Quando se reconhece a originalidade da vida, deve-se “compreender” a matéria na vida e a ciência da matéria, que é a ciência simplesmente, na atividade do vivente. A física e a química, buscando reduzir a especificidade do vivente, apenas permanecem, em suma, fiéis à sua intenção profunda de determinar leis entre objetos, válidas fora de qualquer referência a um centro absoluto de referência. Finalmente, essa determinação as levou a reconhecer, hoje, a imanência do mensurador ao mensurado e o conteúdo dos protocolos de observação relativo ao próprio ato de observação. O meio no qual se quer ver aparecer a vida só tem, então, algum sentido de meio, pela operação do vivente humano que ali efetua medidas com as quais sua relação com os aparelhos e com os procedimentos técnicos é essencial. Depois de três séculos de física experimental e matemática, meio que, para a física, primeiro significava meio ambiente, passa a significar, para a física e para a biologia, centro. Ele passa a significar o que significa originalmente. A física é uma ciência dos campos, dos meios. Mas acabou-se descobrindo que, para haver meio ambiente, é preciso haver centro. É a posição de um vivo referindo-se à experiência que ele vive em sua totalidade que dá, ao meio, o sentido de condições de existência. Só um vivente, infra-humano, pode coordenar um meio. Explicar o centro pelo meio ambiente pode parecer um paradoxo.
Essa interpretação não retira nada de uma física tão determinista quanto ela quiser e puder; não lhe retira nenhum de seus objetos. Mas ela inclui a interpretação física em uma outra, mais ampla e mais compreensiva, já que o sentido da física ali é justificado e a atividade do físico integralmente garantida.
CANGUILHEM, Georges. [O conhecimento da vida->http://93.174.95.29/_ads/144680EF71D8B84F886BA12D88DCDCCF]. Tr. de Vera Lucia Avellar Ribeiro. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 100-101.