproxima-nos da compreensão de que o Ser Humano é um Ser Histórico.
A História se apresenta como um encontro onde se verifica o esforço de compreensão do outro, e onde se coloca o fenômeno da inter-subjetividade.
é pela sua manifestação no mundo que o outro se torna outro-para-mim. Isso implica em que a história, supondo o encontro, faz respeitar a distância e a proximidade, a dualidade e a unidade, o outro enquanto tal. No encontro esse outro deve ser respeitado na sua alteridade; ele nos convida a conhecê-lo naquilo que ele é.
Por outro motivo H. Marrou nos diz que para “compreender um documento, e de maneira mais geral um outro homem, é necessário que o Outro se eleve largamente na categoria do Mesmo: é necessário que eu já conheça o sentido das palavras (ou dos signos) que utiliza a sua linguagem; isso exige que eu já conheça também as realidades das quais estas palavras ou estes signos são o símbolo” 10.
Há, entretanto, uma diferença fundamental entre compreender o Outro que é um homem e compreender o outro que é um documento. Esta diferença nos conduzirá ao encontro estudo das relações entre compreensão e interpretação. Quem nos alerta para o problema é Ricoeur 11 quando afirma que o setor que a história recorta na totalidade intersubjetiva é definida metodologicamente pela condição de um conhecimento por traços, e portanto pelo papel inicial do documento. Será por esta razão que o encontro em história não será nunca em diálogo, pois a condição primeira deste é que o outro responda; ora, a história é exatamente esse setor da comunicação sem reciprocidade. Ela pertence ao domínio da interpretação, onde um signo possui vários sentidos. Por isto mesmo nós nos situamos aqui no terreno da história dos historiadores, da pluralidade de histórias.
Nós gostaríamos, entretanto, de fazer a observação de que, de qualquer modo, para a compreensão é sempre necessário se voltar para o Outro, encontrar a comunhão entre sujeito e objeto, entre historiador e documento. Só há compreensão quando eu me transporto a uma vida exterior à minha; e a compreensão do outro só é possível porque ele se objetiva e porque esta objetivação é plena de sentido.
A pergunta que se faz, então, é uma só: quem é este ser cujo ser consiste em compreender, e cuja apreensão só me é dada numa relação vivencial? Poderei compreender o outro nele mesmo ou deverei incorporá-lo a mim? Poderei compreender a história nela mesma ou deverei fazê-lo a partir do historiador? Como deverei estabelecer a relação entre o eu e o outro, entre a história e o historiador?
Para a concepção clássica, o conhecimento do outro se faz por semelhança, por analogia com os estados vividos pelo meu eu. As teorias contemporâneas compreendem essa abertura sobre o outro do ponto de vista de um clima existencial determinado, na qual a percepção das coisas é sempre condicionada pelo corpo e por uma situação cultural determinada. Ela se efetua na inter-subjetividade e utiliza como instrumento uma forma qualquer da linguagem. Esta será, por exemplo, a posição de Merleau-Ponty, que diz: “se o outro é verdadeiramente para si, para além de seu ser para mim, e se nós somos um para o outro, (…) é necessário que nós apareçamos um ao outro, é necessário que eu e ele tenhamos um exterior; é necessário que ele tenha, além da pespectiva do Para si – (meu olhar sobre o meu eu e o olhar do outro sobre si-mesmo) -, uma perspectiva do Para o Outro – (meu olhar sobre o Outro e o olhar do Outro sobre o meu eu). Estas duas perspectivas, em cada um de nós, não podem ser justapostas, porque senão não seria eu que o outro veria, e não seria ele que eu veria, é necessário que eu seja o meu exterior, e que o corpo do outro seja ele mesmo. Este paradoxo e esta dialética do Ego e do Alter só são possíveis se o EGO e o ALTER EGO são definidos pela sua situação” 12.
De modo geral, o Cogito sempre desvalorizou a percepçao do outro, ensinando-os que o EGO só era acessível a si mesmo, pois ele se definia pelo pensamento que tinha de si mesmo e só a si acessível. Entretanto, a minha existência não se reduz à consciência que eu tenho de existir; ela engloba a consciência que alguém pode ter de meu existir; através da encarnação da minha consciência numa natureza e numa situação histórica. “O Cogito deve me descobrir em situação, e é graças a esta condição que a subjetividade transcendental poderá, como disse Husserl, ser uma intersubjetividade” 8.
