Beneval de Oliveira: O Movimento Fenomenológico

Stein salienta que o fator determinante em Heidegger é o encontro com a fenomenologia.

Abandonado o esquema onto-teológico Heidegger com a redescoberta da fenomenologia desencadeou os novos recursos que conduziram às regiões distantes de um pensamento que se afirmou confrontante com toda a tradição filosófica ocidental.

Não há dúvida de que Heidegger ficou impressionado com as teses de Husserl, sobretudo, depois que surgiram as Ideias para uma Fenomenologia Pura e as Meditações Cartesianas. Como se sabe, Husserl procurou encontrar uma filosofia da consciência pura escoimada do historicismo e do logicismo psicológicos ativando uma consciência desligada do fenômeno coisificado. Tudo ficará ligado à consciência, isto é, a uma transcendentalidade que se fundamenta numa intencionalidade.

Até aqui já dizia Husserl nas Meditações Cartesianas “a questão do saber se tratava de objetos reáis ou irreais, de objetos possíveis ou impossíveis, nenhum deles, porém, jogava grande importância, já que estes constituíram simples elementos correlativos aos momentos conscientais” 1. Era o primeiro passo para se estabelecer o que se convencionou chamar de fenomenologia.

Vimos, então, nas Meditações Cartesianas como Husserl se preocupou em geral com um objeto intencional, abrangendo o Cogito Cogitatum em toda a sua amplitude. Proclamando o Cogito este se distanciou do Cogito Cartesiano, inserindo-se no plano das Cogitato, isto é, no plano da existência que constitui o seu verdadeiro pólo noemático. A consciência é um fluir que não cessa de intencionar e consequentemente de intuir.

A, fase derradeira de Husserl partia para a redução, para a epoché que reduzia o dado à intenção, o cogito ao objeto intencional tomado puramente enquanto tal.

É a este objeto intencional, diz Husserl, que se relacionam os predicados Ser e Não ser e seus variantes modais, que não se relacionam a objetos puro e simples, mas no sentido disto que passa da subjetividade à objetividade. A intenção = ato se relacionam os predicados verdade = falsidade, ainda que num sentido extremamente amplo, adquirem um sentido fenomenológico.

Ainda sob forma estrutural na questão do estabelecimento da razão, Husserl asseverou que ela não é uma faculdade, tendo o caráter de um fato acidental, pois ele não engloba sob sua noção os fatos acidentais, mas ela é essencial da subjetividade transcendental em geral, pois são funções da razão confirmar e verificar a justeza das evidências.

Afirmou, ainda, Husserl, entre outros tópicos que como pesquisa fenomenológica, a evidência designa um fenômeno amplo um fenômeno e último da vida intencional. Ela se opõe, então, a isto que se entende de hábito por ter consciência de alguma coisa, esta consciência aqui podendo ser a priori, ser nada, puramente abstrata, simbólica, indireta, não expressa. A evidência, salienta Husserl, é um modo de consciência de uma distinção particular. Nela, uma coisa, um estado de coisas, uma generalidade, um valor, estes eles mesmos se apresentam, se oferecem à pessoa. Esclarecimento para Husserl é um modo de realização da evidência que designa um modo de ser de sua realização.

O caminho percorrido por Husserl para atingir o seu Ego transcendental foi, portanto, bastante árduo e cheio de tergiversações, a transcendentalidade criada pelo parênteses levava a um impasse do qual Husserl jamais pode sair.

Heidegger sentiu a abstratidade do método fenomenológico husserliano e por isso mesmo fez desabrochar a questão do ser para um sentido meramente existencial, substituindo a analítica da consciência pura e simples para a analítica existencial do “Ser-Aí”.

Stein adverte muito bem: O filósofo procura precaver-se principalmente contra a tentação da constituição do Eu transcendental, porque além de julgar insustentável o acesso a este ou pela via da redução, ou por outro caminho, ele entreve no recurso ao eu transcendental uma repetição do modelo da metafísica ocidental: a noesis noeseos, o pensamento de pensamento, o Deus na sua absoluta autopossessão, modelo inacessível da interrogação filosófica. A fenomenologia transcendental, na medida em que era conduzida pelo modelo de presença constante, visava precisamente eliminar toda dimensão fáctica, assumindo todo o mundo da vida no eu transcendental. Além de Heidegger não admitir a possibilidade da redução, criticava nele a ausência de uma preocupação ontológica tanto em torno do ser posto entre parênteses na redução, como do ser que constitui o ser-aí. A sua fenomenologia devia velar a manifestação do ser no âmbito da diferença ontológica, na ambiguidade do velamento e do desvelamento em que homem e ser se comunicam”. 2

  1. HUSSERL, Edmond – Méditations Cartésiennes, p. 35.[]
  2. STEIN, Ernildo, Op. cit. p. 89[]