A história nos conduzirá necessariamente ao historicismo ou a um relativismo? A historicidade é conciliável com a presença de algo imutável no homem? Haverá alguma relação entre sentido da história e historicismo?
A fenomenologia escapa a tais questões alternativas. Ela procede, inicialmente, fazendo uma análise da historicidade, da sua descrição fenomenológica, para somente a seguir ir em busca de seus fundamentos.
A análise da historicidade nos propõe que, antes de examinar os juízos e as categorias empregadas pela ciência histórica, ou mesmo por uma filosofia reflexiva, partamos para uma análise do pré-reflexo ante-predicativo, implicando em todo discurso ou em toda predicação.
”Tudo o que sei do mundo, mesmo aquilo que sei pela ciência, eu o sei a partir de uma maneira de ver que me é própria ou de uma experiência do mundo sem a qual os símbolos da ciência não valeriam coisa alguma. Todo o universo da ciência é construído sobre o mundo vivencial e se nós queremos pensar a ciência com rigor, apreciar o seu sentido exato e a sua repercussão, é-nos necessário, inicialmente, esta experiência do mundo do qual ela é expressão segunda” 8.
”A fenomenologia se ocupa com o problema da possibilidade da existência histórica. Ela não se limita a colocar o problema sob a forma epistemológica, que quer saber como a ciência histórica é possível; ela quer conhecer por que o homem é criador de historiedade, por que ele existe historicamente” 13.
Para aqueles que se engajam numa tal perspectiva, os dados imediatos sobre aquilo que é histórico nos revelam que os fatos passados, presentes ou futuros são relativos ao homem. “Todo o uso da palavra historicidade supõe a existência do homem. Um fato ou um objeto só são históricos em relação a ele. O que é primeiramente histórico é o DASEIN 14. Os objetos, a natureza, os acontecimentos só o são secundariamente e relativamente” 8.
Se nós analisarmos a estrutura histórica do ser humano, nós verificaremos que ela é a resultante de três componentes: o caráter encarnado do espírito humano, a intersubjetividade e a temporalidade.
Dondeyne 15 explica estes três componentes, dizendo que o homem como espírito encarnado significa que a sua liberdade é situada e que ele deve se objetivar pelo seu trabalho, exprimir-se numa obra, tornar-se presença para os outros. A obra é o traço de união entre as liberdades e, por conseguinte, entre o passado, o presente e o futuro da humanidade, tornando, assim, possível a intersubjetividade.
é por esta manifestação externa que o outro se torna outro-para-mim. A história, portanto, implica num encontro, onde a distância e a proximidade, a dualidade e a unidade são mantidas numa tensão dialética, permitindo que o outro seja respeitado na sua alteridade. O homem é também temporal idade. Sua maneira de estar presente ao mundo instaura um tempo humano onde o homem vive sua presença-no-mundo-com-os-outros.
Esta filosofia, que enfoca a história como um modo de ser do homem, não excluirá as ciências históricas. Ela será mais ontológica que epistemológica. Ela procurará a dimensão fundamental que nos permita perceber a história como um modo de ser do homem, supra-individual, transcendental, de todos os acontecimentos históricos singulares. É a historicidade do homem que engendra a história e não o contrário.
Para Heidegger esta historicidade tem suas raízes no ser do homem. Ele está preocupado em saber por que este ser possui uma existência que se es-tende, se des-enrola, constituindo uma história. De Waelhens observa que não se dirá que “o Dasein é temporal porque ele se apresenta na história; o Dasein é por si mesmo histórico porque ele é em si mesmo temporal, é pela temporalidade que a historicidade do Dasein se torna possível. A historicidade é um modo de ser da temporal idade” 16.
O histórico, portanto, enquanto modo de ser temporal, mantém uma ligação com o passado (herdando-o e trazendo-o consigo no presente, e que será transmitido, já enriquecido pelo trabalho criador, ao futuro.
Nesta perspectiva pode-se explicar o fundamento da história e da historicidade: a fonte da historicidade 17, enquanto capacidade de apreender a historicidade que se fez, está no passado.
A ideia de que a ciência histórica deve retirar fatos únicos ou leis gerais que permitirão entrever o devir histórico, é considerada uma questão mal colocada por Heidegger. O verdadeiro objeto da ciência histórica seria aquilo que fosse suscetível de repetição. A ciência histórica não se ocupa de fatos absolutamente individuais, nem das regras universais pois nem um nem outro existem. O que existem são as condições e as possibilidades reais de tal existência, possibilidades que formam um conjunto específico de elementos únicos e de elementos que se repetem. São estes últimos elementos que a história deverá retirar e se ela o fizer, ela terá descoberto o universal singular.
Esta repetição não deve ser compreendida no sentido do eterno retorno dos gregos. Ela supõe a temporalidade segundo a qual o passado pode ser transmitido e retomado como um modelo para se tornar uma recriação no presente e ser transmitido ao futuro.
Max Muller irá ainda mais longe quando afirma que a história é o SER e que ela é um dos seus transcendentais. “A história não se encontra no interior do mundo, ela é o mundo enquanto história. Ela não está no SER; ela é o SER, mesmo enquanto prolongamento da realidade, envolvendo todas as coisas desde o início até o fim. Assim, como a verdade, a unidade, a beleza, constituem para S. Tomás aspectos transcendentais do SER, assim também a história será um aspecto do todo. Ora, nunca os filósofos da tradição mencionaram a história entre os transcendentais como nós o fazemos agora” 18.
Aprofundando a compreensão da palavra historicidade. Dondeyne nos diz inicialmente o que esta palavra não significa 19:
a) Historicidade não é sinônimo de fugacidade. O sentido moderno de historicidade supõe uma consciência que, para se engajar no presente, se projeta para o futuro. O passado é compreendido como aquilo que esteve presente e contribui para nos fixar no presente, graças a um processo de retenção e de reativação;
b) Historicidade não é sinônimo de “motus”, movimento, mudança;
c) Historicidade não é sinônimo de devenir. Esta palavra se aplica melhor ao mundo natural para a compreensão dos processos de desenvolvimento, de evolução e eclosão.
A história humana, porém, nos conduz a um mundo de liberdade situada; e
d) Historicidade não é sinônimo de duração no sentido usado por Bergson. Para compreender a Historicidade é preciso compreender os elementos componentes da estrutura de nosso ser histórico. Elas são, respectivamente:
i) Caráter encarnado do espírito humano, pelo qual nós nos introduzimos no mundo de uma liberdade situada, que se exprime no mundo material graças à mediação do trabalho;
ii) A temporalidade, como consequência desta encarnação do homem. O tempo humano nada mais é do que a maneira humana de estar-presente-ao-mundo. O presente é uma presença que engloba o passado e o futuro.
Estar presente para o homem significa ser capaz de reter o passado, de reconhecê-lo como algo que esteve presente e, ao mesmo tempo, ser capaz de projetar, antecipar um avenir a partir desta presença, de fazer surgir os sentidos das ações e das coisas, ser abertura sobre o futuro; e
iii) Intersubjetividade: um sentido nasce sempre do encontro de uma intenção e de um dado que já-estava-lá.
É por isto que o dado encontrado nos aparece sempre como um misto de facticidade e de significação, como um fato portador de significação.
A ideia de sentido é inseparável da ideia de direção, de orientação, de projeto, de horizonte, de futuro.
O mundo que eu encontro em torno de mim como já-lá, é um mundo impregnado pelas gerações passadas e pela presença presente dos outros.
Esta presença do outro pode se apresentar de maneiras diversas.
Inicialmente o outro aparece em nossa vida como um obstáculo, uma ameaça para a nossa liberdade. Ele é alguém como quem eu devo partilhar meu mundo.
Ele pode aparecer como um companheiro nos caminhos de minha liberdade. O outro é reconhecido como necessário para a minha realização e como alguém com quem eu posso partilhar algo. Assim, nós recebemos e damos em nossas relações com o outro. Isso implica uma tolerância para com o outro, em respeito à sua alteridade. O outro na sua alteridade se transforma em interpelação para mim, em exigência de uma resposta minha ao seu chamado.
Husserl encontrou, entre os seus contemporâneos, filósofos que se preocupavam com a reflexão sobre a História, tais como Dilthey, para quem a filosofia não devia ser definida como um conhecimento absoluto e sim como um conhecimento construído no tempo e sofrendo as influências do tempo presente.
Mas Husserl se distanciará destas filosofias da história que procuravam dar uma visão do mundo como simplesmente provável, apesar de reconhecer o seu valor para a existência concreta. Para Husserl, em sua primeira fase, a filosofia deve ser uma reflexão sobre a essência dos fenômenos da história, dando, assim uma resposta às questões do tempo presente.
A seguir ele percebe que a atividade filosófica não se restringe a uma reflexão sobre a essência, pois existe uma “gênese do sentido” das ideias, conforme traduz M. Ponty a palavra “Sinngenesis” 20. Nesta fase Husserl falará de uma história intencional, pela qual o sentido surge em virtude de uma perspectiva colocada por mim e não apenas percebida por mim. O que Husserl quer dizer com isso é que a essência só pode ser atingida através de uma série de procedimentos que se realizam na história, fazendo com que o sentido atual só possa surgir porque houve um sentido anterior que foi sedimentado e lhe serviu de suporte.
M. Ponty comentará essa fase do pensamento de Husserl dizendo que ser filósofo não significa dar um salto da existência para a essência, que para compreender a história não precisamos ir da facticidade para a essência da história; nós compreendemos o passado em virtude do elo interior que existe entre ele e nós. A compreensão se torna coexistência com os contemporâneos assim como dos antecessores e sucessores.
A fenomenologia como instituição das essências não é abandonada, mas apenas se exige que elas sejam colocadas diante dos fatos, diante de seu meio de onde derivaram as significações dos fenômenos históricos de uma determinada sociedade.
Husserl, em seu último período, não considera mais a essência fora do fato, o pensamento filosófico fora da história e do tempo. Para ele a fenomenologia da história é procura da essência ou do sentido da história a partir do fato histórico. A historicidade surge da temporalidade humana e por isso quando falamos de mundo histórico já pressupomos um mundo dos homens em relação, em situação, ou seja, em sociedade.
A história se funda na intersubjetividade transcendental, na exigência essencial da temporalidade humana; ela constitui nosso horizonte de inteligibilidade e de cultura.
A fenomenologia se propõe, então, por tarefa de “fazer a humanidade tomar consciência de que ela é sujeito. .. e o filósofo como diz Husserl, será o funcionário da humanidade, a ela servindo. . . A filosofia da história de Husserl contentar-se-á em indicar para o nosso tempo um futuro que virá, a construção de um humanismo fundado nesta vida fenomenológica da liberdade” 21.
- Merleau-Ponty, Maurice: Phénoménologie de la perception, Paris, Gallimard, 1945; pp. 209-218[↩]
- De Waelhens, Alphonse: La philosophie et lês expériences, Martinus Nijhoff, 1961; p. 196[↩]
- Phénoménologie de la perception; p. 372[↩]
- Hegel, G.W.F.: La phénoménologie de l’esprit, Paris, Aubier, 1939; v. I, II[↩]
- Ricoeur, Paul: Le volontaire et l’involuntaire, Paris, Aubier, 1963[↩]
- Ricoeur, Paul: De l’interprétation; essai sur Freud, Paris, Seuil, 1965[↩]
- Brun, Jean: Démythisation et morale, paris, Aubier, 1965[↩]
- Ibid.[↩][↩][↩][↩][↩]
- Comte, Auguste: Cours de philosophie positive, t.4; pp. 519-520[↩]
- Marrou, H.I.: De la connaissance historique, Paris, seuil, 1954; p. 88[↩]
- Ricoeur, Pau: Histoire et vérité, Paris, Seuil, 1964; p. 40[↩]
- Phénoménologie de la perception; Avant-Propos[↩]
- De Waelhens, Alphonse: La philosophie de M. Heidegger, Louvain, Nauwelaerts, 1955; p. 225[↩]
- O modo de ser humano situado-no-mundo[↩]
- Dondeyne, Albert: La foi écoule le monde. Louvain, Ed. Univ., 1964; p. 62[↩]
- La philosophie de M. Heidegger, p. 226[↩]
- Ibid., p. 233[↩]
- Muller, Max: Expérience et histoire, Louvain, Ed. Univer., 1959, pp. 26-27[↩]
- Dondeyne, Albert: “L’historicité dans la philosophie contemporaine”, in R. Philosophique de Louvain, t. 54, fev-aug, 1956, pp. 6-12[↩]
- Merleau-Ponty, Maurice: Les sciences de l’homme et la phénoménologie. Les cours de la Sorbonne, 1963; pp. 49-50[↩]
- Kelkel, L. E Schérer, R.: Husserl, sa avie, son oeuvre; pp. 78-79[↩]